A economia brasileira recuou 0,1% no terceiro trimestre de 2021, frente aos três meses imediatamente anteriores, segundo dados do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados nesta quinta-feira (2º) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).O número veio um pouco abaixo das expectativas do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam variação nula (0%).Esta é a segunda baixa consecutiva do indicador, o que renova os sinais de estagnação da atividade econômica. No segundo trimestre, a queda do PIB foi revisada de 0,1% para 0,4%.O IBGE e economistas ouvidos pela reportagem afirmam que duas quedas consecutivas não configuram necessariamente uma recessão, conceito que tecnicamente depende da análise de outros indicadores.O desempenho fraco ocorre em um contexto de escalada da inflação, juros mais altos e fragilidades no mercado de trabalho, que dificultam a recuperação da atividade econômica.O PIB está 0,1% abaixo do patamar registrado no fim de 2019, período pré-pandemia, e 3,4% abaixo do ponto mais alto da série histórica, o primeiro trimestre de 2014.Mesmo com a alta de 1,1% no setor de serviços, que responde por cerca de 70% do PIB nacional, o resultado do terceiro trimestre foi puxado para baixo pela queda de 8% na agropecuária. É a maior redução desde o primeiro trimestre de 2012, quando houve tombo de 19,6%.A forte retração nesse setor reflete o fim da safra de soja, que também impactou as exportações e os estoques. A colheita é mais concentrada nos dois primeiros trimestres do ano. Também houve efeito do clima adverso, que prejudicou o plantio e a produtividade em vários segmentos do agronegócio brasileiro em 2021.O IBGE destacou que o avanço dos serviços foi puxado pelo ramo de outras atividades (4,4%), que contempla uma série de negócios voltados ao atendimento das famílias. Fazem parte dessa lista serviços de alimentação, salões de beleza, academias de ginástica, cinemas e galerias de arte, entre outros.Apesar da melhora, no embalo da imunização, o ramo de outras atividades de serviços ainda está abaixo do patamar pré-pandemia. Encontra-se em nível 3,8% inferior ao verificado no quarto trimestre de 2019.A indústria, por sua vez, ficou estagnada (0%). Segundo o IBGE, as fábricas sentem o encarecimento de insumos na pandemia e os efeitos da crise energética, que eleva os custos de produção."É um cenário muito ruim, de estagnação. Perdemos fôlego de forma muito rápida na saída da pandemia", afirma a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).O economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale, tem opinião semelhante."Com a vacinação e a reabertura da economia, setores como o de serviços poderiam estar crescendo mais. Mas há o impacto da inflação alta, que atinge comércio e serviços. Sem contar que a indústria segue afetada pela falta de insumos", diz."A agropecuária teve impacto no resultado do terceiro trimestre, mas não pode ser culpada sozinha. Há um conjunto de fatores que explicam a fraqueza da economia brasileira."Em relação ao terceiro trimestre de 2020, o PIB cresceu 4%. Em 12 meses, a alta foi de 3,9%. Já no acumulado deste ano, até setembro, o indicador avançou 5,7%.Em um grupo de 30 países com dados disponíveis para o período, a queda de 0,1% na comparação trimestral está entre os quatro piores para o período, pouco acima de México, Indonésia e Japão. Considerando o período desde o início da pandemia, está entre os 12 que não voltaram ao patamar pré-crise.O IBGE também mostrou que o consumo das famílias cresceu 0,9% no terceiro trimestre de 2021, em relação aos três meses anteriores, após queda de 0,2% no trimestre anterior. O consumo do governo cresceu 0,8% no mesmo período."Houve uma certa migração do consumo das famílias de bens para serviços, e os serviços têm muito peso na economia e no consumo. Desde alimentação até alojamento, transporte, saúde mercantil, toda a parte de recreação etc.", afirma a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.Os investimentos produtivos na economia brasileira, medidos pelo indicador FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), caíram 0,1% no trimestre, segunda queda consecutiva, depois de uma recuperação em 2020 –na comparação anual, cresceu quase 20%.Outro fator que puxou o PIB para baixo foi o setor externo. As exportações recuaram 9,8% entre julho e setembro, enquanto as importações tiveram queda de 8,3% no trimestre. As vendas para o exterior também refletiram a questão da agropecuária.O pesquisador Felippe Serigati, do centro de estudos FGV Agro, chama atenção para o impacto do clima no desempenho do setor. "Isso pegou trigo, milho, café e hortaliças, por exemplo."Segundo o especialista, o cenário para a agropecuária tende a ser mais positivo em 2022, a partir de melhores condições climáticas. Por outro lado, o pesquisador relata que o setor deve seguir pressionado por questões como a alta dos preços de parte dos insumos. Entre eles, estão adubos e fertilizantes."Os mapas meteorológicos são mais favoráveis para 2022, mas é óbvio que isso pode mudar. Não estamos totalmente tranquilos. Também temos dificuldades de acesso a algumas mercadorias, como fertilizantes", aponta.Projeções sinalizam que o PIB brasileiro deve fechar o ano de 2021 com crescimento entre 4,5% e 5%, associado em grande parte à base de comparação deprimida -em 2020, a pandemia causou forte queda do indicador, que foi revisado de -4,1% para -3,9%.Analistas avaliam que, diante dos recentes sinais de fraqueza da economia, o cenário ficou mais complicado para 2022, ano de eleições.RECESSÃOApesar de a economia brasileira ter registrado dois trimestres seguidos de retração, ainda não é possível ter certeza de que o país está em recessão. Não há uma definição oficial sobre o que caracteriza uma recessão. Embora alguns economistas utilizem a métrica de que esse é o período marcado por dois trimestres seguidos de queda na atividade, a maior parte dos institutos considera uma análise mais ampla de dados.A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, afirmou nesta quinta-feira (2) que o instituto evita chamar variações de -0,5% a 0,5% do PIB de queda ou crescimento. "É uma variação pequena [a queda de 0,1% do terceiro trimestre] que para a gente é uma estabilidade."Ela disse que a definição de dois trimestres de queda do PIB como recessão não faz muito sentido do ponto de vista estatístico, nem é um conceito utilizado em outros países.No Brasil, destaca-se a análise feita pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), órgão ligado ao Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e formado por oito economistas de diversas instituições.Em junho do ano passado, o comitê definiu que o Brasil entrou em recessão no primeiro trimestre de 2020, encerrando um ciclo de fraco crescimento de três anos (2017-2019).João Victor Issler, professor da FGV EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV) e membro do Codace, afirma que a instituição ainda não definiu se esse processo se encerrou ou se o país vive um período continuado com idas e vindas dentro de um mesmo episódio recessivo.Ele diz que o comitê segue o padrão internacional, estabelecido desde o início do século 20 pelo órgão que faz esse trabalho nos EUA, que destaca quatro categorias de séries econômicas (produção industrial, emprego, vendas e rendas) entre os dados analisados."A gente se preocupa em datar com certa distância dos fatos. Não é objetivo do comitê prever nem tentar explicar o presente", afirma. "É muito cedo ainda para caracterizar recessão ou estagnação."Na opinião do economista Fernando Veloso, pesquisador do Ibre/FGV e membro do Codace, os dois trimestres consecutivos de PIB negativo e próximo de zero sugerem uma economia estagnada."O resultado é, sem dúvida, bastante negativo. O PIB está próximo do patamar do final de 2019. É insuficiente diante de tudo que aconteceu depois, na pandemia", analisa.Segundo o boletim Focus, divulgado pelo BC (Banco Central), o mercado financeiro projeta avanço de 4,78% no PIB de 2021. A estimativa vem sendo revisada para baixo nas últimas semanas. Em 2022, a alta deve ser reduzida para 0,58%, conforme a publicação. Já há instituições financeiras que preveem retração na atividade no próximo ano.A piora das expectativas econômicas vem no embalo da pressão inflacionária, que reduz o poder de compra dos consumidores, e do aumento das incertezas na área fiscal.As dúvidas de analistas sobre o rumo das contas públicas cresceram após o governo federal colocar em xeque o teto de gastos para pagar o Auxílio Brasil, o substituto do Bolsa Família.CÁLCULO DO PIBProdutos, serviços, aluguéis, serviços públicos, impostos e até contrabando. Esses são alguns dos componentes do PIB (Produto Interno Bruto), calculado pelo IBGE, de acordo com padrões internacionais. O objetivo é medir a produção de bens e serviços no país em determinado período.O indicador mostra quem produz, quem consome e a renda gerada a partir dessa produção. O crescimento do PIB (descontada a inflação) é usualmente chamado de crescimento econômico.O levantamento é apresentado pela ótica da oferta (o que é produzido) e da demanda (como esses produtos e serviços são consumidos). O PIB trimestral é divulgado cerca de 60 dias após o fim do período em questão.