Cerca de 50 mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica em Goiás serão submetidas a cirurgias reparadoras de forma gratuita, em novembro. As operações irão ocorrer por meio de um mutirão promovido pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), que conta com a parceria do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). Intuito é que a ação se torne rotina.No estado, todos os anos, centenas de mulheres, crianças e adolescentes são vítimas de violência doméstica. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, 1,7 mil crianças e adolescentes com idade entre 0 e 17 anos e 17,3 mil mulheres foram vítimas do crime nos últimos dois anos. O número de ligações ao 190 por violência doméstica e ameaças a mulheres aumentou entre 2020 e 2021. O número de medidas protetivas concedidas pelo TJ-GO teve um crescimento de 190,2% no mesmo período.A juíza auxiliar da presidência do TJ-GO, Sirlei da Costa, explica que apesar de o trabalho do TJ-GO ser essencialmente ligado aos procedimentos legais no entorno da violência doméstica, o órgão também colabora com ações que vão trazer resultados positivos para as vítimas. “O intuito é usar a nossa infraestrutura para ampliar o amparo que essas pessoas recebem. É uma forma de contribuir para que elas consigam se reerguer”, afirma.AçãoO presidente da Fundação de Ações Humanitárias, da SBCP, Luciano Chaves, conta que a ideia surgiu há cerca de três anos, mas a organização tinha dificuldade de chegar até o público vítima de violência doméstica. “Foi então que pensamos na parceria com os tribunais”, aponta. O TJGO foi o primeiro tribunal do País a assinar um termo de cooperação do tipo com a SBCP.O tribunal já faz o levantamento de mulheres, crianças e adolescentes que tenham sido vítimas de violência doméstica e tenham ficado com alguma sequela física. “Temos uma Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar. Os servidores da área entram em contato com essas vítimas e marcam uma entrevista para verificar se elas têm interesse”, explica Sirlei.Leia também:- Menino para viatura na rua para denunciar agressão que a mãe sofreu do pai dele, em Aparecida- Homem é denunciado por matar mãe e filha, em Goiânia- Preso mecânico suspeito de espancar a mulher por 6 horas e colocar fogo na mão dela, em PosseAté o fim da primeira quinzena de dezembro, essas pessoas serão atendidas em um ambulatório por cirurgiões plásticos. “Vamos fazer uma consulta para verificar se o paciente tem ou não indicação cirúrgica para a melhoria daquela sequela”, esclarece o presidente da fundação.Em torno de 50 pacientes serão selecionados, submetidos aos exames necessários e operados em um mutirão que será realizado do dia 7 a 12 de novembro no Hospital Alberto Rassi (HGG), Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Goiás (UFG), ou na Santa Casa de Misericórdia da capital. “Também estamos considerando a possibilidade de firmar parcerias com laboratórios e hospitais privados”, diz Chaves.FuturoTodo o processo é gratuito e a intenção é que não se resuma a uma ação pontual. “Sabemos que esse tipo de vítima de violência tem dificuldade em procurar o atendimento convencional por uma série de motivos, como, por exemplo, o constrangimento. É uma situação delicada. Queremos contribuir e montar um ambulatório nacional especializado em atender esse tipo de paciente. O funcionamento será semelhante ao do mutirão”, afirma o presidente da fundação.Mulher tem marcas no rosto e nas pernasUma moradora de Jataí, de 36 anos, aguarda ansiosa para reparar lesões que tem no nariz e nas pernas. Ela foi vítima de uma tentativa de feminicídio em 2016. “É uma tentativa de recuperar meu amor próprio, já que não tem cirurgia para o meu psicológico. Eu estou aqui para provar que nós, que fomos vítimas de violência doméstica, merecemos viver com qualidade”, conta.Parte do nariz dela foi arrancado depois que ela recebeu uma mordida de um ex-companheiro, em 2016. “Ele tentou enfiar uma faca no meu pescoço. Quando o irmão dele o impediu, ele mordeu meu nariz. No desespero para fugir dele, eu quebrei a perna em três lugares. Fiquei internada e tive complicações. Desde então, já fui submetida a mais de 50 procedimentos”, relata. O agressor é pai de um dos seus dois filhos. “Eu só consegui continuar por ele (filho), que tinha dois anos. A mãe sobreviveu. Porém, eu, enquanto mulher, ainda não superei. Não ando de shorts, prefiro usar máscara para tapar meu nariz e ainda carrego muito traumas com facas. Não consigo sequer entrar em um açougue”, desabafa.Desde a tentativa de feminicídio, a mulher e o filho nunca mais encontraram o ex-companheiro. “Tenho medida protetiva. Três mulheres que trabalham no Judiciário foram essenciais nesses últimos seis anos: Brigida, Sabrina e Muna. Me ouviram, me acolheram e ajudaram. Essa oportunidade devolverá minha autoestima”, diz.-Imagem (1.2524307)