Em Goiânia, em média, a cremação é feita em uma a cada cinco despedidas realizadas no Complexo Vale do Cerrado, um dos dois locais que oferecem o serviço na capital. Nos últimos cinco anos, no local, foram feitos 6.423 sepultamentos. A quantidade de cremados foi de 1.519, até o momento.No parâmetro municipal, a Prefeitura contabiliza que em 2022, até junho, houve 10.085 óbitos cadastrados na capital e sepultados tanto no município quanto em outras cidades. A Central de Óbitos, porém, não dispõe de dados referentes à cremação.Questões afetivas, sustentabilidade, simplicidade, custo, mobilidade e crenças religiosas são alguns dos motivos que fazem uma pessoa optar pela cremação em vez do tradicional sepultamento após a morte. O gerente de atendimento do cemitério, Herbert William, explica que as possibilidades para as cinzas são várias. “As famílias podem adquirir mudas de árvores, depositar as cinzas para plantio como forma de homenagem, jogar ao mar, ou guardar em sua casa em local especial”.A nutricionista Marcélia Souza Martins, de 53 anos, já tem o serviço de cremação adquirido desde 2020 e deseja que as cinzas sejam colocadas em uma urna ecológica, “ela é toda revestida de sementes que futuramente podem se tornar grandes árvores de flores amarelas (pau cigarra)”, explica. Além de frisar a sustentabilidade para o Planeta, ela conta que optou pelo método com o intuito de “facilitar o trabalho futuro para a minha família, que mora no interior. Não vejo necessidade de ser sepultada na minha cidade natal”.Marcélia afirma não haver receio em abordar o assunto e, mesmo que alguns parentes prefiram a despedida tradicional. “Tive o apoio de uma prima muito querida que também fez esta escolha antes de mim, e isso reforçou para que eu tomasse esta decisão”. Ela comenta que no ato da compra, teve a companhia de uma amiga que, no mesmo momento, também efetuou a aquisição do serviço.Apesar de não encontrar barreiras para falar sobre o assunto, a nutricionista acredita que, de modo geral, percebe que o número reduzido da escolha é reflexo não só de crenças espirituais, como também da desinformação que a maioria da população possui acerca do serviço fúnebre. “Muitas pessoas não têm ainda conhecimento sobre o assunto ou pensam que é inacessível financeiramente para elas, por isso, preferem deixar que a família decida após a passagem. E relembra. “Eu tive duas amigas que externaram este desejo em vida e assim a família o fez”.A professora Maria Luísa Ribeiro de Melo, de 22 anos, entende que um dos conceitos do sepultamento é a pessoa ficar em um local fixo para visitação em cemitério, mas afirma não se sentir confortável com o cenário de o corpo ficar “preso” dentro de um caixão. “Isso sempre me incomodou, o principal motivo é odiar a ideia do meu corpo permanecer em um lugar pra sempre, ter minhas cinzas espalhadas por lugares que eu amei um dia, ou transformado em uma planta é algo que me atrai muito”.RegrasPara realização da cremação no estado de Goiás, a família deve contratar o serviço funerário e de cremação; possuir a declaração de óbito assinada por dois médicos ou um médico legista; ter a cópia autenticada da certidão de óbito e documentos pessoais da pessoa falecida; ter uma declaração de vontade pública de cremação (a mesma pode ser feita em vida pela pessoa que tenha o desejo de ser cremada) e Guia de Cremação, expedidos em cartório.O custo atual para a cremação é de R$ 5.190,00. O valor é somado com o preço do caixão, e são tabelados pela central de óbitos de Goiânia, exceto as urnas de luxo que vão de R$3.000,00 a R$20.000,00 dependendo do modelo. Já as urnas cinzarias variam de R$ 500,00 a R $2.500,00 e, caso a família prefira, as cinzas podem ficar armazenadas no complexo Vale do Cerrado pelo custo de 54 reais ao mês disponível à visitação. O caixão e as urnas consideradas de luxo são decorrentes do material fabricado, se possui mão de obra artesanal ou, em alguns casos, se há modelos cravejados de ouro.Na perspectiva técnica, o gerente Herbert William garante que o processo de cremação “não há liberação nem de odor, nem de fumaça” e dura cerca de duas a três horas, com a temperatura variável de 800°C a 1.200°C. O corpo é cremado juntamente com o caixão escolhido pela família. Depois, as cinzas devem ser resfriadas e passar por um mecanismo que irá refinar o material, posteriormente sendo embaladas a vácuo e colocadas na urna. Totalizando, o processo completo até a finalização adequada das cinzas dura até cinco horas.Para manter o crematório em funcionamento, William destaca que “trata- se de um valor considerável”. É necessário, de acordo com ele, uma série de itens para operacionalização do processo. Dentre eles, ferramentas e uma estrutura predial adequada, área técnica, câmara fria, forno crematório, que hoje custa cerca R$ 600 mil, processadores para tratar as cinzas e prancha de resfriamento de cinzas, mão de obra qualificada. (Manoella Bittencourt é estagiária do GJC em convênio com a PUC-Goiás)Lei federal coloca critériosPara que seja feita a cremação, o processo deve seguir o Artigo 77 da Lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973, que afirma que “a cremação de cadáver somente será feita daquele que houver manifestado a vontade de ser incinerado ou no interesse da saúde pública e se o atestado de óbito houver sido firmado por 2 (dois) médicos ou por 1 (um) médico legista e, no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária”. Assim, nos casos de morte violenta ou a esclarecer, o familiar de primeiro a terceiro grau deverá requerer uma ordem judicial para realizar o método, por se tratar de um processo irreversível em caso de contestação ou perícia posterior. A advogada Déborah Castro, da área de direito de família e sucessões, ressalta que esta restrição é mantida por “muitas vezes ser necessário fazer necropsia”. Por outro lado, Déborah ressalta que nos casos de saúde pública, “está ligado a endemias de doenças infecto contagiosas, justamente para evitar uma pandemia”, afirma. “Hoje muito provavelmente as vítimas de acidente do Césio-137 teriam sido cremadas e não enterradas em caixões de chumbo como fizeram na década de 80”, acrescenta a advogada. Caso não haja obstáculo judicial, não existem outras contra-indicações, a não ser fator religioso da família que pode ser contrário à vontade da pessoa falecida.Culturalmente, a escolha possui influência religiosaO cuidado com o corpo das pessoas que morrem é um traço essencial das culturas humanas, é o que indica o teólogo e professor Lorenzo Lago, da Escola de Formação de Professores e Humanidades da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Por isso, as regras desta passagem estão codificadas em “protocolos” precisos, os rituais fúnebres, que consistem em um sentido no conjunto do código simbólico. “Queimar o corpo pode ser um auxílio ou um empecilho, uma honra ou uma desfeita, depende do código do ritual em que está inserido”, explica.A Igreja Católica recomenda a sepultura, porque expressa a fé na ressurreição do corpo. Apesar disso, a cremação não é proibida, conforme reforça o Papa Francisco em um documento de 2016, “as cinzas do defunto devem ser mantidas em um lugar sacro, ou seja, nos cemitérios, e a conservação das cinzas no ambiente doméstico não é permitida”. Sendo proibido, também, dividir as cinzas entre os familiares. Para os evangélicos também não existem proibições por parte dos líderes religiosos. A vertente mais tradicional e seguidora do Velho Testamento costuma optar pelo sepultamento, uma vez que a cremação não é comumente representada no Velho Testamento. Já o Espiritismo recomenda que a cremação não aconteça antes de 72 horas do falecimento. Devido a crença de que o espírito é anterior ao corpo e sobrevive a ele, a morte é uma transição. “Os laços que unem o espírito e o corpo se soltam progressivamente e o desligamento pode demorar várias horas, esse processo deve ser respeitado”, diz Lago. O Candomblé, por sua vez, não permite e afirma que o corpo deve ser sepultado na terra para que possa continuar seu percurso guiado pelos orixás. Na mesma linha, no Judaísmo, por exemplo, tem complexos rituais de sepultamento. O corpo após a morte deve ser protegido de tudo que ameaça sua integridade, inclusive a autópsia na perspectiva mais rigorosa, indica o teólogo, “a cremação, nessa perspectiva, é uma forma de violação da integridade do corpo e impede seu retorno à terra”, conclui. Em contrapartida, para o Hinduísmo, a morte é uma forma de libertação da dor de viver. “Por isso, o corpo é queimado, inclusive sem nenhum elemento que possa identificar sua história, sua identidade”, explica o professor. A cremação, assim, costuma acontecer à beira de um rio sagrado e as cinzas devem ser dispersadas em suas águas. Existem diferenças para o meio ambiente entre as duas modalidadesDe modo comparativo, o sepultamento possui mais aspectos ambientais negativos que a cremação. Isso porque, segundo a bióloga Suzienne Cristina Silva da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), é possível que tenha algum tipo de contaminação durante o ato, podendo gerar impactos no solo e lençol freático. De acordo com a resolução do Conama Nº 316 de 2002, os sistemas de tratamento e riscos ambientais provindos de conjuntos de cemitério. “Isso é acompanhado, mas pode acontecer”, afirma.Neste cenário, a escolha pela cremação “de modo geral, diminui os impactos negativos porque é apenas atmosférico”, diz Suzienne, analista da gerência de políticas de manejo de resíduos sólidos da Amma. “Não há impedimento de disposição das cinzas no solo, inclusive podem incrementar o mesmo com nutrientes”, acrescenta. A profissional explica que para aprofundar o acompanhamento e fiscalização ambiental, o órgão está desenvolvendo uma Comissão Técnica para acompanhamento de Estudos de Impacto Ambiental de Atividades desenvolvidas em Cemitérios Municipais.Leia também: Corpo de Caiado Filho é cremado em GoiâniaVelórios e sepultamentos passam por mudanças em Goiás