Atualizada em 7.03 às 10h14.As investigações sobre a morte de quatro pessoas em uma chácara em Colinas do Sul, na região da Chapada dos Veadeiros, durante uma ação policial no dia 20 de janeiro apontam para uma emboscada na qual as vítimas foram rendidas antes de serem mortas. O inquérito, que pede o indiciamento de sete policiais militares por homicídio qualificado mediante “recurso que dificulte ou torne impossível a defesa” da vítima, indica que Salviano Souza Conceição, de 63 anos, Ozanir Batista da Silva, o Jacaré, de 46, Alan Pereira Soares, de 28, e Antônio Fernandes da Cunha, o Chico Calunga, de 35, foram abordados primeiro na chácara de Ozanir, e depois levados para a vizinha, de Salviano.Na semana passada, a Justiça acatou pedido do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), e determinou a prisão dos sargentos Aguimar Prado de Morais e Mivaldo José Toledo, do cabo Jean Roberto Carneiro dos Santos e dos soldados Welborney Kristiano Lopes dos Santos, Luís César Mascarenhas Rodrigues, Ítallo Vinícius Rodrigues de Almeida e Eustáquio Henrique do Nascimento. Os policiais efetuaram 58 tiros com quatro fuzis e duas pistolas e um revólver, sendo que pelo menos 10 atingiram as vítimas.Entre os fatos que foram destacados no inquérito entregue à Justiça nesta sexta-feira (3) a Polícia Civil destacou uma marca de tiro no chão cheio de sangue, a forma como um dos disparos atingiu uma das vítimas, testemunhos relatando que os policiais ficaram cerca de uma hora e meia no local antes dos primeiros disparos e a forma como eles dizem ter encontrado a chácara, com base supostamente em denúncias, o que seria praticamente impossível.A Polícia Civil apurou que Alan, que é de Niquelândia, teria sido ameaçado pelo sargento Prado e pelo cabo Luiz César dias antes. E uma familiar de Salviano disse que Prado o conhecia, já tendo inclusive visitado a chácara em outra ocasião. Em seu depoimento, Luiz César admite que conhecia Alan por tê-lo abordado durante o serviço anteriormente.As mortes provocaram uma forte comoção em Colinas e nas cidades vizinhas, principalmente no distrito de São Jorge, onde Salviano era conhecido, em Cavalcante, onde vivia Antônio, e em Niquelândia, onde atuam as duas equipes policiais detidas. Uma série de protestos fez com que tanto a Polícia Civil como o MP-GO se manifestassem garantindo a continuidade das investigações. Documentos no processo apontam que um dia após o crime o Ministério Público já passou a cobrar empenho nas investigações.Na versão inicial dos policiais, eles receberam denúncia de que havia em uma plantação de maconha na zona rural entre Colinas do Sul e Cavalcante, sem precisar exatamente o local, e que após uma incursão pela mata, encontraram “uma grande quantidade de pés de maconha” – depois informado que seria mais de 500. No local, teriam sido visualizados sete indivíduos em uma área coberta, que teriam reagido à abordagem atirando contra as equipes policiais, fazendo com que estes revidassem. No final, três ainda conseguiram fugir. Como não havia sinal de celular na chácara, os policiais afirmam que colocaram os quatro na viatura para socorre-los no hospital de Colinas do Sul, a 35 quilômetros.As investigações apresentaram uma série de contradições na versão dos PMs. Primeiro que os policiais foram vistos pelo menos nas chácaras de Salviano e Ozanir por uma hora antes dos disparos. Testemunhas viram também as vítimas caminhando com os policiais até a propriedade de Salviano, além de ordens dos policiais para que todos se deitassem logo que chegaram na chácara de Ozanir.Pela apuração, os policiais foram em duas equipes até a chácara de Salviano, mas uma teve de ficar a pé a partir do Rio Preto porque a viatura não atravessava o manancial. A que chegou na chácara viu que eles não estavam lá e foram até a de Ozanir, onde renderam os quatro e ficaram lá por 40 minutos. Um dos policiais saiu com a viatura e 20 minutos depois voltou com os que estavam a pé. Mais 40 minutos e então começaram os disparos. Houve um intervalo de 10 minutos e mais tiros foram ouvidos. Os policiais ainda teriam ficado mais uma hora depois, antes de decidirem levar os corpos na viatura até Colinas do Sul. As vítimas chegaram mortas na unidade de saúde.Gravidez salvou vítimaA esposa de Alan, grávida de 3 meses, estava sozinha na chácara de Salviano e viu quando os policiais chegaram. Ela chegou a ficar detida na viatura por alguns minutos, mas depois foi expulsa do local. A mulher viu quando os PMs saíram com a viatura em direção a Colinas e novamente foi alertada para ficar longe da chácara. A Polícia Civil acredita que ela foi deixada com vida por causa da gravidez.Uma testemunha mantida sob sigilo também teria ouvido os gritos dos policiais, inclusive para que entregassem as drogas e armas e Salviano dizendo que só tinha uma espingarda velha.Testemunhos apontam que Salviano tinha fama de ser traficante na região, mas na verdade plantava poucos pés de maconha para consumo próprio e renda dele vinha do aluguel de casas em São Jorge. A única arma que ele tinha era uma espingarda velha que já tinha sido encontrada pelos policiais antes da rendição dos quatro. Ozanir era vizinho de Salviano e Alan teria ido trabalhar nas propriedades de ambos, além de aproveitar para se desintoxicar de um vício durante a hospedagem. E Antônio estava ali naquele dia apenas para pescar.Dos 58 tiros disparados pelos policiais militares, os laudos periciais apontam que dois atingiram Alan, sendo um no coração. Foi nele que a forma com um dos disparos acertou indica possível execução. Salviano também foi morto com um tiro que o acertou no coração. Ozanir foi morto com um tiro. Já Antônio fora atingido por seis.A versão dos policiais militares de que queimaram logo após o suposto tiroteio mais de 500 pés de maconha também foi contestada. Primeiro porque se for verdade, constituiria violação do local e queima de provas (só após concluída as investigações é que as drogas são queimadas). Depois porque perícia aponta que só havia no máximo 5 pés de maconha e que o resto que foi queimado era outros tipos de vegetação.Perícia aponta divergência em versão dada por policiaisRelatório feito pela Polícia Técnico-Científica aponta que as quatro pessoas mortas em uma chácara em Colinas do Sul não se deslocaram após terem sido atingidas e que pelo menos uma delas foi atingida por um disparo de trajetória descendente. “No pátio entre as habitações foi constatada uma mancha de sangue disposta sobre o solo, formada por acúmulo e saturação e denominada neste laudo como MS1. Na extensão da mancha havia um orifício no solo, com maior concentração de sangue. Ao cavar o orifício, foi encontrado um projétil de arma de fogo calibre 7,62x51mm cravado no solo, denominado nesse laudo como PAF1.”Os peritos também encontraram uma pequena quantidade de maconha em uma bacia e em cachimbos na chácara. Ao todo a quantidade de maconha espalhada não chegou a 37g. Nas duas fogueiras feitas pelos policiais foram achados apenas quatro pés de cannabis e outros 38 pés cujas plantas não se conseguiu identificar.O documento também afirma que o local onde as vítimas foram mortas encontrava-se violado e que “muitos dos vestígios que seriam importantes para uma correta interpretação da dinâmica do evento já haviam sido alterados ou recolhidos”. Um outro relatório aponta que a chácara de Salviano é de “dificílima localização, não sendo possível encontra-lo apenas com base em denúncia anônima”. “Mesmo com o apontamento exato do local, esta equipe necessitou ser guiada por testemunha que conhecia a região há mais de 20 anos”, afirmam os agentes no documento.Os agentes também constataram que não havia “espaço hábil” para plantação de dois mil pés de maconha, como fora alegado inicialmente pelos policiais militares a partir das supostas denúncias, nem mesmo os 500 pés informados por eles após a abordagem. Policiais militares reforçam versão de que vítimas atiraram primeiroOs policiais militares presos prestaram depoimento na quinta-feira (3) e reafirmaram a versão de que os quatro civis foram mortos após terem atirado primeiro contra as duas equipes durante abordagem na chácara em Colinas do Sul. O que todos disseram que é as vítimas teriam atirado primeiro, quando ouviram o sargento Aguimar Prado de Morais gritar “Polícia!”.Desta vez, entretanto, acrescentaram ao que haviam dito no registro da ocorrência. Aguimar contou que primeiro entraram na chácara de Salviano, destacando a dificuldade que foi para encontra-la, e que lá abordaram inicialmente a esposa de Alan. E negou que conhecesse qualquer um dos mortos. Reforçou também que encontraram pés de cannabis, folhas da planta, maconha prensada e armas no local. Um outro policial disse que a ordem de queimar os pés de cannabis partiu do sargento e que não é uma ação comum da PM neste tipo de ocorrência, mas garantiu que havia entre 500 e 600 pés da planta. Um outro afirmou que optaram por queimar por não caber na caçamba da viatura.Apesar de não ficar claro na transcrição dos depoimentos, os PMs dão a entender que duas das vítimas foram baleadas em um local e as outras mais adiante após tentarem fugir. O POPULAR não conseguiu falar com o advogado que representa os PMs no caso.-Imagem (1.2414601)