Atualizada às 10h.A região do Jardim Caravelas, em Aparecida de Goiânia, concentra a maior parte dos refugiados venezuelanos da região metropolitana. É a avaliação da ONG Missão Amar Sem Fronteiras (Masf), que acompanha refugiados no Estado há um ano. São 51 pessoas do país da América Latina, onde há uma grave crise socioeconômica, que chegaram até Goiás através de vínculos com a Igreja Assembleia de Deus.É o caso de Mayerlin Romero, de 27 anos, que compartilha uma kitnet, de dois quartos e um banheiro, com a cunhada, os 4 filhos das duas e os seus respectivos maridos. Ela chegou em Goiânia há três semanas depois de ter passado um período turbulento em Boa Vista, Roraima, local que recebe a maior parte dos refugiados venezuelanos que chegam ao Brasil.O estopim para Meyrlin decidir sair de Porto Ordaz, cidade que vivia na Venezuela, aconteceu em 2016, quando seu filho, de apenas seis meses, morreu com uma infecção em um hospital, depois de ter piorado um quadro de pneumonia. Com a crise no país, faltavam medicamentos e outros insumos, que ela mesma tinha que comprar.“Os hospitais não tinham insumo, tudo eu tinha que procurar na rua para comprar, as farmácias já não tinham. As pessoas vendiam para mim, mas por um preço muito alto. Por isso vim para o Brasil, porque perdi meu filho e fiquei com medo de perder os outros”, conta Meyrlin, que é formada em Recursos Humanos, mas atualmente está desempregada.Em Roraima, teve que enfrentar o preconceito e a lotação da cidade de novos refugiados, que acabavam tendo que viver nas ruas. Ela chegou a presenciar casos de casas incendiadas de forma criminosa por xenofobia. Ao saber que a família da cunhada estava em Goiânia e tinha apoio da igreja, resolveu se mudar.Lauris Betanco, também de 27 anos, é a cunhada de Mayerlin, que já está na capital de Goiás há 5 meses. O marido conseguiu um emprego na empresa do pastor da igreja. Assim como Meyrlin, ela passou um período de dificuldade em Boa Vista, morando em locais inapropriados e sofrendo com o preconceito. Na escola, a filha era chamada de “piolhenta” quando percebiam o sotaque estrangeiro.“Às vezes, as pessoas brasileiras pensam que viemos do campo, que não conhecemos as coisas. Em Boa Vista tratavam a gente como se fôssemos burros, mas depois Deus foi compensando as coisas”, lembra Lauris. Ela e sua família tinham uma vida confortável na Venezuela antes da crise. Ela se formou em administração e ajudava o marido a tocar uma empresa de venda de acessórios para carros, tinham casa e veículo próprio. Além disso, o esposo tinha um bom emprego em uma empresa estatal de mineração.Com a crise, a família começou a passar necessidade muito rápido e a principal preocupação eram os filhos, que precisavam de itens que começaram a faltar nos mercados, como fraldas. “Tudo foi muito rápido, a desvalorização do dinheiro. Meu esposo comprava uma porta e com aquilo que ganhava ele já não conseguia comprar outra”, exemplifica.CoralApesar das dificuldades que ainda enfrentam e do cenário não ser o ideal, Meyrlin e Laures seguem lutando e se apoiam na fé evangélica. Elas fazem parte de um grupo de louvor na igreja, em que cantam em espanhol. Todos os sábados se reúnem na casa de algum venezuelano do bairro, onde realizam cultos na língua natal. Além disso, nesses momentos, confraternizam e se recordam do país. No terceiro sábado de cada mês, uma celebração religiosa maior é realizada na sede da congregação.Laures ainda guarda uma lembrança que trouxe da Venezuela, uma peça de roupa que usou quando criança para dançar “joropo”, um estilo musical típico venezuelano. “Agora é minha filha que usa”, conta saudosa.Imigrantes pedem dinheiro no semáforoLonge do Jardim Caravelas, no bairro Nova Vila, próximo ao Parque Agropecuário de Goiânia, os novos venezuelanos que chegam ao país começam a fazer parte do cenário da cidade. Betânia Martinez, de 24 anos, pede dinheiro no sinal de trânsito, próximo a avenida Marginal Botafogo. Ela chegou há uma semana na capital de Goiás, motivada por uma prima que já vivia aqui. Para chamar a atenção dos motoristas, ela segura um cartaz em que diz ser venezuelana e que precisa de ajuda para alimentar a filha, que carrega no colo. Betânia, o marido e a filha atravessaram a fronteira para Roraima em dezembro de 2017. Eles contaram com a ajuda de uma desconhecido que se solidarizou, levou todos para Roraima e pagou um dia em um hotel. De lá, foram descendo aos poucos até chegar em Cuiabá, onde o esposo juntou um dinheiro trabalhando como eletricista. O destino final foi Goiânia, porque tinha uma amiga na capital. Atualmente, todos estão desempregados. Ela pede dinheiro em um sinal, a amiga em outro, o marido vende balinhas em outro semáforo. Eles dormem em um quartinho na beira da avenida, que o aluguel custa R$ 300 por mês.Em Porto La Cruz, onde vivia, Betânia trabalhava como atendente em lojas e padarias. O objetivo agora é arrumar um emprego, juntar dinheiro e trazer a mãe, que está doente, e a irmã com os quatro filhos, que estão todos ainda na Venezuela. O medo de Betânia é que aconteça o que aconteceu com a família do marido.Sua sogra morreu em abril e nenhum de seus filhos teve condições de ir ao enterro, pois todos estavam refugiados, um no Chile, um no Brasil e outros dois na Colômbia. “Decidi sair porque lá está muito ruim, sem trabalho, o tanto que se ganha por mês não dá para comprar um frango e sobretudo por minha filha”, conta.Defensoria faz atendimentosA Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) está atendendo imigrantes e refugiados todas as quarta-feiras das 8h30 até às 16 horas no Núcleo de Direitos Humanos, que fica na Avenida Cora Coralina, nº 55, Setor Sul, em Goiânia. A ideia é ajudar na adaptação dessas pessoas ao país, para adquirir documentação, ter acesso garantido à saúde, educação e também reportar denúncias de crimes ou violações. “A ideia é que com esse atendimento a gente dê visibilidade ao problema e consiga futuramente construir saídas para, pelo menos, diminuir a situação de vulnerabilidade dessas pessoas”, explica a defensora pública Fernanda da Silva Rodrigues Fernandes. O primeiro dia de atendimentos foi na semana passada, quando oito famílias passaram pela DPE-GO. Inicialmente, a ONG Missão Amar Sem Fronteiras (Masf) e o Grupo Eles por Eles estão colaborando com o projeto, servindo como ponte entre os refugiados e a DPE.No entanto, a ideia é que esse tipo de atendimento seja difundido e que todo refugiado ou imigrante no Estado saiba que pode recorrendo a DPE.Presidente da Masf, Fernando Angulo, que é da Colômbia e está no Brasil há 19 anos, conta que as principais dificuldades dos refugiados são em relação a trabalho e moradia, mas também há casos de falta de acesso a Saúde, Educação . “Muitas crianças não estão estudando, não estão na creche. Recentemente, uma pessoa que mora no Jardim América me ligou porque a mãe estava passando mal e pediram vários exames, mas ela não sabia como encaminhar e ir atrás”, explica. Neste domingo (25) foi realizado um dia beneficente com ajuda da ONG na Igreja Assembleia de Deus do Ministério Fama, no Jardim Caravelas. Foram oferecidos exames e vacinas, com apoio da Universidade Federal de Goiás (UFG). No dia 8 de setembro haverá uma ação para imigrantes na Escola Municipal Camila Scaliz Figueiredo, com consultas, psicólogo advogados, cabeleireiro e recreação. O contato da ONG é (62) 9 8414-7544.