Desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) decidiram negar o último recurso apresentado pela defesa do empresário Christiano Mamedio da Silva, de 35 anos, acusado pelas mortes do adolescente Emanuel Felipe Pires Martins, de 15 anos, e Eurípedes Tomé da Costa Filho, de 26. O acusado teria furado o sinal vermelho e colidido com o caminhão em que as vítimas estavam. O caso ocorreu na Avenida Brasil Sul, em Anápolis, no dia 3 de outubro de 2020.Pela primeira vez, um crime de trânsito que culminou em morte foi reconhecido como doloso em Goiás. Para Manoel Vanderic, titular da Delegacia de Investigação de Crimes de Trânsito (Dict) de Anápolis, o caso é um divisor de águas. "Pela primeira vez o Superior Tribunal de Justiça considerou que o excesso de velocidade e o desrespeito à sinalização, por si só, é anuência ao risco e vinculou isso ao dolo eventual, configurando homicídio doloso. Nem considerou a embriaguez nessa avaliação", comenta o delegado.Segundo ele, é quase uma unanimidade entre juristas tipificar crimes de trânsito como culposo. "Hoje é impossível uma conversão da prisão em flagrante em preventiva em crimes culposos. O autuado acaba solto na audiência de custódia obrigatoriamente. Dificilmente fica preso. Cumpre uma pena alternativa, pecuniária. Como doloso é diferente, a pena é maior e o autor fica realmente preso”, explica Vanderic.“Isso tem um efeito pedagógico muito grande, porque o trânsito é a maior causa de morte da população jovem, maior causa de invalidez permanente, o crime que mais causa prejuízo ao erário depois da corrupção e o que mais satura os leitos de hospitais. Paradoxalmente, o homicídio no trânsito recebe uma pena e um tratamento muito mais parco que crimes contra o patrimônio, o furto e estelionato. O estelionato é punido, hoje, com muito mais contundência que um crime de trânsito, que tira a vida, se tratado como culposo. É relativizado, porque é socialmente aceito. Há uma identificação coletiva. Isso é uma mudança de paradigma", afirma.Leia também:- MP denuncia motoristas de racha da T-9 que resultou na morte de duas pessoas- Criança de 7 anos morre após caminhão trator tombar em trecho da BR-153- Homem é preso suspeito de dirigir embriagado, provocar acidente e matar idosos queimadosEspera por JustiçaMichelle Pires, mãe do adolescente Emanuel conta que o sentimento, depois da decisão do TJGO é de alívio, mas que tudo tem sido uma grande angústia. “Desde o dia em que Emanuel se foi eu prometi que pediria e lutaria por Justiça. Essa tem sido minha vida, minha prioridade. Acompanho a todo minuto. É uma tristeza dizer que isso virou parte da minha rotina”, conta.Após quase dois anos da morte do filho mais velho, Michelle reclama da morosidade do processo e relata que a demora é o que faz muitas famílias de vítimas desistirem. “Tudo dói e é cansativo. O processo criminal só favorece o acusado. Chegou a ter um momento em que a defesa tentou culpar as vítimas”, diz.Segundo Michele, ela já releu por diversas vezes o processo e a cada vez que retoma a leitura, descobre novos detalhes do caso. “Eu não deveria passar pela luta, só pelo luto. Mas a Justiça não me deu alternativa. Muita gente me diz que isso não vai trazer meu filho de volta, mas vai trazer minha paz, porque foi um crime”, afirma.Assim como o delegado, a mãe da vítima espera que o fato de os desembargadores terem considerado o crime doloso quebre paradigmas. “Espero que os autores, os motoristas inconsequentes não cometam mais esses crimes. Não quero que outras mães fechem os caixões de seus filhos, mas caso ocorra, que elas saibam que a Justiça está do lado delas. A dor que sinto é inominável e não desejo a ninguém”, desabafa.EntendaO acidente ocorreu na Avenida Brasil Sul, no Bairro São João, no dia 3 de outubro de 2020. Christiano Mamedio dirigia uma caminhonete, quando furou o sinal vermelho em alta velocidade e atingiu um caminhão carregado de tijolos.No veículo atingido, haviam três pessoas, o motorista, Emanuel e Eurípedes. Os dois últimos foram arremessados para fora do caminhão e não resistiram aos ferimentos. O motorista se machucou e foi levado pelo Corpo de Bombeiros ao Hospital de Urgências de Anápolis (Huana).À época, Christiano não aceitou fazer o teste do bafômetro, mas admitiu que havia ingerido álcool antes de dirigir.DefesaA reportagem não conseguiu contato com a defesa de Christiano Mamedio até o fechamento da reportagem. O espaço permanece aberto para manifestação.