Mesmo com a ampliação de mais 20 leitos de UTI para Covid-19 nas últimas duas semanas, a rede municipal de Goiânia viu nesta terça-feira (16) todas as 58 vagas ocupadas durante boa parte do dia, a primeira vez que a situação chega neste ponto. Neste mesmo dia, a atualização do boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) bateu recorde de novos casos notificados, foram 487 resultados incluídos em 24 horas, e o índice de isolamento social segue abaixo dos 40%. A situação é pior do que a verificada em 5 de junho, quando a titular da SMS, Fátima Mrue, afirmou que a discussão sobre a reabertura do comércio na capital só poderia ocorrer se o índice de isolamento ficasse acima de 50%. Naquele dia, ainda sem os dez leitos de UTI para Covid-19 que passaram a ser ofertados pelo Gastro Salustiano Hospital a partir de 11 de junho para o Sistema Único de Saúde (SUS), a rede municipal contava com ocupação de 80% dos leitos de UTI. Foi quando também a capital atingiu o pior índice de isolamento (32%) e os casos na periferia passara a avançar com velocidade maior.A ocupação dos leitos de UTI é vista como o ponto crucial no enfrentamento ao novo coronavírus (Sars-CoV-2) e o índice de isolamento social é apontado como o melhor modo de reduzir a velocidade de contágio do vírus. Entretanto, desde o início de abril a capital não tem conseguido manter esse índice acima de 50%, patamar considerado ideal para que o sistema público de saúde não entre em colapso.A SMS negocia com a Santa Casa de Misericórdia de Goiânia desde a semana passada a abertura de mais dez leitos de UTI para Covid-19. O hospital topou e já tem a estrutura para oferecer, mas está esbarrando no mesmo problema pelo qual passam o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG) e o Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara (HMMCC) para ampliarem a capacidade: a dificuldade de contratar profissionais de saúde para cuidar destes novos leitos.O superintendente técnico da Santa Casa, Pedro Ivandosvick, diz que a dificuldade em se encontrar profissionais para trabalhar em UTIs sempre existiu, mas após a chegada da epidemia ficou ainda pior. Conforme O POPULAR apurou, os desafios têm a ver com o valor pago para estes profissionais e o exigido pelos mesmos. O HC/UFG está desde o começo do mês fazendo processos seletivos para poder abrir mais 8 leitos de UTI. O HMMCC, que tem capacidade para mais 185 vagas além das 40 atuais não encontra recursos humanos para aumentar mais 10.A superintendente de Regulação e Políticas de Saúde da SMS, Andréia Alcântara, diz que ainda não chegou o momento de ter pessoas esperando por uma vaga para internação e que a abertura de vagas no Salustiano e na Santa Casa é temporária até que a Prefeitura consiga ampliar a oferta no HC e no HMMCC. Na capital, ainda tem o Hospital de Campanha (HCamp) de Goiânia, regulado pela rede estadual, que na terça-feira estava com 8 das 60 vagas de UTI disponíveis (86,7%).Andréia explica que a demanda maior por internações está relacionada ao índice de isolamento. “Toda vez que este índice está baixo, sobe a necessidade de mais leitos de internação”, disse. Ainda segundo ela, a ocupação de vagas na enfermaria aumentou também, mas está em torno de 80%. Quando a entrevista foi feita, a de UTI estava em 96%.Andréia também informou que a tendência é que a Santa Casa fique com o perfil de pacientes que são encaminhados para o HC, que envolvem casos mais complexos, como grávidas, vítimas de enfarte ou que necessitem de cirurgias. O HC está com lotação máxima desde o dia 10.O superintendente de Vigilância em Saúde da SMS, Yves Ternes, diz que a pasta tem feito campanha para estimular as pessoas a ficarem mais em casa e reconhece que o momento é de alerta. “Estamos em um momento crucial em relação à curva de casos. A população precisa fazer a sua parte”, comentou. Entretanto, além de as pessoas estarem circulando mais nas ruas, Ternes destaca que a secretaria tem notado aumento dos casos de contaminação intradomiciliar, o que seria indício de que os goianienses estão relaxando na precaução dentro de casa. “Elas saem para trabalhar e quando voltam para casa não fazem a higiene necessária”, explicou.A sobrecarga dos laboratórios que fazem testes para detectar casos de Covid-19 - assunto que foi noticiado pelo POPULAR nos últimos dias - é outro sinal de alerta destacado por Ternes. Ele afirma que isso pode atrapalhar o acompanhamento da evolução dos casos nos próximos dias, com a possibilidade de uma falsa sensação de desaceleração da curva. Para evitar isso, a Prefeitura estaria, segundo o superintendente, contratando mais testes. Para ele, é fundamental que se observe o cenário das internações e óbitos. “Os casos de internação e de óbitos estão sendo todos testados.” Cenário críticoO grupo de pesquisadores da UFG que desde abril tem elaborado notas técnicas com cenários da Covid-19 em Goiás está finalizando uma nova atualização do estudo para esta semana no qual não há nenhum sinal de melhora da situação da epidemia seja no Estado ou em Goiânia. Pelo contrário, todos os indicadores apontariam que seguimos no pior quadro possível. “Estamos em um cenário de dobra dos casos a cada 10 dias. Vamos levar muitos sustos pela frente”, comentou o professor e biólogo Thiago Rangel, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e integrante do grupo de pesquisa. Ainda segundo ele, qualquer medida para reverter a situação que venha a ser adotada no futuro poderá demorar até 30 dias para ter efeitos.A nova nota técnica encontrou uma defasagem considerada grande entre o momento do óbito de uma pessoa com Covid-19 e a notificação no boletim epidemiológico estadual, que em Goiânia chega a até 10 dias de diferença. Para Thiago, isso é grave, pois prejudica uma reação das autoridades já que o número de mortes era considerado um dos mais precisos para identificação do cenário em tempo mais próximo do real. “Isso atrapalha a capacidade de se olhar o dado e ver qual a medida a ser tomada. Podemos já estar hoje num momento muito mais grave (do que se imagina) para que se possa fazer uma manobra”, alertou.