-Imagem (1.535809)Em Tatuí (SP), em 1993, foi bem descontraído, leve. Quando ele estava com a família, era o Béco. Eu o vi pilotando o helicóptero, onde estavam ele, lindo, o piloto e a Adriane (Galisteu). Foi a última cena.” - Elizabeth de Souza, goiana, amiga de infância de Ayrton Senna, sobre a última vez em que o viu, meses antes do acidente fatal"O que mais me recorda o Ayrton foi sua vitória no GP do Brasil de 1991. Mais ainda do que os três títulos que conquistou. Foi impressionante aquele final de corrida, em que ele não conseguia sair do carro de tão exausto, a galera invadiu a pista e o Ayrton mal conseguiu erguer o troféu no pódio.” - Felipe Massa, piloto de Fórmula 1Em Goiás, fosse na Ilha do Bananal, na Pousada do Rio Quente ou na fazenda em Dianópolis (hoje no Tocantins), ele sempre foi só o Beco.O apelido carinhoso era usado pela família e amigos muito próximos. Era assim que os padrinhos Benedito de Souza e Wanda Oliveira de Souza o conheciam, mesmo depois de ele se tornar o fenômeno do automobilismo internacional, Ayrton Senna. Uma relação familiar que começou quando Benedito recebeu o pai de Béco em sua fazenda, no interior de Goiás. A amizade se estendeu. O casal goiano batizou o primeiro filho homem do casal de amigos paulistas. Antes, Wanda tinha crismado a primogênita deles, Viviane. “Imagina uma jacu ir lá em São Paulo crismar uma menina...”, brinca Wanda. Benedito morreu há mais de um ano. Ele gostava de lembrar de histórias do afilhado, que, por aqui, era só Béco mesmo. “O Ayrton Senna era o Ayrton Senna, o Béco era o Béco, o menino levado que a gente viu nascer”, explica Wanda, que mora em Goiânia e ficou com a tarefa de contar as histórias. “Só de falar dele, eu fico feliz.”Ela gosta de recordar como sempre foi confundida com a mãe de Senna, Neide Senna – para ela, só Záza –, chegando a ouvir chamarem-nas de irmãs gêmeas. Semelhança que fez com que algumas pessoas a cumprimentassem como se fosse a mãe do piloto no dia do velório. Algumas lembranças ainda a emocionam e fazem sua filha, Elizabeth de Souza, segurar as lágrimas. “Tenho assistido (a reportagem sobre os 20 anos da morte de Senna) e vejo o Béco... O Béco que jogava areia em mim, que puxava meu cabelo... Eu acho linda a carreira dele, mas eu sinto falta do Béco, do meu primo”, lamenta Beth, que só tem adjetivos para ele. Brincalhão, companheiro, espirituoso, piadista, arteiro... “O Béco era terrível”, comenta Wanda, que tinha sempre de fazer empadinhas de frango para receber o afilhado.Na estante, uma garrafa de champanhe, com a qual ele comemorou um dos pódios que fez em pistas brasileiras de Fórmula 1. Mas não é nela, nem nas fotos, que estão o elo entre as famílias e a lembrança do afilhado e amigo morto. Estão, sim, nas palavras, no discurso de quem parece ainda esperar que o Béco ligue e marque um encontro surpresa para jantar ou venha para a fazenda pescar e jogar baralho – canastra, sempre. Ou, ainda, mande buscar a família Souza, de Goiânia, para passar um tempo com ele em Angra dos Reis.Nome em autódromo vira polêmicaOs laços existem e são vistos no carinho dos padrinhos goianos. Mas Ayrton Senna nunca correu no autódromo de Goiânia. Por isso, quando, o deputado Hagaús Araújo, em 1989, propôs que a praça levasse o nome do piloto, houve muita polêmica.“O automobilismo e o motociclismo de Goiás tinham escolhido o nome com objetivo de divulgação de Goiânia e de Goiás. Foi muito desagradável (mudar o nome). O Ayrton Senna nunca correu no autódromo, já no kartódromo sim. Mas não tem justificativa. Dar o nome do Senna é um tapa na cara do piloto de F-1 que mais colaborou na construção do autódromo, que foi o Emerson Fittipaldi”, lembra o jornalista Fernando Campos.Presidente da Federação Goiana de Automobilismo, Ney Lins conta que houve um movimento dos pilotos para que não houvesse a mudança no nome do autódromo. Mas a lei foi aprovada na Assembleia e sancionada. É válida até hoje, apesar de ninguém usar o nome. Na nova fachada do local, pintada recentemente, lê-se Autódromo de Goiânia e é assim que continuará a ser.Acidente de Senna foi marco para mudançasAyrton Senna foi o último piloto a morrer durante um grande prêmio de Fórmula 1. O aciente em que ele morreu, na curva Tamburello, em San Marino, em 1º de maio de 1994, é reconhecido como um marco na segurança do automobilismo internacional. "Com a morte do Ayrton, há uma nova preocupação em relação à segurança da Fórmula 1. Depois da morte dele, tudo melhorou. Desde o atendimento ao piloto, as equipes de resgate, o cockpit mais alto e forte", analisa Emerson Fittipaldi. O ex-piloto goiano Alencar Júnior considera que é possível dividir a questão da segurança no automobilismo entre antes e depois da morte de Senna. "Normalmente, quem morre são os caras que andam atrás, quem bate são os que andam do meio para o fim (da fila). Quando morre um gênio, muda toda a estrutura", acrescenta. Ele explica que, antes o tanque de gasolina circundava o piloto, o pé ficava entre as rodas e a estrutura do cockpit, antes de alumínio, hoje em fibra de carbono - a célula com o piloto é projetada para ficar intacta em caso de acidente -, foram as principais mudanças. A transsformação começa na F-1, como explica o piloto Chico Serra, mas chega às outras categorias, apesar de demorar um pouco mais. Até porque há mudanças nos autódromos, conta ele, que são usados não só para provas da categoria principal do automobilismo internacional. Nos circuitos, a alteração foi nas áreas de escape, que passaram a ser maiores e projetadas para evitar choques fortes. "Mudou de imediato (após a morte de Senna), porque aquilo mexeu demais com todo mundo", lembra Serra.Outras mudanças relevantes atingiram a parte eletrônica, que foi restringida, deixando os pilotos cada vez menos nas mãos de dispositivos. Quase 10 anos depois da morte do brasileiro, em 2003, também tornou-se obrigatório o uso de um sistema de proteção para cabeça e pescoço, chamado Hans. Entrevista Felipe MassaÚnico brasileiro, hoje, a competir na Fórmula 1, Felipe Massa considera importância de Senna para que o Brasil descobrisse o automobilismo e houvesse avanços na questão de segurança da modalidade, em entrevista respondida por e-mail para O POPULAR. - Como mensurar a importância de Senna para a Fórmula 1 e para a difusão da categoria no Brasil? O peso da importância do Ayrton para o crescimento pelo interesse pela Fórmula 1 no mundo todo e no Brasil em particular foi enorme. Na verdade, aqui esse interesse já estava em expansão desde a época do Emerson (Fittipaldi) e depois com o surgimento do (Nélson) Piquet, mas o Ayrton alçou a popularidade da Fórmula 1 a outro patamar. Ele fez com que as corridas se tornassem um programa obrigatório nas manhãs de domingo em praticamente todos os lares brasileiros.- Como os requisitos de segurança na Fórmula 1 foram alterados após o acidente de Senna, em 94? As condições de segurança dos carros melhoraram demais, com a incorporação de materiais mais resistentes e leves como a fibra de carbono, o aumento das proteções laterais da cabeça, da fixação das rodas de forma que elas não se soltem em caso de acidente etc.. E os autódromos foram melhorados também nesse aspecto, tanto nos já existentes quanto naqueles que seriam construídos mais tarde. Tanto que ninguém mais morreu numa corrida de Fórmula 1. Na China, por exemplo, as áreas de escape são tão amplas que é praticamente impossível bater. As batidas ficam para a pista (risos).Falta de categorias de base impede surgimento de pilotosAyrton Senna foi o último piloto brasileiro a ganhar um título mundial de Fórmula 1. Depois dele, Rubens Barrichelo, Felipe Massa (o que chegou mais perto), Christian Fittipaldi, Nelsinho Piquet, Bruno Senna e alguns outros passaram pela categoria, mas sem o brilhantismo dos brasileiros anteriores. E já há algum tempo que Massa é o único por lá. A maior dificuldade de chegar à F-1 é a falta de categorias de base do automobilismo no Brasil. "É muito difícil fazer carreira aqui no Brasil. O piloto começa a correr de kart, que é difícil, é um negócio muito caro, e depois ele não tem para onde ir", conta o ex-piloto da principal categoria internacional, Chico Serra. "Com o sucesso da Stock Car, muitos pilotos já estão começando a correr pensando em ficar por aqui mesmo."Idealizador da seletiva de kart Petrobras - que tem o objetivo de descobrir talentos -, Binho Carcasci conta que, quando os pilotos chegam a ir para a Europa, estão despreparados, muitas vezes se frustram, voltam e desistem da carreira. "Existe uma falta de orientação. Até o Rubinho (Rubens Barrichello), o caminho para chegar na F-1 era meio óbvio e quase único. O piloto saía de qualquer pais, ia para a Inglaterra e se tivesse bons resultados na Inglaterra , na F-3 inglesa principalmente, ia para a Fórmula 1."Segundo Carcasci, a Fórmula 3 inglesa hoje é fraca e o automobilismo de base na Alemanha, na França e na Itália cresceram. "O cara do Brasil não tem muito conhecimento de onde ele tem de ir, de onde deve correr", conta. Ele, inclusive, mudou a seletiva que organiza para que o prêmio para o vencedor inclua não só dinheiro, mas também orientação nesse sentido. -Imagem (1.535614)-Imagem (1.535641)