O bom humor do mercado doméstico demonstrado com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios pelo Senado surgiu apenas na reta final das discussões sobre o projeto que adia o pagamento de dívidas judiciais do governo e permite um drible na regra do teto de gastos. Ao longo da maior parte dos quase cinco meses de debates sobre o tema em Brasília, as empresas do Ibovespa perderam mais de R$ 670 bilhões em valor de mercado, segundo levantamento da Rio Bravo.O prejuízo compreende a queda de 18,7% acumulada pelo Ibovespa entre 29 de julho, início do debate sobre mudanças no cálculo dos precatórios, até 22 de novembro, quando dúvidas sobre a aprovação do texto pelo Senado ainda provocavam oscilações na Bolsa.Fatores externos, como a inflação global e o temor de recrudescimento da pandemia de Covid-19, também contribuíram com oscilações que afugentaram investidores - por isso, as perdas não podem ser atribuídas exclusivamente à discussão sobre a PEC dos Precatórios.Desde que o tema entrou no radar do mercado, porém, as ações brasileiras iniciaram um movimento de queda descolado dos índices de economias emergentes que, assim como o Brasil, estão sujeitas a pressões globais, mostra um cruzamento da evolução do Ibovespa com uma cesta de bolsas composta pelos principais índices de México, Chile, Hong Kong, Índia, Rússia e Turquia, realizado pelo economista João Leal e pelo analista Leon Abdalla, ambos da Rio Bravo.“Avaliar o impacto da PEC dos Precatórios sobre a Bolsa é um exercício difícil, mas comparando o desempenho do Ibovespa com uma cesta de Bolsas de países emergentes, conseguimos ter uma ideia do impacto dos fatores domésticos”, relataram os especialistas.Enquanto a Bolsa brasileira caiu quase 19% no período, a cesta com os demais emergentes subiu 7,2%. No mesmo período, o S&P 500, índice de referência do mercado americano, avançou 6%.O descolamento entre o Brasil e seus pares aumentou ainda mais após o anúncio da proposta de mudança na regra de cálculo do teto, em 18 de outubro, mostra o gráfico dos analistas, que também revela ligeira desvantagem das ações brasileiras ao longo de 2020.Segundo Leal e Abdalla, o mercado local reagia naquele período ao pior momento da pandemia de Covid-19 no Brasil.Risco de inadimplênciaA Rio Bravo também comparou o avanço do CDS, sigla em inglês para o risco de inadimplência de um país, do Brasil com seus principais pares entre 29 de julho e 29 de novembro.O CDS do Brasil para cinco anos piorou 50% no período, enquanto os riscos de África do Sul, México e Turquia cresceram 23%, 25% e 34%, respectivamente.“É fácil ver o quanto a percepção de risco do Brasil se deslocou dos seus pares por conta das questões domésticas”, relataram os especialistas. “Isso mostra ainda mais o tamanho do impacto que as questões fiscais tiveram sobre a percepção da economia nacional.”A alteração pretendida pelo governo representou, durante a maior parte do tempo em que ela foi discutida, uma tentativa de ampliar gastos por meio do descumprimento de um compromisso.Mas, a partir da decisão do presidente Jair Bolsonaro de impor o aumento do Auxílio Brasil, obrigando a equipe econômica a furar o teto de gastos, o mercado passou a avaliar o atraso no pagamento de dívidas judiciais da União previstas para 2022 por meio da PEC dos Precatórios como uma possibilidade de evitar que o governo aumentasse gastos sem contrapartidas.Desde a aprovação da PEC pelo Senado, em 2 de dezembro, a Bolsa subiu 3,15%. Isso não significa que a recuperação será contínua e, menos ainda, que o patamar pedido a partir de julho será novamente alcançado no curto prazo.A crise deflagrada pela discussão sobre os precatórios e o Auxílio Brasil já colocou o país em uma nova condição de risco fiscal e inflacionário e, por mais que as questões sejam temporariamente resolvidas, é difícil afirmar como o mercado absorverá esse novo nível de risco, afirmam os especialistas da Rio Bravo.Além disso, o momento para a recuperação é desfavorável. Enquanto o mercado doméstico afundava, a maioria das Bolsas mundiais avançava devido ao aumento de liquidez proporcionado por medidas de estímulos econômicos criadas durante a pandemia.Retiradas de medidas restritivas devido ao avanço da vacinação no mundo estimularam o consumo antes da normalização das cadeias de suprimentos, gerando escassez de insumos e inflação global.Bancos centrais discutem agora o ritmo da retirada de estímulos econômicos e aumento nos juros para combater a alta nos preços.“Estamos agora em um cenário muito mais contracionista em termos de juros do que antes do início dessas discussões, refletindo diretamente no custo de capital das empresas. Não é possível prever quando e se a Bolsa irá retornar ao nível anterior à discussão.”