Em um momento marcado pela liberação de novos agrotóxicos no Brasil - desde o início deste ano, já foram 169 -, pesquisas em andamento na Universidade Federal de Goiás (UFG) mostram o impacto dessas substâncias no DNA de pessoas e animais que ficam expostos a elas. Em um dos estudos, por meio da análise de amostras de sangue e da mucosa oral de 200 trabalhadores rurais de cidades do Sudeste e Sudoeste do Estado, que atuam na aplicação de agrotóxicos, em comparação com os resultados obtidos de amostras de um grupo em igual quantidade, dos mesmos locais, mas que não mantém contato direto com as substâncias, foi verificado um índice 4,5 vezes maior de lesão e dano ao DNA.A pesquisa é desenvolvida no Laboratório de Mutagênese do Instituto de Ciências Biológicas da UFG e terá o relatório final apresentado em setembro deste ano. Sob coordenação da professora de Genética e doutora em Biologia Animal, Daniela de Melo e Silva, estudantes de doutorado fazem, desde o ano passado, as análises e comparações das amostras de DNA. Para tal, eles se preocuparam em selecionar um grupo, para efeito de comparação, que tivesse estilo de vida e hábitos semelhantes aos dos trabalhadores rurais que se dispuseram a participar para atingir o nível mais seguro possível de confrontamento dos dados.O Ministério da Saúde possui diretrizes que estipulam o uso de equipamentos de proteção individuais por quem trabalha diretamente com essas substâncias (veja quadro) e também a realização de exames periódicos, como hemograma, lipidograma e dosagem de acetilcolinesterase. Na prática, porém, a realidade nem sempre acompanha adequadamente o que é previsto nas regras. Em 10 anos de existência do Laboratório de Mutagênese, Daniela lembra de ter visto até hoje apenas um trabalhador utilizando todos os equipamentos de proteção. Nos questionários respondidos pelo grupo de análise da pesquisa, o que ficou claro, até então, foi um cenário de descuido.O índice de lesão ao DNA oscila conforme os períodos de maior e menor exposição aos agrotóxicos. Nos meses em que a aplicação das substâncias foi mais presente, no fim do ano passado e início deste ano, os efeitos detectados entre os trabalhadores foram nitidamente maiores em relação ao comportamento do DNA do grupo de comparação. O doutorando e professor Alessandro Arruda Alves, do Programa de Genética e Biologia Molecular, conta que é possível perceber isso de maneira visual, por meio da aplicação do chamado ensaio cometa, mostrado na tela do computador a partir da análise microscópica.Sistema imunológicoDanos e lesões ao DNA são passíveis de regeneração. E isto é notado, inclusive, quando se analisa as amostras dos mesmos trabalhadores em períodos quando eles não estão expostos aos agrotóxicos. Os resultados da pesquisa mostram uma capacidade de recuperação e o índice de lesão tende a diminuir. Uma outra pesquisa desenvolvida em complemento pelo mesmo Laboratório já demonstra, porém, que essa possibilidade pode ser ameaçada pelos efeitos gerados no sistema imunológico. O estudo, que está em andamento, adotou método semelhante ao que avalia o DNA, mas foca em analisar a diminuição das células linfocitárias.A doutoranda Jheneffer Sonara Aguiar, do mesmo programa de pesquisa de Alessandro, é quem se encarrega por esse estudo. Ela avalia os efeitos dos agrotóxicos nas células imunológicas de 50 trabalhadores rurais que ficam diretamente expostos às substâncias e compara com os resultados de um grupo com a mesma quantidade de pessoas, dos mesmos locais e com hábitos semelhantes, mas que não trabalham na zona rural. Até então, segundo ela, apesar de a métrica dos resultados estar em andamento, já foi possível verificar uma redução significativa das células entre os trabalhadores do campo, o que significa, basicamente, perda de capacidade de recuperação e de imunização.“Eles sofrem diminuição das chamadas células de defesa, ou seja, podem ser acometidos por doenças em um futuro breve ou, se continuar a não utilizar os EPIs e aplicar os fatores de segurança, terão problemas graves no futuro”, aponta a professora Daniela de Melo. Entre os trabalhadores pesquisados, existem casos de pessoas que trabalham há décadas manuseando agrotóxicos. Nas respostas dadas por eles nos questionários feitos pelos pesquisadores, alguns expuseram, por exemplo, que ficam mais de ano sem fazer os exames periódicos aconselhados pelo Ministério da Saúde.