Os pisos táteis instalados nas calçadas de Goiânia apresentam problemas que têm dificultado a rotina de quem precisa se guiar por este tipo de sinalização. Seis anos após a instalação se tornar obrigatória, diversos pontos da capital estão com falhas no dispositivo de acessibilidade, o que inclui desgastes e peças quebradas. A deterioração somada a uma adesão lenta faz com que os benefícios da lei, nos moldes em que está, sejam colocados em xeque.No Setor Bueno, um dos bairros mais caros da capital, é possível observar vários exemplos de pisos táteis danificados. Em um bar movimentado na Rua T-36, o desgaste das peças já acabou com os relevos usados como guia, restando apenas uma faixa amarela. Outros trechos de calçada da mesma via têm pisos quebrados. Além da ineficiência, a situação das estruturas colocam em risco as pessoas com alguma deficiência, conforme relatam representantes.Desde dezembro de 2015 a legislação municipal prevê que novos imóveis ou aqueles que passam por modificações devem adequar o passeio público dos pedestres às normas de acessibilidade, como a colocação de piso tátil e retirada de inclinações e pisos derrapantes. Mais de cinco anos depois, em balanço feito pela Prefeitura de Goiânia no ano passado, apenas 45,9 mil dos 728 mil lotes já estavam com as calçadas adequadas, o que representa 6%. Entre aqueles instalados, falta atenção a padrões e manutenções.O professor Lucas Afonso, que tem deficiência visual e mora no Setor Coimbra, avalia que a maior parte dos danos é causada por motoristas que estacionam em cima das calçadas. “Além de dificultar o percurso, o carro quebra as peças e aos poucos vão se formando os buracos. Isso, claro, complica bastante, porque você fica em risco de pisar em falso”, relata o professor, que trabalha no Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente Visual (Cebrav).O diretor da Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás (Adveg), Francisco Romeiro, diz que da forma em que estão sendo implementados, os pisos não atendem a comunidade de forma ampla e concreta. Além dos danos pelo tempo, Romeiro destaca a falta de atenção às normas como o principal problema. “Caso tudo seja colocado dentro do que prevê a legislação, as nossas necessidades seriam atendidas”, considera.Para o vereador Willian Veloso, presidente da Comissão das Pessoas Portadoras de Deficiência da Câmara Municipal de Goiânia, há a necessidade urgente de discutir a efetividade da lei. O parlamentar afirma que, além das falhas na fiscalização, o goianiense não abraçou a importância dos pisos táteis. “Achava-se que após a lei haveria empatia, mas está constatado, até o momento, que sem provocação legal, a instalação e a manutenção não são feitas”, considera.Apesar dos problemas, o professor Afonso lembra que a instalação dos pisos táteis é a saída mais viável para a acessibilidade das pessoas com deficiência visual. “Está sendo a partir disso que estamos tendo oportunidade de seguir caminhos com confiança no nosso pisar”, destaca.Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, no Brasil existem mais de 6,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual. Deste total, 528 mil são incapazes de enxergar (cegos) e outros 6 milhões possuem baixa visão ou visão subnormal (grande e permanente dificuldade de enxergar). A estimativa do IBGE para Goiânia no Censo de 2010, quando a capital tinha 1,3 milhão de habitantes, era de que a cidade tinha 4.344 pessoas cegas e outras 34.732 com grande dificuldade de enxergar. A estimativa atual é de que a capital tenha mais de 1,5 milhão de habitantes. Falta de fiscalização é problemaOutra avaliação é de que há falha na fiscalização das instalações. Demonstração disso é que os representantes citam problemas como caminhos de pisos táteis em zigue-zague e aqueles que direcionam a obstáculos como postes e árvores. “A lei foi criada e infelizmente não abarcou uma obrigação para que todos os imóveis passassem por uma transformação e (os pisos) fossem instalados de forma uniforme. O que temos experimentando é uma série de ocorrência de erros”, cita o vereador Willian Veloso.O professor Afonso, do Cebrav, diz que os erros básicos nas instalações prejudicam. “Percursos que te levam quase diretamente para postes e lixeiras, por exemplo, sem a sinalização adequada. Não é que não haja sinalização, mas ela é colocada de forma errada, muito próximo desses objetos, fazendo com que você não consiga desviar a tempo”, explica.Também entendido como um obstáculo, a baixa cobertura preocupa. Conforme mostrou o POPULAR no ano passado, o número de imóveis com calçadas adequadas mais que quadruplicou entre 2018 e 2021, saindo de 8.154 em 2018 para 46 mil em 2021. Mesmo assim, a porcentagem ainda é pequena e na prática os trechos com acessibilidade adequada são intercalados com trechos sem os pisos táteis.Afonso relata que em situações como o fim repentino de um trecho sinalizado o pedestre com deficiência visual pode ficar perdido. “A pessoa que passa pelo local esporadicamente precisa procurar uma parede para se guiar”, conta. O diretor Romeiro avalia que falta para a capital um dispositivo que deveria anteceder a lei das calçadas acessíveis. “Nós não temos um plano de calçadas. São muitos os exemplos de trechos em que seria impossível colocar um piso tátil que funcione, porque são calçadas que têm degraus no percurso”, detalha sobre as experiências do dia a dia.MudançasPara o vereador Willian Veloso há a necessidade de alterações na lei. “O cidadão precisa de acessibilidade em todo o perímetro que ele percorre. Algo precisa ser feito, o que não é possível é fazer de conta que temos uma lei que obriga e na prática não seja cumprida”, reclama. Entre as sugestões, o parlamentar cita a possibilidade de tornar o poder público responsável pelas instalações.“É preciso avaliar. Que se crie uma forma deste piso ser colocado pela iniciativa pública e compensado por cobrança no IPTU e ITU, por exemplo”, cita Veloso. Segundo o vereador, não cabe ao parlamento sugerir este tipo de modificação, sendo responsabilidade do Paço. “Estamos procurando construir um diálogo para que seja elaborado algum projeto. Nossa avaliação atual é de que não deu certo”, acrescenta. Aplicação tem norma específicaArquiteta e urbanista, a gerente técnica do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Giovana Jacomin, avalia que apesar da evolução numérica das calçadas com pisos táteis, o que é observado é a continuidade dos problemas de execução. “Temos um avanço natural, porque como a legislação obriga, conforme vão sendo realizadas as reformas, edificações e mudanças do uso dos imóveis, nós temos novas calçadas. Agora, a norma não está sendo bem observada na hora de fazer essas instalações”, diz Giovana. A arquiteta considera que há normas claras, citando que é possível conferir desenhos e detalhamento do que deve ser feito em cada ponto da calçada e em diferentes circunstâncias. “Talvez ela não esteja sendo bem divulgada.”Para a arquiteta, por trás do problema está a execução feita por leigos no assunto. “Que seja exigido um profissional habilitado para a execução ou que a Prefeitura ofereça uma assessoria para quem demandar. Por mais que gere custos é a forma que a nossa legislação coloca para as calçadas. Então precisa que seja executado de uma forma correta.”“Os pisos táteis precisam ser bem executados porque quem precisa utilizar, aprende a usar conforme os padrões. Não é só a questão dos tamanhos e posições, é também as cores. O contraste é fundamental para as pessoas de baixa visão”, diz.Leia também: - Demora em reforma de calçadas em Goiânia provoca reclamações- Ciclovias se deterioram em Goiânia