Diante de uma pandemia que deixou as aéreas praticamente sem operação e impôs um severo distanciamento social, as buscas por passagem aérea no Brasil atingiram o menor nível histórico na plataforma Google. Os números mostram que a retomada do setor pela perspectiva do interesse dos passageiros ainda não começou no País, mas pelo menos parou de cair. Na contramão, o mercado global dá sinais de que o pior já passou e as pessoas começaram a retomar o interesse.Segundo dados do Google, a busca por passagem aérea no Brasil na plataforma atingiu o menor nível da série histórica, que começou em 2004. O interesse no termo caiu 81% de fevereiro para abril (de 91 para 17), mas se estabilizou em maio.A métrica usada pelo Google é a seguinte: um valor de 100 representa o pico de popularidade de um termo em uma determinada região. Já uma pontuação de 0 significa que não havia dados suficientes para a busca.Os dados globais mostram uma retomada de 30% em maio na comparação com abril - este último também o pior da série histórica do buscador (26). Nesta quarta-feira, a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês) apontou uma série de dados, assim como a melhora nas buscas do Google por passagens, como uma luz no fim do túnel.De acordo com o economista-chefe da Iata, Brian Pearce, o setor mostrou uma recuperação no número de voos (considerando também o de transporte de carga) em maio. "Vimos uma elevação de 30% no dia 27 de maio na comparação com 21 de abril, que demonstrou ter sido o menor ponto na crise em termos de voos. Isso sugere que o mês de maio foi melhor também para os passageiros", disse, durante coletiva com jornalistas.O economista reforçou a tendência de retomada do negócio via mercado doméstico. "As aéreas estão se esforçando para puxar a demanda, com oferta de passagens", destacou. Segundo dados da Iata, as tarifas para voos no mercado doméstico em maio foram 23% menores na comparação anual.A crise, entretanto, vai deixar uma conta elevada. A demanda global de transporte aéreo de passageiros (medida em RPK, ou Passageiros-Quilômetros Pagos transportados) despencou 94% em abril na comparação com igual mês de 2019. "A indústria atingiu nível sem precedentes em abril", destacou Pearce. A oferta de assentos (medida por assentos-quilômetros ofertados, ou ASK) naquele mês recuou 87% na comparação anual. Já a taxa de ocupação atingiu mínima histórica de 36,6%. Em igual período de 2019, o indicador estava em 83%.Segundo o sócio-fundador do Fenelon Advogados, Ricardo Fenelon, a menor retomada do Brasil até agora se dá pela diferença temporal em que a pandemia atingiu a América Latina. Enquanto China e Europa dão sinais de recuperação e queda na contaminação, o Brasil tem registrado crescimento dia a após dia e hoje ocupa o segundo lugar no número de casos de covid-19.Fenelon destacou que o Brasil conseguiu dar importantes passos para proteger o setor aéreo no início da pandemia. "A Ryanair, que em 2019 transportou sozinha mais passageiros do que todas as aéreas brasileiras, parou. E aqui conseguimos manter". Em 2019, as companhias locais transportaram 104,4 milhões de passageiros. Somente a irlandesa de baixo custo Ryanair transportou 142 milhões. O desafio do governo agora, acrescenta, está no que ele chamou de segunda etapa, com a linha de crédito. "Eu tenho hoje uma preocupação grande de como o governo vai agir para evitar o colapso do setor", disse, ponderando que o BNDES e os ministérios têm se esforçado.Além dessa diferença no tempo, outro fator que tem comprometido o interesse do brasileiro em viajar é a crise política que o País está enfrentando, avalia a idealizadora da Airport Infra Expo e CEO da Necta, Paula Faria. "A gente está com dificuldade de prever esse futuro. As pessoas não viajarem é reflexo dessa insegurança que está relacionada a dicotomia entre as esferas (federal, municipal e estadual). Como não temos essa direção, as pessoas não vão viajar", disse.RetomadaPassada a tempestade que foi o mês de abril, as aéreas brasileiras começaram a retomar suas operações. Como forma de garantir que a crise não afetaria o transporte de carga e equipe média em aviões, o governo costurou uma malha essencial com o segmento. "No início de abril, quando a crise se instaura aqui, nosso ponto mínimo foi de 180 voos diários, de uma média que chegava até em 2.700 no período de pico, em temporada de verão", destacou o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz.Na virada de maio para junho, o setor passou a operar com 263 voos diários. Para o fim do mês, a estimativa é de 353 voos diários. "No início de julho, esse número já cresce, com a retomada da Passaredo e Map", acrescentou.Depois da maior crise da história, a aviação terá um grande desafio pela frente. Sanovicz disse que, no caso brasileiro, os pontos de mais atenção são o câmbio (o dólar está na casa dos R$ 6 e a moeda norte-americana influencia 50% dos custos das aéreas) e os hábitos dos passageiros na retomada. Ele disse ainda que o cliente vai começar a levar em conta questões como cobertura de plano de saúde e assistência médica nas cidades em que pretende ir. "O movimento de retomada vai se dar primeiro no doméstico, com viagens de até 2,5 horas. Porque com isso, se o passageiro se sentir desconfortável, ele consegue voltar", destacou.A Azul anunciou que aumentará o número de voos em junho para 168 decolagens diárias nos dias de pico, comparado com uma média de 115 decolagens por dia em maio. A Gol, em junho, terá média de 100 voos diários, ante os 68 previstos na malha essencial de maio, o que representa um acréscimo de 47%. A Latam está voando no Brasil em igual mês com cerca de 7% da sua capacidade do período pré-pandemia (750), com uma média de 50 voos por dia.