O despertador da atacante Samara Chaves dos Santos Guimarães toca às 6h40. A jogadora se arruma, toma café e sai de bicicleta para pedalar. Quando está disposta, opta por caminhar em torno de 4,2 km da Vila Redenção até o CT da Universo, no Setor Sul, onde treina com a equipe do Vila Nova/Universo de segunda a sexta-feira pela manhã. Aos 34 anos, com 25 dedicados ao futebol e ao futsal, a goiana é destaque do time colorado e exemplo de perseverança.Em 2022, o Vila Nova/Universo participa pela primeira vez de uma divisão do Campeonato Brasileiro, a A3, equivalente à 3ª Divisão. Em formato de mata-mata, com jogos de ida e volta, o time goiano passou pelo Atlético-GO na 1ª fase e abriu vantagem diante do Mixto-MT, nas oitavas de final. Dos quatro gols da equipe colorada, três foram da camisa 10, que é ponta esquerda e joga de meia se precisar. Em qualquer posição, é inspiração para muitas jovens.Leia também:+ Vila Nova cede empate ao Bahia no fim e segue na lanterna+ "Trocaria meu gol pela vitória", diz atacante do Vila Nova após empate com o BahiaSamara começou cedo no esporte. Aos 9 anos, praticava futsal na Hidráulica Brasil, equipe em que aprimorou habilidade e agilidade que podem ser vistas nos estádios e na várzea, em Goiânia. O amor pelo futebol vem de berço, de família.“Sempre joguei na rua. Foi automática a relação com o futebol porque minha família, mãe, tios, tias, primos jogavam. Cresci à beira do campo. O ambiente de futebol na família me fez gostar mais. Alguns parentes fizeram testes, jogaram escolinhas, mas ninguém chegou a jogar profissional”, contou Samara, que nunca praticou outra modalidade além de futsal e futebol.Das quadras ao campo, foram nove anos. Aos 18, passou a jogar futebol de campo, mas só aos 23 anos (2011) teve a chance de atuar por uma equipe, no Goiânia. Desde então, soma passagens por Aliança e Universo, que faz parcerias para desenvolver o futebol feminino. Samara fez parte dos elencos dessas parcerias com Jaó, Goiás e, agora, Vila Nova.A vida no esporte não é fácil e fica mais difícil quando é sobre futebol feminino. Apesar de estar envolvida com esportes desde os 9 anos e já ter atuado por quatro equipes, Samara recebeu um valor financeiro por praticar a modalidade pela primeira vez na carreira no final de junho deste ano.“O Vila, agora (no final de junho), deu uma ajuda de custo para nós. Foi a primeira vez (que Samara recebeu para jogar). Foi uma ajuda de custo, prefiro não falar valor. Também tenho o pró-atleta, desde 2007, na Hidráulica. Hoje, o valor é de 500 reais (mensais). É um benefício que me ajuda bastante”, detalhou a camisa 10 do time colorado, que mora sozinha em uma casa que pertence à família.Por causa da incerteza financeira que envolve o futebol feminino, Samara se dedica a buscar renda extra nos campos de várzea do Estado. Segundo a atacante, se o torneio for apenas de um final de semana, o valor cobrado é de 500 reais, mais parte da premiação. Caso ocorra fora de Goiânia, o valor cobrado por ela varia entre 350 e 450 reais.“Hoje, eu não trabalho (fora do futebol). O Robson (Freitas, técnico do Vila Nova/Universo) nunca se importou de eu jogar futebol fora, a várzea. Final de semana, jogo e tiro cachê que me ajuda financeiramente”, salientou a jogadora, que só não atua na várzea quando se dedica ao time colorado nas competições que participa. Em 2022, até aqui, foram os Jogos Universitário Brasileiros (JUBs) e, agora, o Brasileiro Feminino A3, que tem decisão neste sábado (9). O calendário ainda prevê a participação no Campeonato Goiano.Exemplo de força de vontade, Samara é sucinta ao resumir o que a motiva a continuar no esporte ao longo dos anos e mantém sonhos vivos, mas, hoje, já fora dos gramados. “Amor, é isso. Gostar do esporte”, resume. “O futebol feminino caminhou, mas o processo é lento. Jogo porque gosto, estou aqui porque gosto de jogar e sei que, para muitas meninas, sou espelho. Isso me motiva. Escuto isso de atletas, de pais de atletas. Atletas me mandam mensagens falando que querem ser como eu. É gratificante”, completou a goiana.A rotina de Samara, que começa às 6h40 com o despertador tocando, não tem hora para acabar. Às segundas, quartas e sextas, ela treina futebol, faz pausa para estudar e almoçar, treina futsal à tarde e, à noite, vai para a faculdade. Nas terças e quintas, só futebol e estudos.A camisa 10 está no penúltimo (7º) período do curso de Educação Física, que finaliza este ano, e já tem um caminho para trilhar daqui a quatro anos, quando deve parar de jogar.“Já trabalhei como estagiária (auxiliar) com o professor Lásaro (Caiana, técnico do time feminino de futsal do Vila Nova/Universo), com crianças. Adoro iniciação esportiva, pretendo seguir nesse ramo ou na psicologia do esporte. É uma área que está em crescimento. Meninos nas categorias de base sofrem pressão”, declarou Samara, que quer manter a fase artilheira neste sábado (9), no OBA, contra o Mixto-MT.De preconceito e apelidos ao exemplo para as mais jovensSamara já sofreu com preconceito por praticar futsal e futebol, recebeu apelidos, mas não se abalou por ser vítima desse tipo de atitude que ainda cerca o futebol. A camisa 10 do Vila Nova/Universo construiu seu nome no esporte goiano e é a principal jogadora do Estado há pelo menos dois anos.A atacante entende que as coisas já melhoraram. “Quase todos os dias, eu ouvia algo, mais quando eu era nova. Falavam que mulher tem de ficar em casa, que futebol não é lugar de mulher, colocaram apelidos, como Maria João. Hoje, é bem pouco. No estádio, nunca tive uma situação desse tipo”, contou Samara, que citou a várzea como um ambiente mais respeitoso no momento que vive no esporte.“Na várzea, a gente costuma até ser mais respeitada. Tem campeonato no interior que avisam que vou jogar, e as pessoas se inscrevem para jogar junto ou vão para me ver. Hoje, existe mais respeito. Às vezes, vou em algum clube (para lazer), brinco de bola e aí eu escuto comentários e indiretas que me deixam bem chateada, mas nunca sofri algo que me abalasse”, salientou a atacante vilanovense.Samara pensou em desistir do esporte entre 2015 e 2016. “Via que as coisas não estavam dando certo. Chega uma hora que você precisa dar prioridade para algumas coisas. Eu moro sozinha, tenho contas para pagar, despesas. Isso te faz rever algumas coisas, mas, como estou perto de formar, foi o que me deu vontade de continuar”, explicou a camisa 10, que quer terminar o curso de Educação Física, seguir jogando por mais algumas temporadas e focar em áreas que envolvem o esporte para conseguir ter uma renda no futuro sem deixar de lado sua paixão.“Gosto muito de conversar, principalmente com as atletas mais novas. O que está acontecendo hoje, na idade delas, eu não tive. Eu aconselho que, se elas querem jogar futebol, precisam se dedicar. As meninas daqui me escutam muito. Mães e pais me mandam mensagem agradecendo pelo que estou fazendo na vida delas”, disse Samara.O objetivo de 2022 está traçado para Samara e o Vila Nova/Universo. O clube, que está na sua primeira participação no Brasileiro, quer o acesso à Série A2. “Nosso projeto primeiramente é subir, chegar entre os quatro e, depois disso, queremos o título. Quando entramos em uma competição, o objetivo precisa ser querer ser campeão”, afirmou a camisa 10, que integra o time colorado desde o início do projeto em 2020.