-Imagem (1.1948484)A poltrona da sala de atendimento da Casa Dom Inácio de Loyola, antes ocupada por João Teixeira de Faria, o João de Deus, agora é suporte para uma imagem de quase 1 metro de altura de Santa Rita de Cássia, do qual o médium é devoto. Ele mesmo colocou a santa no local antes de se entregar à Polícia Civil, em 16 de dezembro do ano passado, após denúncias de abuso sexual contra frequentadoras do famoso centro de cura espiritual na cidade de Abadiânia.Quase um ano após o escândalo ser revelado no Programa do Bial, da TV Globo, os corredores da Casa, antes cheios de gente, agora são vagos e largos. A cidade de 19 mil habitantes que chegava a receber de 3 a 6 mil visitantes em um único dia, agora recebe uma média diária de 140 pessoas em busca de curas espirituais, o que corresponde a menos de 5% do registrado nos tempos áureos. Ainda assim, visitantes, em sua maioria mulheres, chegam entre quartas e sextas-feiras e vêm de longe: Estados Unidos, França e Alemanha, são alguns dos locais de origem de quem visitou o centro nesta última semana. Discretas, a maioria prefere não dar entrevistas. Não existe atualmente um único coordenador do local. Ninguém fala com a imprensa sobre questões financeiras ou administrativas. O que se percebe é que juntos, os voluntários continuam os trabalhos com a crença de que as entidades permanecem e ainda proporcionam curas.De forma carinhosa, os voluntários falam do João como um pai. Um deles, que preferiu não dar entrevista, tem porte físico e altura similares aos do médium e veste camisas de manga curta e calças brancas, assim como o ‘pai’. Simpático, ele passeia pela casa e explica a quem a visita pela primeira vez que a cura começa com a famosa sopa, que é distribuída a todos. Entre os ingredientes da refeição desta quinta-feira (5): chuchu, cenoura, cebolinha e macarrão. O mais importante deles, segundo o guia, é a água fluidificada.O voluntário explica que o próprio médium determinou que este fosse o primeiro passo para a cura espiritual. Depois disso, algum tempo de meditação pode ser realizado no jardim repleto de bancos de madeira. Para as filas de atendimento é preciso pontualidade. Duas sessões acontecem diariamente e começam às 8 horas ou às 14 horas.“Hoje não existem mais intervenções (também chamadas de cirurgias espirituais), nem um médium que reze de forma individual, mas as curas continuam acontecendo. As pessoas entram, rezam e sentem”, completa outro voluntário que também não se identifica.Eles afirmam que o funcionamento da casa acontece da mesma forma de quando o João de Deus viajava para alguma missão. Sem ninguém ocupando o seu lugar, o sentimento compartilhado pela casa é de que a qualquer momento ele possa voltar. Antes dos atendimentos, orações pelo médiumA nossa maratona começou às 9 horas de quinta-feira (5) e seguiu até o início da tarde desta sexta-feira (6). Nos dois dias, próximo à recepção, o salão principal vai sendo, aos poucos, ocupado pelos presentes. Todos vestem roupas brancas, incluindo nossa equipe, os voluntários, funcionários e também quem está em busca da cura espiritual. As orações são realizadas em três idiomas: inglês, francês e português. No meio da oração, uma voluntária explica que o local é aberto a qualquer religião e que não se trata de um Centro Espírita. Na quinta-feira (5), entre um pai nosso e uma ave-maria, houve uma oração para que ‘João de Deus seja abençoado’.Recebi a primeira orientação ainda no salão de espera porque estava com as pernas cruzadas e esta é uma forma de “cortar a energia do local”. Frequentando a casa pela primeira vez, decidi em dois dias participar de todos os atendimentos antes de me identificar como repórter. As filas são divididas em três: quem entra pela primeira vez, pela segunda vez (e aí podem participar da corrente de oração) e quem vem para a chamada revisão. O tempo de espera e meditação antes do passe é de mais de 1 hora. Depois disso, as filas são chamadas e os visitantes contabilizados uma a um. Lá dentro, voluntários guiam o caminho que passa pela poltrona que antes era ocupada pelo médium durante as sessões.A orientação é que as orações sejam feitas de forma rápida. Mão direita no peito, fonte para cima e um tempo bem curto em frente a Santa Rita de Cássia, primeira entidade que João diz ter incorporado. Em volta dela, uma imensa imagem de Nossa Senhora Aparecida junto com outras tantas imagens e fotos, além de diversos cristais e vasos de flores. Um copinho d’água e o atendimento segue para a sala do passe. A ordem é de olhos fechados enquanto a oração, que dura menos de 5 minutos, é realizada.Na segunda vez, o tempo de oração é maior. Na manhã de sexta-feira (6), cerca de 30 mulheres e cinco homens receberam as orações da fila da segunda vez. Nesta sexta-feira, João de Deus foi lembrado por duas vezes e o pedido foi pela saúde do médium. “Desejo que ele volte e continue sua missão na Terra”, diz visitanteVera Lúcia de Souza, de 64 anos, é moradora de Itajobi, São Paulo, e frequenta o local há quase 32 anos, metade da própria vida. Com orgulho, ela conta que conheceu o local por meio de um programa de TV e que a primeira visita tinha como objetivo curar uma bronquite asmática da filha, à época com 15 anos. Depois disso, trouxe a família toda e as visitas se transformaram em regulares. No ano passado, quando João foi preso, ela estava na cidade. Um ano depois, está aqui novamente.“Ainda continuamos recebendo as graças, as curas. A Casa Dom Inácio é maravilhosa para nós e eu venho três vezes por ano. Todas as denúncias acabaram fortalecendo a nossa fé. Sofremos com a situação, é triste ver a casa vazia. Com ele aqui, podíamos falar com as entidades e sinto muita falta disso porque hoje não falamos mais. Peço a Deus e espero que ele retorne para continuar sua missão nesta Terra. Tenho muito a agradecer pelo que ele fez e só o fato de termos esta casa é um presente porque chegamos aqui e nossas necessidades são atendidas”, completa. Frequentadora busca “energia do lugar”A carioca Rosane dos Santos, de 63 anos, estava na casa há exatamente um ano, no dia em que depoimentos das vítimas foram apresentados, pela primeira vez, no Programa do Bial. Há 15 anos ela visita Abadiânia para receber os atendimentos espirituais e recorda que estava sentada próximo à secretaria, quando viu João de Deus saindo rápido e entrando em um carro. No outro dia, viu a história pela TV e confessa que chorou muito, porque não esperava isso de João Teixeira. Nesta semana, ela voltou pela primeira vez e conta que reviveu tudo de novo. Ainda assim, preferiu acreditar que a energia do lugar é maior que a figura de João de Deus.“Muitas curas aconteceram aqui e acredito que mais do que receber, quando chegamos aqui com o coração limpo, também trazemos boas energias. Eu e meu marido recebemos muitas curas aqui e sentimos tristeza ao ver este local tão vazio. Peço a Deus que tudo volte a ser como era antes e acredito que quando você cai, é diferente de quando você vê alguém cair. Apenas João e Deus sabem o que realmente aconteceu. Eu acredito que Deus nos dá sempre a oportunidade de levantar”, defende Rosane.Rosane diz que em 15 anos de atendimento nunca presenciou nada que pudesse incriminar João de Deus. Ainda assim, ela pontua que não quer dizer, com isso, que as mulheres estejam mentindo, mas que ela, em particular, não tem nada a dizer sobre os abusos sexuais. “Acredito que se ele sobreviver, fisicamente falando, ele retorna para a Casa”, finaliza. 13 denúncias e uma condenaçãoO Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) já ofereceu 13 denúncias contra João Teixeira de Faria, o João de Deus. No total, 11 delas são referentes a crimes sexuais e as outras duas por posse ilegal de armas de fogo. Segundo a força-tarefa, 319 vítimas procuraram o MP. Em 57 casos, os crimes não prescreveram e estão distribuídos nas 11 denúncias enviadas a Justiça. Em outros 87, os abusos prescreveram, mas os relatos constam no embasamento das denúncias.No último dia 7 de novembro, João de Deus recebeu a primeira condenação da Justiça de Goiás, pelo crime de posse ilegal de arma de fogo. A pena, de quatro anos de prisão em regime semiaberto, foi decidida pela juíza Rosângela Rodrigues dos Santos, da comarca de Abadiânia. A mulher do líder religioso, Ana Keyla Teixeira, também respondia ao processo e foi absolvida. O médium está preso desde dezembro e mesmo com o cumprimento de pena em liberdade, relativa aos crimes de uso de armas, ele não deve deixar o sistema prisional. Isto acontece porque a detenção dele se deve também a outros mandados de prisão preventiva.João Teixeira de Faria está no Núcleo de Custódia do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia e responde também a oito processos por crimes sexuais e outros quatro por crimes sexuais e falsidade ideológica; crimes sexuais, corrupção de testemunhas e coação; apreensão de documentos, arma de fogo e munição e posse ilegal de armas de fogo e munição, tendo sido condenado neste último. Ele nega ter cometido os crimes.