Conta a história que, os primeiros bandeirantes que chegaram em Goiás, no início do século 16, usavam o açafrão-da-terra, também conhecido como cúrcuma, de duas maneiras: para indicar as trilhas das minas e temperar os alimentos. O que os pioneiros não podiam imaginar é que as primeiras sementes e mudas da especiaria plantadas em Mara Rosa, no Norte de Goiás, seriam responsáveis por fazer da região o berço do chamado “ouro do Cerrado goiano”.Quem conta a origem da fama da região é Isabela Silva Lima, gestora ambiental da Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater). Durante quase dez anos, ela fez parte da equipe que trabalhou pelo reconhecimento do açafrão goiano ou gengibre amarelo, como também é conhecido, com o selo da indicação geográfica (IG) do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Ele é conferido a produtos ou serviços característicos do seu local de origem, o que lhes atribui valor intrínseco, identidade própria, renome e os torna mais competitivos no mercado.O açafrão de Mara Rosa e região foi o primeiro do Brasil a conquistar o IG em 2016. “Foi fruto de dez anos de trabalho do Ministério da Agricultura (Mapa), Cooperaçafrão, Emater, Universidade Federal de Goiás (UFG), Sebrae e governo de Goiás. A Emater já tinha contato com os produtores da região. A conquista do selo foi importante para dar visibilidade ao produto goiano”, explica. Porém ainda existem desafios como colocar em prática o caderno de uso, que são as especificações técnicas que permitem os produtores utilizarem o IG. O agricultor familiar pode optar por incluir ou não o selo em seus produtos. Isabela explica que não abre mão de ter na cozinha o açafrão produzido no Norte de Goiás.Diretor administrativo da Cooperativa dos Produtores de Açafrão de Mara Rosa e região, o produtor rural João Neto da Costa Silva, de 53 anos, conta que a visibilidade foi importante para que o resto do País conhecesse a qualidade do açafrão goiano. Hoje, São Paulo está entre os estados que mais compram o condimento, uma raiz da família do gengibre, produzido na região de Mara Rosa. “Trabalho com açafrão desde 1978, sempre foi uma cultura forte por aqui que tomou novo fôlego a partir do reconhecimento”, ressalta.PaladarPlanta usada como tempero na gastronomia e pela indústria farmacêutica, o açafrão-da-terra faz parte de grande parte dos pratos da comida goiana, em especial de pratos mais tradicionais. “Conquistamos o paladar primeiro pela aparência do prato. O açafrão tem essa cor viva, de amarelo ouro, que desperta os sentidos. Eu adoro usá-lo na galinhada, na guariroba e também em peixes”, conta a cozinheira Daihane Dias da Silva, 35 anos.Nascida e criada na cidade de Goiás, ela ressalta que há um segredo importante antes do uso da especiaria na culinária. “É preciso dar uma fritadinha nele para não amargar os pratos”. O uso também deve ser parcimonioso, visto que o sabor marcante pode anular o dos outros ingredientes. Além de tornar os pratos mais bonitos, o açafrão tem a boa fama de deixá-los mais saudáveis. É difícil achar quem ainda não tenha ouvido sobre os seus benefícios para a saúde, que vão desde propriedades antioxidantes ao efeito antimicrobiano.Em seus pratos, Daihane dá preferência para o açafrão produzido por pequenos produtores da zona rural da antiga capital. Em Goiânia, o Mercado Central da Rua 3, é parada obrigatória para quem busca o produto orgânico. “Hoje em dia, ele é mais procurado para fins terapêuticos do que para a alimentação”, confirma Karimme Salutari, de 25 anos, uma das proprietárias de uma lojinha no mercadão que vende o açafrão em pó e em raiz. A especiaria é produzida no sítio da família em Goianira.Intimidade na cozinhaAlguns dos pratos mais populares na mesa goiana, como a galinhada e o arroz com pequi, não teriam a mesma beleza não fosse o açafrão-da-terra. “Ele traz uma memória afetiva, remetendo à comida caseira, daquelas de vó. A minha, por exemplo, plantava e depois moía seu próprio açafrão. Ele se tornou um ingrediente simples e bastante acessível a todas as camadas sociais”, explica a cozinheira Thaisy Sosnoski.A abundância do açafrão-da-terra em Goiás contrasta com a raridade do açafrão “verdadeiro”, tratado como iguaria e extraído do pistilo da flor da espécie Crocus sativus. Ele é considerado um dos ingredientes mais caros da gastronomia. “Já a cúrcuma é amplamente utilizada na culinária e na medicina indiana, e teve seu status elevado nos últimos anos aqui no Brasil, por suas propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, sendo propagado na cozinha saudável e com isso ganhando mais espaço no resto do Brasil e mais versatilidade na cozinha”, ressalta Thaisy.O açafrão-da-terra pode ser utilizado no arroz e no macarrão do dia a dia, mas também traz cor e propriedades nutricionais para massas e pães. “Um ótimo uso também se dá em molhos para saladas, sopas, vegetais. O leite dourado, bebida tradicional indiana, que recentemente virou moda aqui no Brasil, também leva como principal ingrediente esse condimento, além de outras especiarias.” A utilização é possível mesmo em sobremesas, como a clássica pera ao vinho branco e açafrão.Capital do açafrãoMara Rosa é considerada a capital brasileira do açafrão pela qualidade do produto e também pelo alto teor de curcumina presente nele. O solo da região é propício para o cultivo. O tempero, de origem asiático, desembarcou em vários países na era das grandes navegações. Na indústria de alimentos, a cúrcuma é usada como corante em biscoitos, pães, massas, queijos, margarinas e pratos industrializados. É componente do curry (mistura de ervas e especiarias) e do caril indiano, prato típico local. A cúrcuma cresce de 40 a 80 centímetros e pode ser plantada em casa. O vaso deve ter pelo menos 30 centímetros de altura. Precisa de solo drenado e fértil, além de sol.-Imagem (Image_1.2189774)