Ao final do primeiro ano à frente da Secretaria de Estado da Economia do governo de Goiás, a economista Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt informa que o “ajuste” apenas começou. Mestre e doutora em Ciências Econômicas, a carioca afirma que ter pago aproximadamente 15 salários em 2019, incluindo a folha pendente de dezembro de 2018. “Foram ações iniciais do ajuste fiscal do Estado e o mínimo que queria fazer.Há muito dever de casa que precisa ser feito em 2020.”Segundo a secretária, ano passado, as três principais reformas estruturantes foram a da Previdência, dos Estatutos do Servidor e do Magistério e a redução dos incentivos fiscais. Para 2020, informa que o Executivo segue interessado em entrar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), mas a pavimentação para que isso ocorra ainda não está finalizada. Caso a pretensão não se concretize, diz que o plano é “continuar fazendo os ajustes necessários”. O destino de empresas públicas, por exemplo, é um dos itens em estudo e, conforme o resultado, Cristiane cita, entre as possibilidades, a privatização, a abertura de capital, ou mesmo, a liquidação.Qual balanço a senhora faz desse primeiro ano à frente da Secretaria de Economia?O primeiro ano teve um saldo extremamente positivo sobre as reformas estruturantes necessárias, embora tenham sido ainda insuficientes para colocar Goiás em trajetória de sustentabilidade financeira, para poder permitir que o governador Caiado possa fazer as políticas públicas desejadas para os 7 milhões de goianos. Muita coisa, portanto, precisa ser feita. Muita coisa mesmo. Apenas começamos o ajuste. Ter pago a folha de dezembro de 2018, parte da folha de novembro de 2018, os décimos terceiros salários referentes a estes períodos, o consignado e ainda ter pago dezembro de 2019 no próprio mês de dezembro - o que deu aproximadamente 15 salários no ano de 2019 - foram ações iniciais do ajuste fiscal do Estado e o mínimo que eu queria fazer. Há muito dever de casa que precisa ser feito em 2020 e vou trabalhar muito duro para isso, ao lado não só de uma competente equipe na Secretaria da Economia, como também ao lado de excelentes colegas secretários, que me deram amplo apoio às medidas tomadas em 2019. A meta fiscal ideal - ainda que muito difícil de ser implementada na gestão 2019/2022 - é ter a receita liquida do ICMS (depois de repassar os 25% para os municípios) cobrindo a folha de ativos e inativos. Hoje o ICMS líquido é da ordem de R$ 12 bilhões e a folha, de R$ 18 bilhões. Além disso, ter o ICMS bruto - em torno de R$ 16 bilhões - cobrindo a folha, as dívidas e precatórios. Se a principal fonte de arrecadação do Estado (o ICMS) não cobrir as despesas principais, o Estado jamais terá condições de atender às demandas da sociedade. No caso de Goiás, estamos falando de prestar melhores serviços e dar mais oportunidades aos 7 milhões de goianos.Quais foram as principais metas alcançadas?As três principais reformas estruturantes foram a da Previdência, a dos Estatutos do Servidor/Magistério e a da redução dos incentivos fiscais. Quanto à reforma da Previdência, ela era a mais relevante de todas a ser feita no primeiro ano por conta de seus impactos fiscais, que são apenas no médio e longo prazo. Uma reforma que só um estadista, como o governador Caiado, apoiaria. Quanto à redução dos incentivos, não se trata de eliminar com eles ou de acabar com a competitividade das empresas instaladas em Goiás. É retirar gorduras e rever uma importante política pública, dado que o Estado concede R$ 8 bilhões de renúncia fiscal. Temos que analisar o retorno desta política para o Estado e ver se trouxe os benefícios esperados. Por isso trouxe comigo um especialista em avaliação de política pública, que é o Claudio (André Gondim Nogueira), diretor do Instituto Mauro Borges. O papel do Estado é abrir portas (com boa infraestrutura e menos burocracia, por exemplo) para o setor privado ser a locomotiva da geração de renda e emprego, pois o Estado não é o principal driver. Neste sentido, o Estado precisa atuar para facilitar a vida do empresário. Não deve querer ser o agente principal, mas também não pode ser “mãe/pai” de empresário a vida toda, entendendo que este acaba tendo benefícios municipais, estaduais e federais. O Estado (como um todo) não aguenta. Este é um modelo que não deu certo. Basta comparar Coreia do Sul ou China com o Brasil. Fases iniciais da instalação de indústrias não podem ser confundidas quando ela já está madura. Temos uma preocupação genuína com todos os empresários goianos: pequenos, médios e grandes; mas há que lembrar que política industrial vai além de incentivo fiscal.Nesta seara, ficam também os meus parabéns para o Poder Legislativo de Goiás, que muito pensou nos 7 milhões de goianos ao criar uma ampla discussão sobre os incentivos fiscais, culminando na eliminação de alguns. Para além destas três reformas urgentes, houve outras muito relevantes, agora pensando mais no caixa de curto e médio prazo. Foram as desvinculações estaduais (C&T, UEG e cultura), incompatíveis com o orçamento do Estado; a eliminação de alguns fundos, outra fonte de amarra do orçamento do governador; a reestruturação da UEG, extremamente mal gerenciada (tendo mais campi que USP e Unicamp; cursos com pouquíssimos alunos, etc.); o novo licenciamento ambiental, extremamente necessário para destravar novos investimentos no Estado; e por aí vai. Com relação à reforma do estatuto, não podemos tergiversar em colocar as mesmas condições dos servidores estaduais aos funcionários públicos federais. Não houve nada diferente, lembrando que o gasto mais relevante é folha - ativos e inativos. Os inativos, endereçamos a questão com a reforma da Previdência. Os ativos, com a reforma do estatuto. Uma reforma é complementar a outra.A prorrogação da suspensão das dívidas pelo Supremo é suficiente para amenizar a situação financeira do Estado? Ela não é suficiente para amenizar a situação financeira do Estado. Ela foi imprescindível para a gente ajustar o fluxo de caixa. Ela continua sendo extremamente necessária para a gente poder ainda ter uma margem fiscal aí de aproximadamente R$ 210 milhões/mês, porque é o quanto a gente paga de serviço da dívida, mas nós precisamos fazer com que essa situação da suspensão da dívida perdure por mais tempo para que a gente possa de fato se ajustar no fluxo de caixa. Essa situação só será viável se nós entrarmos no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Sem entrarmos no RRF, possivelmente o Supremo não dará mais uma suspensão para gente. A gente a teve adiada por mais um tempinho e nesse tempinho o Supremo quer entender se o Estado de Goiás, como um todo, todos os poderes, quer que essa situação de suspensão da dívida perdure por mais tempo. No caso do RRF seriam por mais três anos, e isso poderia dar margem para que a gente pudesse se ajustar de uma maneira mais rápida, com um custo social pros 7 milhões de goianos mais rápido. Caso contrário, a gente vai voltar a ter uma situação financeira complicada.Então, o Estado segue com pretensão de entrar no RRF?O Poder Executivo segue com a pretensão de entrar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Essa resposta tem que seguir com uma discussão entre todos os poderes. Mas o Poder Executivo não tem a menor sombra de dúvida de que para a gente poder se ajustar de uma maneira mais rápida, o Estado de Goiás como um todo, financeiramente, a gente precisa entrar no RRF. Se entrarmos no RRF, o que teríamos? Número um: a suspensão da dívida por um tempo prolongado (três anos). Número dois: tomada de crédito suficiente para podermos fazer os ajustes necessários de pessoal, principalmente, de tamanho do Estado, para diminuí-lo, para que então a gente consiga mudar nossa Capag (capacidade de pagamento), que é uma Capag C, para uma Capag B, que é uma Capag que vai nos permitir tomar créditos com o setor privado, setor público, com o aval da União. Essa é a nossa meta e esse é o caminho a ser traçado. Nesse momento o Estado tem um risco alto e ruim, o risco C, e que nós não conseguimos, por isso, empréstimos com aval da União.Quando fala em diminuir o tamanho do Estado, isso implicaria em enxugar o quantitativo de pessoal? Diminuir o tamanho do Estado, sim, passa por corte de pessoal. Passa por pegar as empresas públicas e fazer um PDV (Programa de Desligamento Voluntário), passa por liquidar empresas, passa por diminuir a máquina pública. A gente precisa diminuir o tamanho do custeio do Estado, de uma forma geral, nessas despesas, porque elas estão ultrapassando as receitas. Então a gente precisa ajustar a parte de gastos públicos por essa via.Toda legislação necessária para que o Estado possa pleitear o RRF foi aprovada em 2019 na Assembleia Legislativa? Não. Como a gente sabe, existe uma das cláusulas lá que a gente precisa fazer a privatização ou estar indicada a permissão do Legislativo para fazer a privatização de energia elétrica, de saneamento básico, da parte financeira. No tocante a parte de saneamento básico, Goiás optou por fazer um IPO (em português, Oferta Pública Inicial) e não por fazer uma privatização tal qual está lá no inciso legal. Nesse ponto, tanto Rio Grande do Sul, quanto Minas Gerais, quanto Goiás, têm um problema, porque Rio Grande do Sul também vai fazer, provavelmente, um IPO do saneamento e não a privatização, tanto da empresa de saneamento, quanto da empresa financeira, o Banrisul. Portanto, como são Estados que estão numa situação até pior que Goiás, Rio Grande do Sul e Minas, então no PEF (Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal), também conhecido como Plano Mansueto, que está sendo analisado no Congresso Nacional, está sendo pensando em colocar ali uma flexibilização com relação a questão da privatização. Se isso sair, aí sim teremos toda legislação tendo sido devidamente atendida, e aí poderíamos fazer o nosso pleito, a adesão ao RRF. Não é fácil a adesão, porque não basta só a aprovação de leis, a gente tem que mostrar de maneira contundente e matematicamente falando, como é que vai se dar o ajuste ao longo do tempo. Isso a gente está trabalhando de maneira incessante com a Secretaria do Tesouro Nacional. Já encaminhamos o cenário base, o cenário ajustado, estamos agora aguardando uma resposta da Secretaria do Tesouro Nacional e, concomitantemente, estávamos aprovando as leis. Então se o Plano Mansueto tiver lá uma modificação que dê uma flexibilização com relação à privatização da Saneago, então a gente terá os requisitos. Caso contrário, não teremos o requisito. Aí é uma opção que tivemos.Há chance de tentar privatizar a Saneago para se adequar?Da Saneago já foi decidido pelo governador que vai ter o IPO e não vai ter privatização. Esse é um fato, esse é um dado. Então ou a lei vai mudar ou a gente não vai entrar no RRF. É uma das duas situações.E se o Estado não conseguir entrar no RRF, qual o plano?O plano é continuar fazendo os ajustes necessários. O problema é que a gente vai demorar muito mais e isso causa um custo para a sociedade, pros 7 milhões de goianos, maior. Mas a gente vai continuar fazendo plano de ajuste. Plano de ajuste é certo, é liquidado, ou seja, temos que fazer. Com RRF esse ajuste será mais rápido. Sem o RRF o ajuste é mais longo.Quanto ao ProGoiás, foi pedido da secretaria que a votação da matéria ficasse para 2020? Por quê? Como houve algumas dúvidas com relação ao programa, então nós pedimos para que fosse retirada a matéria de 2019 para que a gente pudesse fazer uma discussão mais ampla com o setor privado, com os empresários, acatar todas as demandas que estão sendo feitas, conversar um pouco mais, e então aprovar em 2020, já que não tem anterioridade, o programa é novo. Nossa pressa mais do que tudo era para que o setor privado pudesse migrar, caso ele quisesse migrar, dado que você teria aí o Protege de 15% postergado para 2020. Mas como teve esse pedido do setor privado para que a gente tivesse um diálogo ainda maior, mais do que a gente já teve, maiores esclarecimentos, sem sombra de dúvida a gente atendeu a esse pleito do setor privado e tiramos a matéria para colocarmos em 2020. Nesse começo de ano a gente vai discutir todos os temas.O que esperar para as finanças do Estado em 2020? As finanças do Estado de 2020 continuam muito ruins, muito graves. Nós saímos de um déficit de R$ 6 bilhões, para um déficit que estamos apresentando na LOA (Lei Orçamentária Anual de 2020) de R$ 3,5 bilhões, isso não é uma situação confortável, essa é uma situação desafiadora, segue sendo desafiadora, e vamos lutar e trabalhar com muito afinco para a gente melhorar esse cenário em 2021. Esperamos que em 2021 esse déficit seja ainda menor, quiçá, zerado. Muito lutaremos para que isso aconteça.A aprovação de estatutos de servidores e da reforma da Previdência aliviará o caixa já este ano?As reformas da Previdência e do estatuto, elas dão alguma ‘margenzinha’ sim de folga no orçamento, ao redor de R$ 500 milhões em 2020, o que é muito bom, mas não resolve, isso é previsão e isso ainda é pouco. As maiores economias para as finanças públicas vão ser dadas no médio e longo prazos, porque são reformas estruturantes. São reformas que vão ganhando um peso cada vez maior com o decorrer do tempo. Outras medidas precisam ser tomadas.O que mais esperar deste ano?O ano de 2020 segue sendo desafiador e um dos pontos principais serão os destinos das empresas públicas. A gente vai estudar para ver qual será o melhor destino dessas empresas visando criar maior eficiência dos serviços públicos para o setor privado e focando também na questão fiscal, porque a gente sabe que as empresas públicas acabam sendo mal geridas, então a gente pretende entender qual é a dinâmica de cada empresa e qual o destino que elas terão. Pode ser uma privatização, pode ser uma abertura de capital, pode ser um fechamento da empresa, a liquidação dela, então esse vai ser o foco de 2020. A gente quer olhar as empresas e tentar ver como que a gente pode tentar melhorar a produtividade da economia goiana, tentar melhorar o crescimento do PIB goiano.Outras considerações?O Estado continua grande. Para caber o custo do Estado dentro da receita, ele precisa diminuir e a gente precisa ter margem e folga orçamentária para que o governador possa fazer políticas públicas para os 7 milhões de goianos. Até o momento nós ainda temos 87% da receita líquida do Tesouro para pagamento de folha, ativos e inativos. Com dívidas e precatórios isso sobe ainda mais, por isso a importância da suspensão da dívida, para que a gente não coma todo o orçamento com essas partes, com despesas obrigatórias, folha, dívidas e precatório. Por isso, que a suspensão da dívida é imprescindível para que sobre alguma margem para algum investimento, que, nesse ano (2019) beirou a zero. Tudo que fizemos foi com transferências federais, foi pela capacidade do governador transacionar e transitar em Brasília para que pudéssemos ter alguns investimentos.Algo mais a destacar do seu trabalho a frente da secretaria?Meu legado enquanto secretária da Economia para minha secretaria é institucionalizar processos e procedimentos, para que futuros gestores, que possam por ventura ser mal intencionados, eles tenham muita dificuldade em quebrar uma boa prática. O que eu quero é institucionalizar processos e procedimentos, colocar sistemas, usar big data, colocar a informação transparente. A transparência é a melhor coisa para tentar colocar de lado a corrupção. Eu quero tentar criar sistemas incorruptíveis. Eu quero tentar criar processos e procedimentos que qualquer gestor que entre vai poder se beneficiar deles, e não vai poder tentar maculá-los usando de outros subterfúgios para fazer pagamentos que não devem ser feitos, para fazer coisas que não devem ser feitas. Então a minha palavra de ordem na minha secretaria é institucionalizar. Eu quero criar procedimentos e processos, sistemas e dar total transparência para que todos que quiserem vejam tudo que a secretaria faz. Essa é a meta. Não consigo fazer isso agora porque os sistemas são todos desconectados. Mas essa é a meta que eu tenho, até 2022, deixar uma secretaria transparente, totalmente institucional.