Manter um carro ficou ainda mais difícil em 2021. Desde a aquisição até a manutenção de um veículo, muitos itens subiram de preço e ficaram em níveis superiores ao da inflação geral. Em Goiás, o etanol, por exemplo, subiu seis vezes mais do que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no acumulado do ano, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) até novembro. Alcançou variação de 59,92% em Goiânia.Segundo o pesquisador e economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Matheus Peçanha, a inflação que impacta o motorista pode ser explicada por uma tempestade perfeita que ocorreu no mercado de automóveis no ano passado. Além do principal vilão, os combustíveis, peças e insumos tecnológicos tiveram elevação acima da média, o que influencia o preço desde veículos novos até o valor dos consertos.“Goiás e o Brasil inteiro sofreram muito por diversos fatores. No caso dos combustíveis fósseis, tivemos um aumento grande do câmbio e boa parte do refino desses combustíveis é suprida por importação”, pontua ao citar também o aumento do barril de petróleo no mercado internacional. “O etanol (hidratado) não ajudou, não é um combustível fóssil, mas tivemos problemas climáticos muito severos de seca, geada, que afetaram o preço da cana bem como o de outras culturas, soja, milho, algodão”, acrescenta.O biocombustível foi o que mais elevou de preço no ano entre todos os itens pesquisados pelo IBGE. Sobre isso, o presidente do Sindicato da Indústria de Fabricação de Etanol do Estado de Goiás (Sifaeg), André Rocha, explica que houve uma redução da oferta em todo o País, resultado de safra que começou atrasada por questão de seca e terminou mais cedo pela mesma razão. “Tivemos ainda prejuízo das geadas e incêndios criminosos.”A estimativa, até o início de dezembro, era de que a safra fosse 10% menor do que o esperado. Com isso, reduziu também a quantidade dos produtos derivados da cana-de-açúcar e alterou o mix. “Tivemos produção maior de etanol anidro, por exemplo, mesmo com preço da gasolina muito alto, mas o consumo este ano foi maior do que no ano passado e tivemos de produzir mais, em média 15% no Brasil para atender o mercado. Quem paga é o hidratado”, diz André.Somente a partir de outubro e novembro, com o consumo de etanol hidratado menor, é que os preços começaram a cair em Goiás. O valor alto fez os motoristas repensarem a preferência, o que levou a esse cenário de baixa mesmo com a entrada da entressafra que costuma aumentar e não reduzir o valor.Por outro lado, o patamar ainda é alto e o presidente do Sifaeg explica que como commodity um maior recuo só ocorreria com aumento da produção de cana e de milho. “Hoje não tem política pública para isso, perdemos oportunidade de expandir”, pontua ao citar a carga tributária e aumentos de custos no campo.Nos postos, a escalada da gasolina assustou, um aumento que chegou a 49,17% só de janeiro a novembro no acumulado. Ao ultrapassar os R$ 7 o litro, o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Goiás (Sindiposto), Márcio Andrade, afirma que em 30 anos no segmento nunca havia vivenciado uma situação semelhante com valores tão altos.“Já ocorreu de o petróleo ter o preço mais alto, mas nunca chegou a um reflexo desse no bolso dos consumidores. O que fez todo mundo se adaptar, inclusive os donos de postos, que tiveram de repensar a forma de comercializar, dar mais alternativas e proteger o capital de giro”, compartilha Márcio. Um dos efeitos disso foi o repasse constante, assim que os aumentos ocorreram.O cenário previsto para 2022 ainda é de custo alto para quem tem carro. “A perspectiva para os combustíveis é muito ruim. A gente vai entrar em ano eleitoral, onde o câmbio vai continuar pressionado por motivos políticos, fora a nova variante ômicron”, diz Matheus Peçanha, do FGV Ibre, ao citar que aumentos serão menores que os de 2021.Preços de consertos e peças subiram 12,21%Quem possui veículo próprio precisou gastar mais em 2021. Além do preço dos combustíveis, os consertos e peças subiram de preço. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de janeiro a novembro, as manutenções ficaram com valores 12,21% maiores. Entre os destaques dessa elevação de itens básicos e necessários está o pneu, que subiu 34,93%.Isso mudou a rotina de muitos motoristas, com reflexos percebidos pelas oficinas mecânicas. “Em 41 anos de trabalho, nunca vi algo parecido, tudo aumentou e tive de repassar. Pesou do óleo, pneu, peças até a mão de obra”, relata o proprietário da Auto Mecânica Joel, Joel de Paula Cardoso. Com a reação dos clientes, ele resolveu não trabalhar mais com pneus. “Teve alta expressiva e tive de parar. Antes, comprava porque o cliente deixava o carro para revisão e trocava aqui mesmo, hoje não faço mais.”Ele pontua que há uma falta de saída e as alternativas que muitos recorrem, como pneus usados ou mesmo sem procedência, levam à riscos. “O que indiquei para os meus clientes foi aproveitar a Black Friday. Foi assim que muitos trocaram os pneus.” Já as peças, que aumentaram em média 7,76%, foi necessário subir os valores e alguns itens ele explica que ficaram em falta, como vela, cabo de vela e pastilhas.“Este ano (2021) foi pior que o passado. Porque durante a pandemia a gente nem abriu. Quando voltamos foi dessa forma, com aumentos e os clientes reclamam bastante desse cenário.” Apesar disso, o empresário relata o aumento do número de carros usados atendidos, reflexo do que ocorreu no segmento, já que a produção de veículos novos foi impactada e houve escassez.Como resultado, a demanda por consertos cresceu. “O que tenho feito é promoção quando é possível e aumentei o número de parcelas. Não perco o cliente e tenho rotatividade. Antes, aceitava pagamento apenas à vista. Se a gente não se adequar, joga o trabalho de décadas fora.”Já do lado dos automóveis novos, a espera aumentou nas concessionárias e ficou 13,66% mais caro no acumulado do ano até novembro em Goiânia. “Tivemos crise de chips por conta de problema com Taiwan, que impactou tudo que era insumo mais tecnológico, a produção de veículos novos e das peças e acessórios para o mercado de segunda mão”, afirma o pesquisador e economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Matheus Peçanha.Sem componentes para fazer frente à linha de produção, o pesquisador ressalta que há a quebra na cadeia com as consequências em várias áreas. “Os pátios ficaram vazios, porque não tinha carro novo. Obviamente, com pouco carro novo o preço dele explode. E com o preço do carro novo elevando rapidamente a demanda se voltou aos carros usados. Com a demanda maior do que o normal por usados e semi-novos, eles também subiram de preço. Tivemos uma confluência de fatores que favoreceu o aumento de preços tanto de veículos quanto dos seus satélites como combustíveis, óleo e peças para reposição.” -Imagem (1.2379998)-Imagem (1.2380004)