No mesmo ano em que o Brasil teve sua melhor campanha na história dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, entidades responsáveis por gerir esportes que contribuíram para essas performances enfrentam grave crise financeira e administrativa.Atualmente, cinco confederações olímpicas estão impedidas de receber recursos federais a que têm direito, arrecadados com as loterias e divididos pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil), por conta desses problemas: canoagem, esportes aquáticos, surfe, vela e basquete. Juntas, as quatro primeiras comemoram seis medalhas nas Olimpíadas de Tóquio.Se os problemas não afetam o alto rendimento imediatamente, refletem na formação de novos atletas e ampliam o histórico negativo da gestão esportiva no país.Em setembro, pouco depois de obter suas primeiras medalhas de ouro nas Olimpíadas e nas Paralimpíadas, a CBCa (Confederação Brasileira de Canoagem) anunciou o encerramento das atividades administrativas.Com dívidas consideradas impagáveis decorrentes de 14 execuções fiscais (uma auditoria calculou que o valor do passivo pode chegar a R$ 60 milhões) e uma ameaça iminente de bloqueio de suas contas, a entidade resolveu demitir todos os funcionários a tempo de garantir o pagamento das rescisões trabalhistas.A medida foi tomada pelo então presidente da confederação, Jonatan Maia. Ele havia assumido o cargo em março, dois meses após a morte de João Tomasini, que comandava a CBCa desde 1988 —um dos dirigentes mais longevos do esporte brasileiro.As dívidas causadas por impostos não recolhidos e que levaram ao encerramento das atividades têm origem nos anos 1990, quando as confederações podiam ter bingos registrados em seu nome para arrecadar recursos, ainda que a administração fosse de terceiros.O mesmo motivo já havia causado a falência da CBVM (Confederação Brasileira de Vela e Motor), recriada posteriormente com um novo CNPJ e o nome CBVela.Em julho, o COB (Comitê Olímpico do Brasil), que também passou a ser cobrado pela dívida da CBVM, conseguiu reduzir o passivo de R$ 240 milhões para R$ 72 milhões e fechou um acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para regularizá-lo em 145 parcelas.Dois meses após o anúncio de encerramento das atividades administrativas da CBCa, Jonatan Maia renunciou, e a entidade passou a ser administrada por Rafael Girotto."A confederação não parou, apenas teve uma redução nos gastos, enxugou despesas e fez um acerto com os funcionários para deixá-los assistidos. Estou mantendo reuniões com os credores para tentar uma negociação das dívidas", diz Girotto.Atualmente, quatro funcionários e dez voluntários tocam a CBCa. Sem patrocínios e acesso às verbas federais, a entidade depende do COB para intermediar a aplicação desses recursos em atividades esportivas. O dinheiro, porém, não pode ser usado para a manutenção administrativa."Se a CBCa não puder executar as atividades, o CPB [Comitê Paralímpico Brasileiro] e o COB podem executá-las diretamente, por se tratar da área fim. Ou seja, eles [atletas] não terão problemas para custeio de viagens ou nos centros de treinamentos", afirma Girotto.O centro de Lagoa Santa (MG), por exemplo, onde treina Isaquias Queiroz, já era custeado diretamente pelo comitê. "A principal preocupação é com o corpo técnico e também com a base, que necessita de apoio direto da confederação", completa o presidente.CAMPEÃ DE VERBAS NÃO TEM ACESSO DIRETO A ELASA CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos), responsável por cinco modalidades olímpicas (natação, águas abertas, nado artístico, saltos ornamentais e polo aquático) e três medalhas em Tóquio, será em 2022 a confederação com direito ao maior repasse da verba das loterias: mais R$ 9,5 milhões.Desde 2017, porém, esse dinheiro não pode chegar até os cofres da entidade, impedida de recebê-lo por conta de dívidas com o próprio comitê e o governo federal, em valores hoje próximos a R$ 12 milhões.Assim como a canoagem, a CBDA usa os recursos das loterias por intermédio do COB e por enquanto não vê riscos para o alto rendimento. "A entidade está totalmente falida, mas o dinheiro para o esporte aquático continua", resume Renato Cordani, vice-presidente desde 2019.As atuais dívidas foram geradas por problemas nas gestões de Coaracy Nunes (1989-2017), tirado do poder por decisão judicial e que morreu no ano passado, e Miguel Cagnoni (2017-2019), destituído em assembleia geral.Cagnoni publicou uma carta de renúncia pouco antes da votação que o afastou em definitivo do cargo. Ele disse que os problemas começaram em 2016 e que os recursos de sua gestão sempre foram insuficientes diante das despesas existentes.Segundo Cordani, as receitas no ciclo olímpico que antecedeu os Jogos do Rio giravam em torno de R$ 50 milhões anuais, incluso o patrocínio dos Correios, que não existe mais."[Hoje] temos renda absolutamente zero. A gente sobreviveu pedindo ajuda ao COB, que já avisou que não vai ajudar mais, então tem reserva para sobreviver até janeiro. Se passar para fevereiro e a gente não conseguir nenhum patrocínio, vai começar a atrasar salário, condomínio...", avisa o dirigente.A CBDA tem atualmente 8 funcionários CLT —em 2016, eram 75— e nenhum patrocínio, algo que o vice-presidente espera alterar em breve. "Depois de Tóquio mudou muito a percepção do mercado. Eu fiz mais de 20 entrevistas com empresas interessadas, algumas foram para frente, e a gente tem convicção de que algumas vão entrar", diz.No caso da CBSurf (Confederação Brasileira de Surf), com atuação distante dos principais surfistas do país e criticada pelo campeão olímpico Italo Ferreira, a crise não é só financeira.Atualmente, a entidade também não pode receber recursos públicos por problemas nas prestações de contas. Em 2021, conseguiu utilizar via COB R$ 1,4 milhão dos R$ 4,4 milhões a que teria direito das loterias, mas pode ficar sem os R$ 3 milhões que restam se não conseguir apresentar mais projetos esportivos ou regularizar sua situação até março de 2022."Temos uma estrutura pequena. Devido à pandemia, a gente ganhou algumas doações do COB e verba privada, e isso vem mantendo a confederação", afirma o presidente da entidade, Adalvo Argolo.Hoje, a CBSurf não tem empregados registrados. Além do presidente, possui um escritório de contabilidade contratado, um consultor jurídico e dois funcionários pagos pelo COB.Outro problema é a crise política. Presidente desde 2010, Argolo foi reeleito em dezembro de 2020, mas o pleito acabou contestado na Justiça, que determinou que uma nova eleição deveria ser feita —o que ainda não aconteceu.Procurado para comentar a situação das confederações, o COB diz estar atento e em contato para auxiliar quando possível: "No momento em que existe algum impedimento de repasse de verbas, o COB executa diretamente os projetos esportivos da modalidade que atendam ao planejamento estratégico da entidade, com o objetivo de não prejudicar a preparação de equipes e atletas".