Em 11 de março de 2020, quando o número de mortes registradas por complicações da Covid-19 em todo o mundo ainda era de pouco mais de 4 mil pessoas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia do então chamado novo coronavírus (Sars-CoV-2). Uma corrida pela vacina, a descoberta dos protocolos de higiene que poderiam minimizar o contágio, o afastamento, a diminuição dos abraços, o trabalho em home office, o desemprego, a fome, o luto. E, no meio de um cenário de caos, a pesquisa.Apenas na Universidade Federal de Goiás (UFG), são mais de 60 projetos de relacionados à Covid-19. e na Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) pelo menos 23 estudos são realizados em parceria com as unidades goianas. Tudo isso em busca por medicamentos, pela diminuição da mortalidade, por protocolos seguros e diminuição dos impactos emocionais com a certeza de que só existirá uma “vida normal”, com respaldo da ciência.Entre os estudos das UFG estão: o mapeamento da doença no estado, associação entre saúde bucal e gravidade da Covid-19, além da fabricação de testes mais rápidos e baratos que o RT-PCR.Pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFG, Jesiel Carvalho acredita que a urgência por respostas e soluções, com efetividade imposta pela pandemia colocou a ciência em evidência. Além disso, defende que efetividade das respostas dadas pelo ambiente científico fortaleceu, perante o grande público, o reconhecimento da imprescindibilidade de uma ciência forte.Apesar de tudo isso, a universidade afirma que o investimento não cresceu na mesma proporção. Nem aqui, nem no restante do país. “Na verdade, o que vemos no Brasil é uma redução muito grande do investimento em pesquisa científica e tecnológica nos últimos anos. Por exemplo, considerando apenas as agências federais, se compararmos o que é investido hoje com os valores de uma década atrás, constamos uma redução superior a 50% nos valores aplicados em ciências e tecnologia. Uma tendência que não foi alterada pelo advento da pandemia. Isso é muito sério, pois compromete o futuro do país, limita nossa capacidade de desenvolvimento tecnológico, econômico e social”, defende Carvalho.O pró-reitor acrescenta que há liberdade na definição dos temas e que isso é importante porque permite inovações temáticas e metodológicas, imprescindíveis para o avanço do conhecimento. Depois do tema, há o cadastro e a aprovação é feita pelo Conselho Diretor de cada Instituto ou Faculdade. Já o financiamento tem origem externa à universidade. “Os recursos para a pesquisa são provenientes de agências de fomento federais, como o CNPq e a Finep, estaduais, como a Fapeg, ou mesmo estrangeiras. Pode vir também de empresas ou organismos governamentais, especialmente quando se trata de projetos aplicados à solução de problemas específicos desses agentes”, diz.Testes viram realidade Um teste rápido, confiável e mais acessível. Este era o objetivo da pesquisa coordenada pela professora Gabriela Duarte do Instituto de Química (IQ/UFG). O resultado foi a criação da técnica RT-Lamp UFG, que não necessita de instrumentação sofisticada e tem qualidade comparável a outros exames, como o RT-PCR, considerado o melhor.Durante o trabalho, que contou com a parceria do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), chegaram a ser testados motoristas do transporte coletivo e também funcionários da Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg).O projeto chegou a ser beneficiado com R$ 1,3 milhão do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Goiás e da Justiça do Trabalho, verba oriunda de multas trabalhistas.“Otimizamos, validamos, fizemos a testagem na população com mais de 500 pessoas e depois fizemos a transferência de tecnologia, sem custo, para laboratórios que tivessem interesse. Demos treinamento, suporte e estamos sempre visitando para acompanhar”, completa a pesquisadora.O teste, segundo ela, tem sido ofertado pela metade do preço de um PCR com resultado rápido de aproximadamente 40 minutos. Agora, uma nova etapa da pesquisa pretende distinguir variante, com técnicas de sequenciamento genético. Gabriela afirma que em breve deve estar à disposição da sociedade.“Infelizmente estamos em um cenário pandêmico e de muita tristeza, mas que chamou atenção para a pesquisa. Muitas pessoas nunca se atentaram que pra ter uma vacina precisa ter uma pesquisa, um protocolo, passos até chegar a testes, vacinas, tratamento. Hoje, temos pesquisadores falando na TV, ciência nos jornas e as pessoas começaram a entender”, diz Gabriela.Esgoto monitorado Em parceria com a Saneago, a UFG também monitora o coronavírus (Sars-CoV-2) no esgoto de Goiânia. As amostras são coletadas na Estação de Tratamento do Esgoto (ETE) Doutor Hélio Seixo de Brito, para onde são enviadas cerca de 70% do esgoto gerado na capital, e avaliadas semanalmente. Gabriela Duarte explica que os boletins são emitidos semanalmente e disponibilizados na página do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).O monitoramento ajuda a prever o aumento e queda de casos e possíveis novas ondas da pandemia. Isso porque normalmente o paciente excreta o vírus pelo esgoto antes de realizar o diagnóstico. Assim, no esgoto, a carga viral sobe primeiro do que nos dados clínicos. “Monitorar a carga viral presente em águas residuárias é uma maneira de planejar e nortear as ações de saúde pública”, afirma Gabriela, que também coordena esse projeto pela universidade.Faculdade da PM é parceira em estudoEm Goiás, a Faculdade da Polícia Militar (FPM) vai atuar como parceira da universidade holandesa Radboud University Medical Center em uma pesquisa que busca avaliar os efeitos da eficácia da vacina de Influenza, usualmente usadas na prevenção à gripe, no treinamento de imunidade contra a Covid-19. No total, podem participar do estudo até 4 mil voluntários. Coordenador da Faculdade da Polícia Militar (FPM), coronel Sérgio Nascente, que é doutor em ciências da saúde, explica que a parceria com a instituição acontece desde outubro de 2019 e que no cenário de pandemia, novas possibilidades surgiram. O grupo trabalha com estudos imunológicos e doenças infecciosas. “Haverá uma avaliação em três meses e outra em seis meses do estudo. Em caso de intercorrências, o acompanhamento pode durar até um ano. Inicialmente, a ideia era entender como a vacina da Influenza trabalha, mas com o avanço da vacinação contra a Covid-19, será avaliado como elas trabalham juntas”. O doutor diz ainda que não é possível afirmar, sem a conclusão de um estudo, se a vacina da Influenza é eficaz contra o coronavírus. “Se a vacina da gripe durasse a vida toda, mas não dura e nem toda a população recebia as doses”, explica. Neste momento, ressalta que mesmo imunizadas, as pessoas precisam continuar com os cuidados de higiene. “Temos que usar este cenário como processo de aprendizagem, sempre tendo em mente que a ciência tem papel extremamente importante. É preciso também a consciência de que mesmo na condição mais favorável, ainda é preciso manter alguns cuidados”, finaliza. SES tem 23 pesquisas em hospitais Com abordagens e especialidades diversas, a Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) possui 23 estudos em parceria com oito unidades estaduais de saúde. Entre as pesquisas, uma que relaciona a saúde bucal e a gravidade da Covid-19 realizada pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e o Hospital de Campanha para Enfrentamento do Coronavírus (HCamp). O estudo apontou que más condições de saúde bucal foram altamente prevalentes e associadas a sintomas críticos de Covid-19 maior risco de admissão na unidade de terapia intensiva e mortalidade. Premiado na principal competição na área de pesquisa científica odontológica do Brasil, realizada durante a 38ª reunião anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO), o estudo coordenado pela doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFG, Camila Alves Costa pode representar o país na próxima reunião mundial da “International Association for Dental Research (IADR)”, em 2022, na China. “Atualmente, já contamos com quase 300 pacientes avaliados. Além disso, todos os pacientes que receberam alta estão sendo convidados a receber nova avaliação bucal, de desfechos pós-Covid e tratamento odontológico na Faculdade de Odontologia para avaliações a longo prazo”, explica Camila. Diretor-geral do HCamp de Goiânia, Guillermo Sócrates afirma algumas parcerias foram firmadas desde o início do funcionamento da unidade justamente por ser um hospital de campanha e que, com autorização da SES-GO, pesquisadores têm trabalhado na unidade. “Esta pesquisa da UFG envolvendo a saúde bucal é robusto e bem delimitado. Além deste, tivemos uma publicação internacional sobre hipertensão e estamos muito felizes porque conseguimos dar visibilidade à participação multiprofissional”. A valorização da ciência é, para o diretor do HCamp, uma das grandes mudanças trazidas pela pandemia do coronavírus. “Somos de uma geração acostumada a se vacinar, a ir a uma farmácia comprar remédios. Na primeira guerra mundial as pessoas morriam com arranhão de cerca de arame. Antigamente tínhamos mortes por doenças que hoje são possíveis de prevenir com vacina: poliomielite, pneumonia, meningite. A população perdia um rim por infecção urinária. A ciência trouxe respostas. Foi a partir de 1915, 1930, com novos remédios e vacinas que a curva de mortalidade reduziu drasticamente. O segredo é a ciência”. Sequelas da Covid No Centro Estadual e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), as sequelas da Covid-19 estão sendo analisas no estudo ‘Repercussão clínica, funcional e psicossocial da síndrome pós Covid-19 e sua evolução’, em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Reabilitação Cardíaca (Nuprec-UFG). A pesquisa está em fase de coleta de dados e 32 pacientes já foram analisados em um estudo observacional. Integrante da equipe executora, Luiz Fernando Martins é fisioterapeuta do Crer, membro do Núcleo de Pesquisa em Reabilitação Cardíaca (Nuprec) e doutorando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele explica que os dados ainda são preliminares, mas que os relatos mostram frequência em falta de ar e cansaço físico aos mínimos ou médios esforços. “Também há sensação de fraqueza muscular, queda de cabelo, relato de ansiedade, limitação na memória de curto prazo e raciocínio, dor musculoesquelética”, comentou. Goiás participa de estudo internacionalPacientes de Goiás integraram um estudo com anticoagulantes coordenado pela Universidade de Manitoba, no Canadá. Além do Brasil, outros oito países participaram da pesquisa e em Goiás, a coordenação ficou a cargo do médico e pesquisador Mayler Olombrada. A conclusão foi de que entre os pacientes que precisam de internação, o uso de dose mais elevada da droga reduz o risco de complicações, aumentando a sobrevida. Os resultados foram divulgados em uma revista científica internacional no último mês. Mayler afirma que Goiás foi um dos centros brasileiros que mais conseguiu recrutar pacientes para participar dos estudos, o que possibilitou participação ativa na discussão final. “Apesar de tantos nomes de peso, o Brasil recebeu destaque no recrutamento – o que nos enche de orgulho, em especial, por demonstrar a força das pesquisas fora do eixo Rio-São Paulo”, disse ao POPULAR. Mapa da Covid foi desenvolvido pela UFG Desenvolvido pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o Covid Goiás é uma plataforma digital que reuniu dados sobre a evolução da Covid-19 no estado em forma de mapeamento. Dados da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO), Ministério da Saúde e das secretarias municipais são reunidos em mapas atualizados diariamente com estatísticas, histórico, óbitos, casos suspeitos e confirmados. Vice-coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), Manuel Eduardo Ferreira explica que a necessidade surgiu logo no início da pandemia e que plataforma foi desenvolvida por professores voluntários e com estudantes de iniciação científica. “Um dos diferencias pensados para esta plataforma, é que tivesse informações que subsidiassem decisões das secretarias de saúde com ações estratégicas. Além disso, há um mapa de vulnerabilidade, leitos de UTI, doenças respiratórias que impactassem o tratamento de pacientes com Covid-19.”-Imagem (1.2330758)