O reaproveitamento de materiais recicláveis pode perder seu diferencial competitivo no mercado brasileiro. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que altera a chamada “Lei do Bem”, determina que as empresas recicladoras voltem a pagar 9,25% de PIS e Cofins nas vendas para as indústrias, além de serem obrigadas a pagar o imposto retroativo aos últimos cinco anos. O setor alega que a medida pode desestimular a reciclagem, levar empresas à falência ou sonegação, pois, segundo dizem, o lucro real não chega aos 10%, além de reduzir o valor da sucata no mercado, gerar desemprego na cadeia e até problemas ambientais.Dados da Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) indicam que 25 mil toneladas de resíduos deixam de ir para o aterro sanitário e a natureza todos os anos, recebendo destinação correta. O Programa Goiânia Coleta Seletiva (PGCS) da Comurg recolhe cerca de duas mil toneladas de material por mês, que são destinados a 13 cooperativas. O reaproveitamento de materiais recicláveis só deslanchou no Brasil depois de 2005, quando a Lei 11.196 (Lei do Bem) isentou as empresas de reciclagem do PIS e Cofins.Os catadores e cooperativas, que são informais e não possuem estrutura para separação e processamento, vendem o material que recolhem para pequenos depósitos que os repassam para empresas processadoras. Estas, por sua vez, organizam e repassam para as indústrias transformadoras. Para o vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Reciclagem e Gerenciamento de Resíduos (Asciclo) e proprietário da Reciclar Materiais Recicláveis, Romar Martins Pereira, se a decisão do STF se confirmar, deixará as empresas do segmento numa situação muito difícil. Seu impacto deve afetar toda a cadeia, pois as empresas terão que repassar a tributação para os preços dos materiais, que serão reduzidos, desmotivando toda a cadeia. “É insustentável sobreviver com uma carga desta diante de um lucro que não chega aos 10%. Os catadores e os pequenos depósitos serão prejudicados porque os preços dos reciclados e seus ganhos serão reduzidos”, alerta o empresário. Quem emite as notas são as empresas processadoras, que não usufruem de crédito tributário e vendem para as indústrias. Romar Martins explica que as processadoras precisam fazer investimentos pesados e fornecer capital de giro para os pequenos depósitos adquirirem o material de catadores. Porém, elas recebem das indústrias em longos prazos. Só a Reciclar processa 2 mil toneladas mensais de metais ferrosos e 1,1 mil toneladas de metais não ferrosos, gerando 80 empregos diretos e, pelo menos, 240 indiretos. Hoje, Goiânia é a quarta capital brasileira que mais recicla. O diretor comercial da Copel Recicláveis, Fabrício de Freitas Domingos, também acredita que a volta da tributação irá impactar toda a cadeia da reciclagem, do catador à indústria.Segundo ele, o setor está se mobilizando para mensurar o real impacto financeiro da medida. “Mas um imposto de quase 10% praticamente consumirá os ganhos de uma atividade que deveria ser desonerada para incentivar a reciclagem no País”, diz.QuiloEle explica que toda a matéria-prima é remunerada pelo preço por quilo e que o peso da carga tributária tende a pressionar o valor da sucata no mercado. “A reciclagem já vive seu pior momento de mercado com o excesso da oferta e queda nos preços. Com a volta da cobrança de PIS e Cofins, os valores devem cair ainda mais”, prevê. Com a tributação, a sucata perde competitividade e o índice de reaproveitamento de resíduos tende a diminuir, o contrário do que prevê o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Outro impacto é o social. Fabrício Domingos lembra que, no Brasil, a atividade de reciclagem ainda é movida pelas diferenças sociais, sendo alternativa de renda para as famílias mais carentes. Somente a Copel, que processa 7 mil toneladas mensais de resíduos em suas três unidades, emprega mais de 150 pessoas diretamente e outras milhares de forma indireta.Materiais reciclados devem perder competitividadeSe as empresas de reciclagem tiverem de repassar os quase 10% de aumento do PIS e Cofins para o valor do material reciclado para as indústrias, o preço do produto perde competitividade para matéria-prima virgem, o que tende a desestimular a reciclagem.O presidente do Instituto Nacional das Empresas de Sucata de Ferro e Aço (Inesfa), Clineu Alvarenga, alerta que a decisão do STF poderá resultar em graves prejuízos a um dos setores que mais têm contribuído para recolhimento e reciclagem de materiais descartados, reduzindo a poluição ambiental, preservando recursos naturais e movimentando a economia do País.Para o advogado Rodrigo Petry, especialista em direito tributário e sócio da Almeida Advogados, que representa entidades representativas do setor de reciclagem, o STF não entende as consequências práticas do pagamento de mais dois impostos para todo o mercado da reciclagem.A Lei do Bem possui dois artigos, o 47 e o 48, que tratam da tributação da sucata. O artigo 48 trata da tributação da sucata, isentando o PIS e Cofins. O advogado explica que tudo começou ainda em 2005, quando uma indústria entrou com uma ação de inconstitucionalidade do artigo 47, que vedava o crédito do PIS e Cofins.Apesar de o artigo 48 não ter sido questionado, quando o STF foi julgar a ação, o ministro Gilmar Mendes entendeu que os dois artigos eram indissociáveis e declarou ambos inconstitucionais por arrastamento e a decisão foi referendada pela maioria dos ministros em 2021.Entidades do setor entraram com recurso de embargos de declaração na tentativa de reverter o posicionamento dos ministros e aguardam o julgamento.Rodrigo Petry informa que as empresas tentam mostrar aos ministros os impactos sociais e ambientais desta decisão, que afetará não apenas as processadoras e indústrias, mas toda a cadeia de reciclagem formada por catadores e cooperativas.Ele lembra que as empresas processadoras, que compram a sucata, fazem a separação e a deixam no formato ideal para sua transformação em novos produtos pelas indústrias, é que contam com o isenção do imposto. “O novo tributo vai exercer uma pressão sobre os preços no elo anterior da cadeia, os catadores, que receberão menos pelo material recolhido”, reforça.Segundo o advogado, com a cobrança do PIS e Cofins, o material reciclado terá o mesmo tratamento tributário recebido pelas empresas que utilizam matérias-primas extraídas da natureza. “Não haverá mais incentivo significativo para o uso de materiais recicláveis”, alerta.O comércio atacadista de sucatas metálicas reúne mais de 5,5 mil empresas no País, a maioria pequenas e médias. Além dos empregos indiretos, o setor gera mais de 42 mil empregos diretos, segundo o Caged, do IBGE.De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, Goiânia é a quarta capital brasileira no ranking de reciclagem, com 4,02% de reaproveitamento.