Há quase dez anos no Goiás, o técnico Glauber Ramos recebeu a missão de comandar o Goiás na reta final da Série B e pode ficar ainda mais marcado na história do clube com o acesso à Série A, que pode ser conquistado na próxima segunda-feira (22). Leitor assíduo de livros, é conhecido por ser um técnico estudioso e está prestes a concluir a licença PRO da CBF. É da comissão permanente da equipe, foi técnico e auxiliar na base e iniciou o ano de 2021 no comando na campanha do rebaixamento na Série A. Em um papo com o POPULAR, o treinador de 47 anos falou sobre os desafios da temporada 2021, a mais agitada da carreira, colocar Alef Manga na reserva, o jogo decisivo contra o Guarani e o que está lendo.O que mais te preocupa no jogo do Guarani?Não diria preocupação, mas teremos de ter muita atenção contra a equipe do Guarani. Vem crescendo na reta final do campeonato, não esteve muito tempo no G4 e agora entrou. Temos de ter atenção nessa evolução deles. A torcida vai empurrar a equipe deles, vão estar motivados, mas terão de ter respeito com a nossa equipe. Estamos bem nessa reta final. O que temos é precaução aos movimentos ofensivos deles. Vamos estudar bastante para anular essa parte ofensiva deles e tentar surpreendê-los.O que não pode faltar no jogo do Goiás para o clube conquistar o acesso?O empenho que tivemos nas últimas partidas, desde o segundo tempo contra a Ponte Preta. Nós temos uma maneira de jogar, o que é bem característico das equipes que eu costumo comandar, de muita marcação, pegada e disposição. O que não pode faltar nessa final são disposição e vontade de vencer. É um jogo que pode nos colocar na Série A.Quais são os legados que o senhor mantém dos trabalhos dos técnicos Pintados e Marcelo Cabo?Do Pintado, é a marcação forte e transição ofensiva bem definida. É algo que ele deixou e eu mantenho na equipe por gostar também. O que Marcelo Cabo deixou foi a saída de bola, movimentação ofensiva com bola longa que surpreende o adversário e a pressão pós-perda. É algo que procurei aprimorar da maneira que eu gosto. Tenho aproveitado o melhor o que cada um deixou na equipe, ajustar com os atletas. Tenho aproveitado muito o que deixaram.Por escolhas da diretoria, o senhor vai terminar a Série B como técnico do Goiás. Quanto esse acesso pode te marcar?Como sempre acontece nas equipes aqui no Brasil, a mudança de treinador é cultural. Quando optei por essa profissão, sabia que isso poderia ocorrer a qualquer momento. Como funcionário do clube (Goiás), treinador da comissão permanente, sempre me preparei para, em qualquer momento, assumir esse tipo de posição. São treinadores bons, pessoas do bem, tanto o Pintado como o Marcelo Cabo. Tive a oportunidade de trabalhar com eles, observar e aprender. Neste momento que dirijo a equipe, vejo nada mais do que uma oportunidade que surgiu. Tenho de estar preparado, foi uma decisão da diretoria de manter a comissão da casa e (o acesso, se conquistado) vai nos marcar bastante. Sei o quanto é importante para o clube retornar à Série A. A comissão permanente está muito feliz porque o acesso pode nos marcar de forma positiva.Essa é a primeira vez que o senhor trabalha com a pressão de acesso. Como faz para se manter inteiro emocionalmente?A experiência de brigar para não cair na Série A (na temporada 2020) me amadureceu muito. Já tive experiência em time de Série B e Série D, mas comandar o Goiás na Série A me fez aprender emocionalmente. Não sou formado em psicologia, mas tenho cursos em psicologia do esporte que me ajudam a conversar com os atletas e também a me manter focado e mais consciente nas dificuldades no dia a dia sob pressão. Também acredito que a minha fé em Deus, em acreditar que nada sai do controle de Deus, é o que me mantém emocionalmente firme nos momentos difíceis. Sou bem consciente também nos momentos bons. Futebol não dá tempo de comemorar muito quando se vence nem sofrer muito quando se perde.Gerir o grupo nesta reta final foi o principal desafio, já que, em termos táticos e técnicos, pouco pôde ser alterado?A gestão do grupo é o maior desafio de todo treinador. Posso dizer que facilitou estar no clube desde o início da temporada, vi a contratação de cada jogador, quando todos chegaram. Converso com todos os atletas. A gestão não foi algo que tive problema. No momento que virei treinador, eles (jogadores) perceberam que não tivemos mudanças. Minha atitude com eles é a mesma de quando era auxiliar.Você comandou o Goiás na Série A, no Goiano e pode terminar o ano como treinador do acesso. O que mais te marcou nesta temporada?Foi a sequência de treinadores diferentes com que pude trabalhar. Tive um longo trabalho com o Augusto (César), entre idas e vindas foram quase 13 anos juntos. Trabalhei neste ano com o Pintado e Marcelo Cabo, mas também de dirigir a equipe sozinho com jogadores da base no Estadual. Meu crescimento profissional foi grande. As experiências que tive no passado com categorias de base, treinador de série D, B, vivenciei praticamente tudo isso em um ano da carreira. Tive jogos memoráveis e jogos ruins na Série A, Estadual, risco de não classificar no Goiano. Quase não caímos na Série A, agora temos a oportunidade de voltar. São momentos que não havia vivenciado. Agora, tenho experiência de sobra para superar momentos semelhantes no futuro, até habilidade maior para sair dos problemas.Hoje, o senhor se sente pronto para comandar uma equipe na Série A?Tive a oportunidade de trabalhar durante 20 jogos na Série A, a porcentagem (49,7%) mostra que tenho capacidade de trabalhar, sim. Trabalhar na Série B, agora na reta final, mostra para todos que tenho potencial. Para a diretoria, eu não precisava mostrar, porque, se eles me colocaram, é porque sabem do meu trabalho, que daria conta dessa missão. Tenho me preparado, sei que o momento certo vai acontecer para trabalhar na Série A.No início do ano, o senhor terminou de ler os livros “Guardiola Confidencial” e “Onze anéis: A alma do sucesso”. O senhor teve tempo de ler mais algum?Um livro que costumo ler sempre, é de cabeceira, é a Bíblia. Tenho até no celular. Li mais uma vez o livro “Liderança”, do Alex Ferguson. Ele mostra como lidou com a turma do Manchester United. Outro livro que concluí, li duas vezes já, é “Para um Futebol Jogado com Ideias”. Fala de treinamentos, avaliação de jogadores. É um livro do Israel Teoldo, com o José Guilherme e Júlio Garganta. O último livro que li, na verdade falta um capítulo antes de fazer essa entrevista, é “Os Degraus da Sabedoria Judaica”, fala muito do estudo da Bíblia. Mesmo com tudo, consegui ler alguns livros. Agora, vou terminar os trabalhos para concluir a licença PRO.Como estão os estudos na CBF?Costumo dizer que você precisa estar preparado para quando a oportunidade surgir. Tenho me preparado durante anos para abraçar a oportunidade quando surgir. O primeiro curso de treinador que fiz foi em 2000. De lá para cá, fiz inúmeros cursos, tenho uma graduação em Contabilidade e outra em Educação Física. Na CBF, fiz todas as licenças e vou concluir, no final do ano, a licença PRO. Sempre procurei trabalhar e estudar. Quanto mais você estuda, melhor profissional você se torna. Estudo parte tática, técnica, mas também psicologia e gestão de grupo. Fico até feliz quando falam que sou treinador estudioso, mas é a função de todo treinador. Tem muitos treinadores da nova geração que se preparam. Sei que estou nessa leva que acredita que o estudo pode melhorar tudo, inclusive o futebol.Após a Série B, já definiu para onde vai nas férias?Esses planos de férias, converso com minha família. Sou de Brasília, ainda não sei se vou para lá rever os parentes. Talvez eu vá para alguma praia, mas desligar do futebol eu não vou conseguir. A gente vai descansar, mas sempre de olho nas novidades, no que vai acontecer, porque o futebol está na minha vida há anos. Não dá para desligar. Vou descansar muito porque foi um ano difícil, pegado, tivemos muitas emoções.Uma das principais contratações do Goiás nesta temporada foi o Welliton. Por que ele não deslanchou?O Welliton é um profissional que tem um reconhecimento dentro do clube, fez muito pelo clube. Ele veio de um país (Emirados Árabes Unidos), há quatro temporadas que tem maneira diferente de jogar. No futebol brasileiro, são jogos contínuos, quase três jogos por semana e trabalho diferente do que ele estava fazendo lá. A adaptação é lenta. Ele tem tido oportunidade de jogar, é um atleta que nos ajuda bastante.Para 2022, com boa pré-temporada, caso ele permaneça, o Welliton pode render mais?O Welliton já está em processo de readaptação ao futebol brasileiro. Vai nos ajudar muito em 2022. Se vai permanecer ou não, fica a cargo da diretoria, mas o que ele tem apresentado no dia a dia é sinal que pode nos ajudar. Participando desde o início da pré-temporada, vai ficar bem adaptado.Outras contratações que chegaram com destaque foram Alef Manga e Bruno Mezenga. Um, o Alef, se encaixou muito bem, já o Bruno teve uma queda de rendimento. Por quê?O Goiás foi muito feliz em contratar os artilheiros dos dois principais campeonatos do país (Paulista e Carioca). O Alef se adaptou mais rápido por causa da maneira que o Goiás joga, de transição ofensiva muito em direção ao gol. O Alef é um atleta de velocidade, de contra-ataque. O Mezenga precisa que a equipe jogue em função dele, é um centroavante. Apesar de fazer bem um extremo, segundo atacante, é um finalizador. Para um finalizador, a equipe precisa jogar em função dele. Com o Pintado, a equipe jogava em função dele, por isso o rendimento era maior. Com a mudança de postura, acabou perdendo espaço, mas, sempre que entra, dá conta do recado. Vai nos ajudar na reta final.Como foi a definição, junto com a diretoria, para que o Alef Manga ficasse na reserva naquele jogo contra a Ponte Preta?Foi uma conversa minha com a diretoria, não para punir, mas para ele (Alef Manga) refletir sobre atitudes que estava tendo dentro do elenco. Mostrar para ele que realmente é uma peça importante para o Goiás, mas não a única ou maior que o clube. Como todos nós, o clube está acima e ninguém tem cadeira cativa. Depois daquele momento que ele ficou na reserva, voltou um pouco mais consciente nos treinamentos, se dedica muito mais e mudou atitudes que estava tendo perante a equipe. Acredito que foi apenas um momento para ele refletir. Deu certo. Depois, ele nos ajudou ainda mais com gols e atitudes em prol do grupo nos jogos e treinamentos.No Estadual, a diretoria optou por utilizar os garotos da base. O Goiás perdeu parte de uma geração de jogadores?Infelizmente, pela necessidade, alguns atletas não puderam jogar no Goiás. Quem teve oportunidade, foi de grande valia. Entraram no fogo, aprenderam muito e evoluíram. Passaram por momentos emocional, técnica e taticamente que demorariam anos para passar. Talvez não tenha sido bom para o clube porque alguns foram taxados pela torcida de não serem bons para jogar no Goiás. Em breve, teremos novos atletas, alguns já compõem o elenco do profissional, como o Iago Mendonça, o Daniel de Pauli e o (Miguel) Figueira, que têm potencial e, mais cedo ou tarde, vão dar frutos para o clube. A necessidade fez com que muitos atletas fossem lançados de uma vez. Obviamente, poderia não dar certo com todos, mas fez parte do processo de reconstrução do clube.