Projeto de extensão da Universidade Federal de Goiás (UFG), o Laboratório de Reprodução Humana (LabRep), do Hospital das Clínicas (HC), criado há mais de três décadas, é referência no Centro-Oeste não apenas como um centro de formação e pesquisas, mas de fortalecimento do sonho da maternidade para mulheres que não podem ter acesso a serviços similares privados. Fruto de muita dedicação, o LabRep conta desde o final do ano passado com o Workstation (estação de trabalho), equipamento de última geração para manuseio de embriões. A UFG foi a primeira universidade brasileira a adquirir a tecnologia.“Conheci o equipamento em 2019, durante um congresso em Viena, na Áustria”, detalha o coordenador do LabRep, professor doutor Mário Silva Approbato. O Workstation era, na visão do ginecologista e obstetra, o elemento que faltava para garantir agilidade ao trabalho e proporcionar maior qualidade na reprodução assistida. “Há uma série de parâmetros exigidos para manusear embriões, para que eles fiquem mais próximos das condições do corpo humano, envolvendo assepsia, partículas de ar, umidade e temperatura. Nós tínhamos uma máquina pequena que demorava muito porque era um procedimento de cada vez, agora são vários simultâneos”, diz.O pesquisador explica que, para atender exigências de órgãos de controle, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil, laboratórios de reprodução humana precisam contar com um ambiente chamado ISO 5, ou seja, com um máximo de 10 mil partículas no ar. “Para efeito de comparação, quando você passa um rímel no olho e pisca são liberadas um milhão de partículas’’, explica. A Workstation proporciona o ambiente ISO 5, garantindo aos embriões condições sanitárias seguras, como se estivessem sendo desenvolvidos dentro do corpo humano.A inovação agiliza a alegria de casais como Eliane Gomes Godói, de 35 anos, e Elias Luiz de Miranda, de 49, juntos há 17 anos. A luta para gerar um filho permeia a vida da auxiliar administrativa, que enfrentou duas gestações tubárias e procedimentos cirúrgicos até conseguir engravidar de gêmeos através do LabRep. “É uma emoção inexplicável. Estou muito feliz”, disse ela ao POPULAR, após a última consulta no HC, quando soube que tudo está bem com os fetos, que já ultrapassam a sétima semana.Pesquisador reconhecido e entusiasta da reprodução humana, Mário Approbato enfatiza que “a perpetuação da espécie é uma das coisas mais fortes que existem no ser humano”, por isso se sente realizado em possibilitar este sonho por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).Dados da Secretaria de Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia, responsável pela regulação dos serviços do SUS na capital, mostram que há 278 mulheres na fila aguardando encaminhamento para o serviço de infertilidade feminina do HC. Todas fizeram o primeiro atendimento em unidades de atenção básica em Goiânia e no interior, como é o caso de Eliane, que mora em Paraúna.PandemiaO LabRep, segundo Mário Approbato, tem capacidade de atender 35 mulheres por mês, demanda que está reprimida em razão da pandemia da Covid-19. “No auge da pandemia, o número caiu para dez para reduzir a contaminação”.Em janeiro deste ano, o LabRep realizou mais de 150 consultas e 120 exames de ultrassom, movimento que deve crescer com a chegada de novos residentes. Todos os residentes de ginecologia e obstetrícia de Goiás, obrigatoriamente, passam pelo LabRep, para receber o título de especialista. Também atuam no projeto mestrandos, doutorandos e, a partir deste mês, residentes em reprodução assistida.A reprodução assistida é o assunto que está no topo da lista das mensagens recebidas pela UFG através do serviço Fale Conosco, daí a importância do aperfeiçoamento do serviço. O desafio agora é conseguir profissionais para criar um centro de genética. “Temos este sonho, uma equipe de geneticistas para separar embriões com doenças graves, incompatíveis com a vida. Assim, congelamos somente os embriões saudáveis”, explica Mário Approbato.Montagem durou dois mesesO que os responsáveis pelo LabRep não esperavam é que a chegada do novo equipamento trouxesse junto “uma trabalheira danada”, como brinca Mário Approbato. A sua instalação envolveu uma operação complexa, com direito a uso de guindaste e quebra de paredes. Pesando 500 quilos e medindo cerca de 2,5 metros, o Workstation não passava na porta. Foi preciso retirar parte da janela e da parede para levá-lo, de guindaste, até o terceiro andar da sede, no Setor Universitário. Engenheiros da UFG também temiam que o piso da área de 3 metros não suportaria o equipamento, o que não se comprovou. Para a acomodar o Workstation, foram necessários dois meses de trabalho. Desde 2013, o Centro de Reprodução Humana do HC funciona em espaço mais ampliado, um salto de qualidade que foi possível através de verbas parlamentares. E é assim que continuam chegando os recursos para as melhorias, insuficientes, na opinião do seu coordenador, para a proporção do que é oferecido à comunidade. O serviço realiza procedimentos de alta complexidade, como fertilização in vitro (FIV-ET) e Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóides (ICSI), inseminação, inseminação com sêmen doador, microcirurgia de trompas, coito programado, entre outros. No laboratório são feitos diversos tipos de exames de infertilidade. Mário Approbato lembra que o LabRep é hoje uma referência na formação de novos profissionais em reprodução assistida, além de ser um centro de pesquisas. Sem orçamento para garantir todo o custo do tratamento a casais de baixa renda, 95% do seu público alvo, o LabRep fez um acordo com o Ministério Público Federal para que os insumos - injeções de hormônio - sejam adquiridos pelos interessados. “Aqui eles têm médicos e exames”, explica Mário Approbato. O especialista lembra que um procedimento de fertilização in vitro, somando consultas, exames, insumos, etc, tem um custo de R$ 20 mil a R$ 25 mil nos serviços privados, mas no centro da UFG, um casal vai gastar cerca de 20% deste valor.O médico exemplifica o caso pioneiro, o esforço de marido e mulher para terem um filho biológico. “Ela era lavadeira de roupas, ele, pedreiro. A renda familiar girava em torno de R$ 3,5 mil. Durante quatro meses, eles separaram 20% desse valor. Após comprar os hormônios, engravidou na primeira tentativa”, relata. A jovem, fruto desse empenho, tem hoje 19 anos.Brasil é líder na América LatinaO último relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), publicado em 2020 pela Anvisa, mostra que cresceu a confiança dos brasileiros nas técnicas de reprodução assistida. Em 2019, a média da taxa de fertilização in vitro (FIV) nos bancos de células e tecidos germinativos do país atingiu 76%, um padrão elevado diante do cenário médio internacional, que exige resultados acima de 65%. Naquele ano foram congelados 99.112 embriões em 157 das clínicas cadastradas na Anvisa, entre elas o LabRep/UFG, um aumento de 11,6% em relação ao que foi congelado em 2018 (88.776). O Brasil, de acordo com a Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida, lidera o ranking latino-americano dos países que mais realizaram FIV, inseminação artificial e transferência de embriões em 25 anos. Pelo menos 83 mil bebês brasileiros nasceram nesse período por meio de tratamentos de reprodução assistida. -Imagem (1.2414047)