A atual gestão do estado do Rio de Janeiro, do governador Cláudio Castro (PL), gastou apenas metade do previsto em orçamento no programa de prevenção e resposta a desastres, apontam dados do governo do Rio de Janeiro.De acordo com os dados do Portal Transparência, apenas 47% do valor previsto em orçamento para ser gasto no ano passado neste setor foi de fato empenhado (primeiro passo para gasto do dinheiro público). Foram reservados R$ 192,8 milhões, contra um total de R$ 407,8 milhões de dotação inicial no orçamento.A baixa execução não tem relação com a crise financeira do estado. O governo empenhou 86% do total previsto no orçamento de 2021, segundo o mesmo portal.O programa “Prevenção e Resposta aos Risco e Recuperação de Áreas Atingidas por Catástrofes” ficou em 42º no ranking de execução comparado aos 72 previstos no estado. O fato de estar abaixo da média de porcentual de empenho indica que recursos destinados a ele foram remanejados para outras áreas.É nesta rubrica que constam obras capazes de prevenir desastres como o ocorrido em Petrópolis, cidade na qual ao menos 78 pessoas morreram.Em Petrópolis, o governador reconheceu passivos na prevenção de tragédias, mas defendeu os investimentos já realizados por sua gestão.“Uma das minhas primeiras ações ao assumir o governo (após o afastamento de Wilson Witzel) foi criar o comitê das chuvas. Gastamos mais de R$ 200 milhões limpando rio e R$ 80 milhões em contenção de encosta. É um passivo enorme. Não se resolve um passivo enorme em dois, três anos”, disse Castro.Em nota, o governo não comentou a baixa execução do programa. Afirmou que “adquiriu e contratou mais de R$ 330 milhões em materiais e serviços para serem especificamente utilizados no Plano de Contingência para as chuvas de verão”.Listou a dragagem de rios na região serrana que retirou 13.378 metros cúbicos da calhas fluviais e mencionou a construção de casas para “sanar parte do passivo da tragédia de 2011”, quando 74 pessoas morreram na cidade –e mais de 900 em toda a região serrana.O descompasso entre a solução do déficit habitacional e as tragédias em Petrópolis é um dos problemas apontados pelo vereador Yuri Moura (PSOL), presidente da comissão de Direitos Humanos e Assistência Social da Câmara Municipal.“Temos um plano de habitação de interesse social que não sai do papel por falta de recurso.”Choveu na região em poucas horas mais do que era esperado para todo o mês de fevereiro. Foram 258 mm, e a previsão é de mais chuva forte na quinta (17) e sexta (18).Em poucos minutos, Elenir de Souza viu ruir o que levou 38 anos para construir. Moradora da Vila Felipe, bairro de Petrópolis (RJ), ela precisou sair de casa às pressas porque parte do imóvel desabou em razão das fortes chuvas que castigaram a cidade nesta terça-feira (15), deixando dezenas de mortos e centenas de desabrigados.“Foi uma luta muito grande para eu construir minha casa e perder tudo assim tão de repente, é muito doloroso. É uma tragédia. O meu bairro acabou. Eu moro na Vila Felipe há 38 anos. São 38 anos de muita história, mas a vila acabou”, disse ela, enquanto outros desabrigados procuravam roupa em uma igreja batista localizada no bairro de Alto da Serra, uma das áreas mais afetadas pelos temporais.“Só saí com documento de casa e mais nada. Nós chegamos ao abrigo completamente enlameadas”, conta Elenir, acrescentando que perdeu no temporal muitos vizinhos. “Casas desceram morro abaixo. Várias amigas morreram. Filhos, maridos e netos morreram”, diz ela, contando nos dedos os amigos e vizinhos que perderam a vida.DoaçõesDiferentes campanhas buscam arrecadar doações para as vítimas da tragédia. As doações podem ser feitas por transferências de dinheiro até itens básicos, como alimentos e produtos de higiene.O Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) Petrópolis está arrecadando itens diretamente no município, mas doações podem ser feitas em dinheiro na conta do Banco do Brasil do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (agência 2885-1 e conta corrente 127599-2). O CNPJ é 27.219.757/0001-27.A organização comunitária SOSerra também está recebendo doações via Pix (24) 99303-8885. Especialista diz que cidade deveria ter sido evacuadaNo dia anterior aos temporais que causou mortes e destruiu parte de Petrópolis (RJ), a Defesa Civil do Rio de Janeiro recebeu um alerta de possibilidade de “chuvas isoladas ao longo do dia, podendo deflagrar deslizamentos pontuais, especialmente nas regiões de serra e/ou densamente urbanizadas” na região Serrana do Rio de Janeiro, onde fica a cidade.O aviso foi dado na segunda-feira (14) pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) e deveria ter levado as autoridades a retirarem os moradores do local, diz Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP e vice-presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.“O governo do Rio de Janeiro deveria ter evacuado Petrópolis quando recebeu o alerta de risco de desastre. Isso é óbvio”, diz.“Se há um alerta de chuva forte em uma região sabidamente de risco, a primeiríssima coisa a se fazer é retirar todo mundo desse local”, disse Artaxo.Para o físico, não houve evacuação porque a Defesa Civil do Rio de Janeiro não está preparada para lidar com uma situação como essa. “Uma década depois do desastre de 2011 e isso volta a acontecer. O contexto climático, chuva e região de risco, é similar ao de dez anos atrás e ainda assim vivemos mais um desastre.”Artaxo avalia que, apesar de haver avanços, como a instalação de sirenes na região e o monitoramento de áreas de risco após a criação do Cemaden, “de nada adianta monitorar o risco se a Defesa Civil não for capaz de atuar. As defesas civis brasileiras precisam quadruplicar de tamanho urgentemente”, afirma.Os deslizamentos foram previstos e notificados à Defesa Civil do estado, mas a magnitude pegou a todos de surpresa, diz José Marengo, meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.A violência e intensidade dos deslizamentos remetem à tragédia de 2011 na região serrana do Rio. Na ocasião, mais de 900 pessoas morreram. O caso foi classificado pela ONU como um dos dez piores deslizamentos do mundo em 111 anos.Para Marengo, não há dúvida de que os eventos climáticos estão cada vez mais extremos, mesmo em comparação à tragédia de 2011. “Menos pessoas morrem hoje porque se criou uma cultura de monitoramento de desastres com a criação do Cemaden. Até 2011, os alertas tratavam apenas da chuva e não de movimentação de massa (deslizamentos, escorregamentos e correlatos).”O meteorologista reflete sobre a importância do monitoramento para evitar mortes -uma vez que, apesar de ser possível gerar alertas, é praticamente impossível evitar os deslizamentos-, e compara a tragédia de 2011 à da Bahia em dezembro de 2021. “As chuvas na Bahia foram piores do que as de Petrópolis, mas morreram menos pessoas do que em 2011.”“Escolas foram varridas do mapa em Petrópolis. Essas crianças vão perder um ano de suas vidas por causa de um desastre que poderia ter sido evitado se o Brasil tivesse aprendido a lição após 2011. O Cemaden precisa crescer e receber verba.”O Cemaden foi criado em julho de 2011 por decreto da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) menos de seis meses após o maior desastre na região Serrana. -Imagem (Image_1.2404240)