-Imagem (1.2482239)Preso nesta quarta-feira (29) pelo assassinato do sogro, o ex-servidor público Felipe Gabriel Jardim Gonçalves, de 26 anos, teria acesso contínuo ao sistema de boletins de ocorrência das polícias goianas. A informação é da ex-namorada Kennia Yanka, filha de João do Rosário Leão, de 62 anos, morto a tiros por Gonçalves. O suspeito cometeu o crime duas horas após o sogro registrar uma queixa que relatava ameaças contra a família.Diante dos relatos e cronologia dos fatos, a Polícia Civil (PC) solicitou que a Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) levantasse quem acessou o boletim. As buscas chegaram até um soldado da Polícia Militar (PM), que se apresentou à delegacia nesta quarta. Ao POPULAR, Kennia diz que o PM seria um amigo do ex-namorado e que compartilhava o acesso aos boletins com Gonçalves, informação confirmada pelo delegado Rhaniel Almeida.A plataforma dos chamados Registro de Atendimento Integrado Virtual do Estado de Goiás (RAI) pode ser acessada por qualquer membro das forças de segurança. No entanto, as consultas são feitas com exigência de matrícula e senha, que devem ficar registradas no processo a cada vez em que é aberto.Felipe Gabriel fez parte do programa militar voluntário (Simve), da PM, e foi vigilante penitenciário temporário. A ex-namorada diz que o período atuando nos órgãos de segurança resultou em amizades. “Ele tinha confiança de alguns, se tratavam com proximidade, até na forma de se chamar, ‘stive’, por exemplo”, relata Yanka.Leia também:- Polícia Civil esteve em 30 endereços até prender investigado por matar dono de farmácia- Genro filmado matando dono de farmácia é preso- Felipe Gabriel estava escondido na casa da família, em GoiâniaA suspeita da ex-namorada é de que Gonçalves acessava o sistema de RAIs com um acesso compartilhado pelo colega de forma rotineira. “Sempre que ele via algum nome pegava o celular e ele mesmo procurava”, afirma Kennia.O servidor registrado como tendo acessado o boletim pode responder por violação de sigilo funcional e enfrentar um procedimento dentro da corregedoria de sua instituição. A SSP diz que apura a situação.CrimeO boletim registrado por Leão antes de ser assassinado relatava que Felipe teria ameaçado a família durante uma confraternização no sábado (25) na casa da família da vítima. No local, após uma discussão, o suspeito teria apontado uma arma para a namorada e para o sogro e antes de sair teria dado dois tiros para cima.Imagens de câmeras de segurança do condomínio mostram que o carro do suspeito ficou estacionado na calçada em frente à casa da família de João e que o tiro foi disparado na garagem da residência. Equipes da Polícia Técnico-Científica estiveram no local nesta quarta para realizar perícia, com informação de que um dos projéteis teria ficado alojado no teto.Após o episódio, Felipe ficou sem estabelecer contato com a Kennia até o final da manhã de segunda-feira (27). Às 9h04 o empresário João Rosário Leão registrou uma ocorrência sobre as ameaças sofridas por ele e pela filha. Detalhou ao 1º Distrito Policial de Aparecida de Goiânia que saiu de casa ao ouvir tiros e que viu que foi o genro, que estava embrigado, quem disparou para o alto.Na sequência, teria escutado uma discussão do suspeito com a filha porque ela não queria que o então namorado fosse embora embriagado. Foi quando o suspeito teria efetuado mais um disparo dentro da garagem, acertando a laje. Em seguida, teria ameaçado matar os dois, sempre com a arma apontando para eles e fugiu. O pai também disse que ficou sabendo pela filha que ela já vinha sendo ameaçada por ele.Por volta das 11 horas de segunda, o suspeito entrou na farmácia que pertencia à vítima, localizada na avenida T-4, no setor Bueno, e matou Leão a tiros. Imagens de câmeras de segurança registraram o momento em que Felipe Gabriel dispara.Depois, salta sobre o balcão e atira novamente. O suspeito realizou duas ligações para Yanka, uma às 11h20 afirmando que mataria o pai dela e outra às 11h21 dizendo que havia cometido o crime.A ex-namorada diz que em nenhum momento ela ou o pai comunicaram Felipe Gabriel sobre a intenção de registrar um boletim de ocorrência. “Mas como ele nos ameaçou, deve ter ficado monitorando, suspeitando que alguém podia registrar”, disse Yanka ao Popular.A vítima chegou a ser socorrida e levada em estado grave para o Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (Hugo), mas não resistiu e faleceu algumas horas depois.Informações podem ser cruzadas entre delegaciasA plataforma de acesso aos Registros de Atendimento Integrado (RAI) é vista de diferentes formas por membros das forças de segurança. De um lado, é defendida por ser uma ferramenta eficiente para facilitar identificação de queixas, que podem ser cruzadas entre delegacias ou utilizadas por policiais militares para identificar suspeitos e até mesmo comprovar reincidências no momento de uma ocorrência. Há, por outro lado, impressão de insegurança dos dados. Para um delegado ouvido pela reportagem, que falou em condição de anonimato, o sistema unificado abre margem para ocorrências como a que está sendo investigada, porque comporta um número muito grande de agentes autorizados a acessá-lo. “Antes, as ocorrências registradas pela Polícia Civil ficavam somente com a PC. Agora, aberto como é, para todas as forças de segurança, não acho o ideal”, afirma o delegado. Entre todos os tipos de queixa, apenas aquelas enquadradas como violência doméstica e as que envolvem menores de idade ficam em sigilo. As demais, assim que consolidadas por um agente de segurança, vão para o sistema unificado de forma automática. “Mostra que demanda mais segurança. Por óbvio, ele teve acesso de alguma forma”, diz o delegado consultado pela reportagem. Para o diretor-geral da Polícia Civil, Alexandre Lourenço, não há de se falar em insegurança do sistema. O representante afirma que a plataforma é totalmente segura e necessária para as forças de segurança. Lourenço diz que eventuais problemas são fruto de repasses irregulares de informações, fazendo uma comparação com os aplicativos de banco. “O aplicativo é seguro. Agora, se você fornecer os dados para terceiro, podem fazer o que quiser com eles”, exemplifica.O diretor-geral diz que o problema está sendo investigado, mas indicou haver apuração que vá além da identificação do PM registrado como tendo consultado o boletim.