Estrategista-chefe da XP Investimentos, Fernando Ferreira avalia em entrevista ao O POPULAR que o Brasil ainda está bem posicionado no mercado global mesmo com a volatilidade característica da proximidade das eleições. Com o cenário de guerra e inflação em alta, ele explica que há setores que vão melhor na bolsa e indica como os investidores podem se proteger diante dos desafios que a economia impõe. Ferreira participou nesta terça-feira (26) da inauguração de escritório da Blue 3 em Goiânia. Ele foi analista de ações de empresas do setor de consumo, agronegócios, mineração, siderurgia e estratégia no Bank of America Merrill Lynch. Sua última posição antes da XP foi em Londres, cobrindo o setor de Consumo e Bebidas na Europa. Ele foi considerado um dos melhores analistas de ações do mundo pela revista Institutional Investor por vários anos seguidos. - Vivemos incertezas com guerra na Ucrânia, eleições no Brasil e inflação global. Você acredita que fatores internos pesam mais para o mercado brasileiro?A gente vê o Brasil super bem posicionado no ambiente global, ele tem várias características que o mundo quer. Ser um grande produtor de commodities é uma característica que o investidor global inclusive está buscando. O cenário global é mais turbulento, porque você tem não só a questão da guerra, mas a política de “zero Covid” na China, que tem impactado bastante as cadeias de suprimento e até a economia mesmo com várias cidades fechadas, com lockdown. Você tem a questão da inflação muito alta no mundo e os bancos centrais elevando as taxas de juros para controlar.- Era esperado um 2022 com mercado mais volátil?Já esperávamos mesmo que 2022 fosse um ano mais volátil. Vindo para o Brasil, a gente tem até falado que é a bola da vez entre os emergentes, porque não está em conflito, tem grande produção de alimentos, de commodities metálicas, que o mundo vai precisar no cenário atual. Enxergamos os ativos brasileiros de maneira geral, bolsa e a renda fixa como baratos e, por isso, a gente vê que mesmo no cenário turbulento lá fora a bolsa brasileira vai bem. Este ano, atraiu mais de R$ 60 bilhões de fluxo de investidores estrangeiros e o Brasil está bem posicionado no ambiente global. - As eleições podem impactar neste otimismo em relação ao Brasil? O otimismo pode se manter, porque as eleições, na cabeça do investidor, serão um evento que pode trazer volatilidade para o mercado, mas eles não estão com impressão de ruptura ou quebra forte de rumo para o País. Eu estive nos Estados Unidos recentemente com investidores e foi a impressão que tive. Eles têm a visão de que pode trazer volatilidade, mas não necessariamente os rumos vão mudar, se sentiam confortáveis de comprar no Brasil mesmo com as eleições no segundo semestre. Quando a gente olha historicamente, desde a eleição do Collor, de fato os ativos brasileiros tendem a ficar mais voláteis nos três meses que antecedem as eleições. Para preços de ativos, anos de eleições não são anos ruins necessariamente. - Há setores da bolsa com melhores perspectivas?A gente enxerga hoje que tem quase duas bolsas no Brasil. Por um lado, tem a bolsa das empresas maiores, mais líquidas, que vão bem, as chamadas blue chips, os grandes bancos, Petrobras, Vale, o setor elétrico que é mais protegido da inflação, que performaram bem no ano. Por outro lado, setores mais ligados à economia doméstica, setores do varejo, principalmente varejo eletrônico, algumas empresas do setor de tecnologia, algumas small caps, empresas de menor participação, estão indo muito mal. Então, a gente está vendo esta dicotomia grande de performance na bolsa. - O que leva a isso?Isso tem a ver com o cenário de juros em alta, que tende a impactar setores mais sensíveis como o varejo, que tem ido pior. Tem também o setor imobiliário, que também está sofrendo com este cenário de alta de juros e a economia doméstica indo mal. O grande debate hoje no mercado é se o investidor não deveria migrar de setores e olhar para os que ficaram para trás em detrimento desses outros setores que estão indo bem, das commodities, bancos e setor elétrico. Por preço começa a fazer sentido olhar para esses setores que ficaram mais para trás, mas por fundamento ainda parece cedo. Porque os fundamentos das commodities continuam super positivos, o Banco Central continua subindo juros, o cenário doméstico continua desafiador. - Desde o pós-crise de 2008, você acredita no cenário onde os Bancos Centrais se tornaram quase que os “super heróis” dos mercados. Qual o cenário percebe agora com o pós-pandemia? Vivemos um novo regime. Antes, vivemos em liquidez irrestrita e juros muito baixos e até negativos, que provavelmente vai demorar a voltar. O cenário de muito estímulo, nos últimos anos, fez com que a inflação voltasse no mundo todo e é algo muito preocupante principalmente para população de mais baixa renda. Então, agora, os governos e Bancos Centrais não conseguem mais estimular tanto a economia como fizeram nos últimos anos. Eles se sentiam bem confiantes em imprimir dinheiro novo, em dar estímulos muito fortes. A inflação era inexistente no mundo desenvolvido, não se via em 40 anos. Vivemos um cenário de inflação de 8% nos Estados Unidos, na Europa e mais de 10% no Brasil. Os Bancos Centrais estão tirando o pé do acelerador e não são mais aquela força que ajuda os mercados em tempos ruins.- Como fica o controle da inflação? Desde o pós-crise 2008, toda vez que teve alguma crise ela foi resolvida da mesma forma, que era via mais estímulos, mais emissão de dívidas, juros mais baixos, mas era um cenário que não existia inflação. Agora, o que a gente vê é que tem fatores de curto prazo impactando a inflação, preço de commodities, que são fatores mais conjunturais, e tem fatores estruturais também. Eu diria que a questão da globalização, outros países voltando a produzir mais internamente e se preocupando mais com essas questões de segurança energética, deve fazer com que a inflação permaneça mais alta por mais tempo. Por isso que a gente enxerga que o ambiente inflacionário deve desacelerar, sim, mas provavelmente vamos enxergar uma inflação mais alta por mais tempo. Isso significa que os Bancos Centrais não vão conseguir dar o mesmo nível de estímulos que deram para a economia global nos últimos 15 anos. - A guerra impacta? O recuo provavelmente aconteceria mais rápido se não fosse o conflito entre Rússia e Ucrânia, que fez com que o preço do petróleo, por exemplo, que já tinha subido 50% no ano passado, subisse 50% este ano. O preço do trigo também subiu 50% este ano, o preço do gás natural subiu mais de 100%, então várias commodities subiram muito mais de preço pelo início do conflito e isso vai acelerar ainda mais a inflação. Não fosse isso, a inflação começaria a dar sinais mais cedo. - Como o investidor pode se proteger neste cenário? A melhor forma de se proteger são os ativos reais, que são protegidos da inflação. Ações de boas empresas, que são líderes de mercado, boas pagadoras de dividendos, que conseguem repassar a inflação para os seus preços. Além de imóveis e terras, fundos imobiliários e toda a parte de setor imobiliário que consegue se proteger da alta da inflação. Em terceiro lugar, as commodities, que ajudam a proteger o investidor dessa alta da inflação global, uma classe interessante. Por último, a renda fixa, especialmente atrelada à inflação, o IPCA+ ou os títulos pós-fixados. Esses são os que mais ajudam o investidor a se proteger. -Em Goiás, vimos diversas empresas do agronegócio entrando para bolsa. Um movimento que perdeu força. Você acredita que esse setor deve voltar a fazer ofertas de suas ações? A gente enxerga um cenário favorável ao agro, um setor muito relevante, representa 25% do PIB e vem sendo o grande motor da economia brasileira nas últimas décadas. Esperamos que esse cenário continue. Achamos que o mundo vai ficar cada vez mais dependente do Brasil nesse fornecimento de proteínas e grãos. E o agro é muito pouco representado na bolsa, mesmo com a abertura de capital de várias empresas recentes, como a Jalles Machado aqui do Estado. Vemos um caminho longo pela frente de mais abertura de capital do setor. No curto prazo, o mercado está mais difícil para ofertas e não vimos IPOs sendo precificados no Brasil e lá fora também. Nos Estados Unidos, as ofertas caíram mais de 80% em relação ao mesmo período do ano passado. Por conta do cenário macro mais desafiador, que deixa o investidor mais arisco. No médio e longo prazo, não temos dúvidas de que o agro ainda tem um caminho longo pela frente para ser representado na bolsa brasileira. Leia também: - Goiás chama atenção em mercado de investimentos- Goianos investem mais na Bolsa