Na história das Copas do Mundo, que começou em 1930, cada edição costuma ter sua marca e ficar na memória dos apaixonados pelo esporte. A Copa da Coreia do Sul e Japão marcou por ineditismos, mas especialmente por consagrar a seleção brasileira como a primeira pentacampeã mundial. Em uma campanha perfeita, o Brasil chegou à taça levado pela união do grupo e pelo talento de um trio poderoso de ataque.Para o jornalista e professor universitário Celso Unzelte, que também se destaca pela historiografia do futebol, a Copa de 2002 ficou marcada pelas quedas precoces de seleções favoritas, tanto que Turquia e Coreia do Sul chegaram à fase semifinal da competição.“O fato de os favoritos irem caindo como moscas, já a partir da fase de grupos: França e Argentina (os dois principais), depois Itália, Espanha... Acabou sobrando para Brasil e Alemanha fazerem a final. Do ponto de vista brasileiro, foi marcante principalmente a ressurreição de Ronaldo, o Fenômeno. Uma verdadeira ‘jornada do herói’”, comentou Unzelte.Leia também- Há 20 anos, toque goiano no caminho do penta- Brasil celebra 20 anos do penta enquanto Felipão ensaia renascimentoPara Lycio Vellozo Ribas, jornalista e autor de “O Livro de Ouro das Copas”, a de 2002 ficou marcada por aspectos geográficos e tecnológicos. “Primeiro de tudo, o fato de ter sido a primeira fora do eixo Europa-Américas. Foi a primeira com dois países-sede diferentes. E também por ter sido a primeira Copa com alta tecnologia na construção dos estádios. Eram todos novos”, pontuou o jornalista.“Tinha estádio em que o gramado saía para tomar sol, estádio com proteção contra terremoto, contra ventos, com shopping center dentro. Foram 20 cidades e 20 estádios (10 no Japão e 10 na Coreia), um recorde”, lembrou Lycio Vellozo Ribas.Devido ao fuso horário de 12 horas a mais em relação ao Brasil, a Copa do Mundo também foi diferente para o torcedor brasileiro. Os jogos eram realizados no meio da madrugada ou início das manhãs, no horário de Brasília. O jeito de torcer e até mesmo as rotinas nas redações de jornais mudaram.“Aqui no Brasil, o calendário de jogos mudou a rotina do torcedor porque alguns eram de madrugada. Tinha gente que varava a madrugada para ver a Copa. Em vez de cerveja e churrasco, tinha café, pão, leite, sucrilhos e pão de queijo para acompanhar”, brincou Lycio Vellozo Ribas.Para o brasileiro, a Copa do Mundo na Ásia ficará marcada para sempre pelo pentacampeonato. Para Celso Unzelte, a seleção brasileira reunia muitos talentos individuais, que ganharam coesão com a forma de Luiz Felipe Scolari gerir o grupo de 23 jogadores. “Antes de mais nada, grandes individualidades: Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos, Cafu. Todos juntos em um mesmo time. Mas também um espírito de equipe fora do comum para atingir um objetivo a curto prazo, aquilo que se convencionou chamar de ‘Família Scolari’”, destacou o professor.Lycio Vellozo Ribas também destacou a importância da “Família Scolari”, mas salientou que o mais importante é que existia o que ficou famoso na imprensa internacional como Triplo R, um trio de ataque formado por três jogadores geniais do Brasil. “Time desunido ou mal preparado não costuma ganhar Copa. Mas o principal fator é que havia três jogadores que haviam sido ou viriam a ser eleitos os melhores do mundo: Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo. Ainda tinha o Kaká, mas que, na época, era reserva. Todos jogaram bem e foram decisivos”, frisou.LEGADO DA COPACelso Unzelte destaca que a Copa de 2002 não foi um marco revolucionário para o esporte. Para ele, o Mundial foi mais importante pela conquista em si. “Sinceramente, não (deixou legado). Nenhuma evolução tática, como no Brasil de 1958, ou técnica, como no Brasil de 70. Valeu muito para nós, brasileiros, pelo penta. Mas do ponto de vista do mundo acrescentou muito pouco”, salientou.A Copa do Mundo da Coreia do Sul e Japão foi marcada por um nível muito ruim de arbitragem. Erros sucessivos em partidas importantes fez com que muitas torcidas ficassem na bronca. Para Lycio Vellozo Ribas, se algo pode ficar sinalizado como legado é uma maior preocupação com o apito para as competições futuras.“A partir de 2002, a questão da arbitragem passou a ser uma preocupação global, porque o número de árbitros despreparados e o número de erros foi gritante. O Brasil mesmo foi beneficiado diante da Turquia, na fase de grupos, com um pênalti em que a falta ocorreu fora da área, e contra a Bélgica, com a anulação polêmica de um gol do belga Wilmots”, recordou Lycio Vellozo Ribas.“A Argentina fez um gol com duas irregularidades no mesmo lance diante da Suécia. A Itália teve dois gols anulados contra a Croácia que são difíceis de explicar. A Coreia do Sul foi amplamente beneficiada diante da Itália e principalmente diante da Espanha. Nunca teria chegado à semifinal sem essa ajuda enorme. O árbitro de Coreia do Sul x Itália, Byron Moreno, chegou a ser suspenso na Liga Equatoriana e depois chegou a ser preso por tráfico”, completou Ribas, que lançou edição atualizada do Livro de Ouro das Copas já com tudo sobre a Copa do Mundo da Rússia, o futebol na pandemia e mais uma ausência da Itália, desta vez na Copa do Mundo do Catar.DESAFIO DE ENCERRAR JEJUMApós a conquista do penta, na Coreia do Sul e Japão, a seleção brasileira chegou ao Mundial seguinte com grande favoritismo para conquistar o hexa, mas a equipe naufragou e passou a enxergar que voltar a levantar a taça do mundo não seria tarefa tão simples.A equipe canarinho caiu duas vezes seguidas nas quartas de final, em 2006 e 2010, sofreu a maior goleada de sua história, por 7 a 1, para a Alemanha, como anfitriã, em 2014, e voltou a parar na barreira das quartas de final, ao cair para a Bélgica, em 2018. Desta forma, o Brasil chega ao Catar com 20 anos de jejum, o que representa o segundo maior de sua história, desde que foi campeão pela primeira vez em 1958.Para Celso Unzelte, a seleção brasileira vive um momento até mais complicado do que aquele vivido entre o tricampeonato, no México, e o tetra nos Estados Unidos, separados por 24 anos. “Entre 74 e 94, estávamos nos acostumando com o fato de o resto do mundo ter aprendido a combater nossa técnica com tática e preparo físico. Agora o desafio é outro, e me parece ainda maior: o abismo entre o futebol praticado aqui e na Europa, principalmente pela questão econômica, mas que se reflete na seleção e na sua identificação cada vez menor com o torcedor brasileiro”, comentou o jornalista.Para Lycio Vellozo Ribas, existe um distanciamento grande entre a seleção e o público brasileiro e isso aumentou desde 2002. “Há muito desinteresse pela seleção, é fruto do distanciamento do time com o público. A seleção mesmo dificilmente faz amistosos no Brasil, não se aproxima do torcedor. Isso sem citar todos os escândalos que envolveram a CBF desde 2012. A semelhança é que hoje temos uma seleção relativamente desacreditada e pressionada, mas que é eficiente e que pode chegar longe, assim como aconteceu com a de 1994”, concluiu.-Imagem (1.2482253)