O consumidor goiano ficou mais endividado e inadimplente este ano. Um levantamento feito pela Serasa mostrou que, no último mês de outubro, o número de pessoas no estado com crédito negativado era 9,3% maior que no mesmo período do ano passado. Estas pessoas tinham 12% mais dívidas e também deviam um valor total 19,2% maior que em 2021. A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da Confederação Nacional de Comércio, Bens e Serviços (CNC), mostra que estão endividadas 60,5% das famílias goianas, contra 53,5% no ano passado. Dados do Banco Central também revelam um aumento do nível de endividamento e do comprometimento da renda das famílias. Para economistas e especialistas em finanças pessoais, estes números impactam não só o orçamento das famílias, mas também contribuem para a desaceleração da economia, pois quem está endividado tende a consumir menos. Este comportamento acaba se refletindo nos indicadores da indústria e do comércio. De acordo com a Serasa, em outubro, quase 2,3 milhões de goianos estavam inadimplentes. Para a gerente da Serasa, Camila Cruz, entre as principais causas da inadimplência dos consumidores estão a alta da inflação, o desemprego ainda elevado e a desorganização financeira. Ela explica que, com preços mais altos e a renda mais achatada, as pessoas acabam recorrendo mais ao cartão de crédito para comprar coisas básicas para o dia a dia, como alimentos e combustíveis. O limite do chamado “dinheiro de plástico” tem sido utilizado como um complemento de renda. Aliás, o cartão de crédito continua sendo o maior vilão do endividamento das famílias, por ser um crédito de fácil acesso e ter juros muito elevados. De acordo com a PEIC, em outubro, 80,3% dos endividados tinham dívidas no cartão. A pesquisa Perfil e Comportamento do Endividamento Brasileiro 2022, da Serasa, mostra que das dívidas contraídas no cartão de crédito, 65% correspondem a compras em supermercados.Quem está inadimplente não tem crédito no mercado para comprar e não ajuda a movimentar a economia. “Uma mostra disso tivemos no desempenho da Black Friday. A economia vive de oferta e demanda”, destaca Camila Cruz. Para tentar reduzir o problema, a Serasa tem realizado feirões de renegociação, que têm tido uma grande procura. Quem está inadimplente pode procurar o Feirão Serasa Limpa Nome, através dos canais digitais da empresa, para renegociar. A edição atual do evento termina hoje.Inflação e juros altosPara a economista da CNC, Izis Ferreira, as altas do endividamento e da inadimplência são resultado de um conjunto de fatores, como a inflação pressionando o orçamento das famílias e o contexto de juros altos, com o encarecimento do crédito. Segundo ela, a desaceleração da inflação nos últimos meses também reflete a queda no poder de compra das famílias.Izis lembra que a concessão de crédito a pessoas físicas com recursos livres aumentou em um ano, junto com o custo. “Quando pego todas as modalidades de crédito, a taxa média é de 56,6%, uma alta de 13,5% em um ano”, destaca. Num contexto de inflação alta pressionando a renda, há uma maior dificuldade para pagar isso. “As pessoas se endividam mais e em mais modalidades, com valores maiores de dívidas”, completa.Leia também: - Governo de Goiás deve entrar na Justiça para repor perdas bilionárias com ICMS- Com novo bloqueio de verbas, UFG perde R$ 2,4 milhões- Taxação do agroDe acordo com a PEIC, 19% dos endividados possuem contas em atraso, 3 pontos porcentuais a mais que em 2021. A economista alerta que este endividamento e a alta dos juros já estão desaquecendo a economia via queda no consumo, como tem mostrado a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), divulgada pelo IBGE. “Não há espaço para fazer mais dívidas e o crédito mais caro também perde sua capacidade de fomentar o consumo”, explica. Além disso, a estimativa é que os juros ainda continuem altos por algum tempo.SuperendividamentoA PEIC da CNC também mostrou que, em outubro, 11,3% dos consumidores goianos se consideravam muito endividados e 18,6% mais ou menos endividados, principalmente aqueles com menor renda. É o caso da auxiliar de serviços gerais Cristiane Castro de Oliveira, que hoje se considera uma superendividada e sabe que terá muita dificuldade para saldar todas as dívidas que contraiu nos últimos meses. Com uma renda mensal de cerca de R$ 1,4 mil, ela hoje paga cerca de R$ 350 mensais de fatura de cartão de crédito e uma parcela mensal de quase R$ 500 de um empréstimo bancário feito para custear uma pequena reforma em casa. “Estou bem endividada hoje. Por isso, estou tendo de cortar todos os gastos supérfluos para conseguir pagar o que devo e conseguir me manter ao longo do mês”, admite.Cristiane diz que hoje se arrepende de ter pego este empréstimo no último mês de julho, pois nem conseguiu fazer a reforma que pretendia, gastou boa parte do dinheiro e ficou com uma dívida enorme perto do valor de seu orçamento mensal. O pior é que ela sabe qual foi a taxa praticada na operação, mas reconhece que os juros foram muito altos, pois pagará 24 parcelas de R$ 500 por um empréstimo de R$ 4 mil. “Na hora, a gente nem pensa muito e acaba fazendo tudo errado. Os próximos meses serão bem difíceis, pois vou passar um aperto grande”, prevê. Oferta de crédito e juros altos agravam endividamentoQuando não utilizado com inteligência, o crédito pode se tornar um grande vilão do endividamento. O alerta é do economista e professor da PUC Goiás, Edilson Aguais. Ele lembra que, após o início da pandemia, o governo reduziu a taxa do compulsório e do redesconto pelo Banco Central, para aumentar a liquidez e os recursos disponíveis para empréstimo no mercado. “Mas isso acabou não surtindo o efeito esperado pelo governo federal porque os bancos ficaram mais receosos para emprestar num momento de desaceleração da economia”, avalia.As próximas medidas foram elevar os limites dos empréstimos consignados e ainda criar o consignado dentro do Auxílio Brasil. “Antes, a pessoa que não tinha renda pelo menos não se endividava. Agora, há um aumento natural do endividamento, através desta injeção de recursos e crédito”, destaca o economista.Se, por um lado, o aumento da taxa Selic desestimula a tomada de empréstimos e o consumo, por outro ainda há muita oferta de crédito. “Um bom exemplo são as fintechs, que oferecem serviços financeiros e hoje concorrem muito com os bancos tradicionais. Elas elevaram muito a oferta de cartões de crédito no mercado”, alerta Edilson.Por isso, ele adverte que o aumento da inadimplência também é resultado desta grande oferta de crédito, num país onde as pessoas sempre acreditam que no dia de amanhã as coisas vão melhorar e elas terão mais condições para pagar uma dívida contraída hoje. “Muitas pessoas nem avaliam as condições dos empréstimos e sempre deixam a solução para o futuro. É um ciclo que não se consegue romper no Brasil”, ressalta.O professor lembra que, em agosto de 2021, entrou em vigor a Lei 14.181, conhecida como a Lei do Superendividamento, que prevê que as instituições financeiras precisam promover ações de conscientização junto a seus clientes, orientando para os riscos do endividamento elevado. “Mas isso não tem sido feito e muitas instituições até anunciam a liberação de empréstimos sem consulta ao SPC e Serasa ou qualquer critério importante”, completa.PreocupaçãoA Lei 14.181 prevê que a pessoa superendividada pode solicitar a renegociação em bloco das dívidas no tribunal de Justiça do seu estado, onde será realizada uma conciliação com todos os credores para a elaboração de um plano de pagamentos que caiba no seu orçamento. Essa conciliação também pode ser realizada nos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como Procon, Defensoria Pública e Ministério Público. Uma pesquisa realizada pela Semrush, plataforma de gerenciamento de visibilidade online, mostrou que cada vez mais brasileiros estão em busca de organizar sua vida financeira. Uma prova disso, segundo a Serasa, tem sido a grande procura por seus feirões de renegociação de dívidas.De acordo com o levantamento da Semrush, mais de 1 milhão de pessoas buscaram pelo termo “consultar CPF”, ainda em 2021, o que demonstra o interesse dos consumidores em entender melhor sua situação financeira. Outras expressões em destaque foram “inadimplência”, com um aumento de 49%, totalizando 28 mil buscas por mês, e “negociação de dívidas”, que teve um crescimento de 86%. As expressões “quitar dívidas”, que teve um aumento de 52%, e “recuperação de crédito”, com um crescimento de 60% ao mês, também chamam atenção.Para Pedro Lima, economista e co-CEO da fintech Meu Acerto, plataforma de negociação digital de dívidas, esse estudo demonstra uma nova concepção da sociedade em relação à vida financeira. “Tivemos recordes do número de inadimplentes no Brasil. E, quando olhamos os números da pesquisa, podemos ver que cresceu o interesse das pessoas por temas relacionados às finanças. Elas estão buscando informações para não se endividarem ou para saírem da situação de endividamento, que é temporária”, diz o executivo.-Imagem (1.2573724)