A antropóloga, jornalista e professora Luciene Dias tem visto o BBB com preocupação. Coordenadora do Pindoba – Grupo de Pesquisa em Narrativas da Diferença, da UFG, ela tem extensa participação em movimentos sociais que tratam de questões como o racismo e a LGBTfobia. Com essa experiência, ela faz uma advertência. “As lutas dos movimentos sociais organizados são históricas, processuais e de longa data. Essa trajetória não pode ser pensada no imediatismo. A discussão nesse programa é pontual, localizada e recortada.”Sua crítica à superficialidade com que temas sérios são levantados no BBB e repercutem aqui fora refere-se aos desdobramentos desse cenário. “Nesse sentido, essa discussão apressada que ocorre nas redes sociais, essa necessidade de tomar uma posição A ou B, prejudica os movimentos que trabalham historicamente, de forma processual, a luta contra as invisibilidades. Existe, efetivamente, o risco de que toda essa discussão desvirtue ou desencaminhe questões que se mostram com pequenos sinais de vitória”, considera. Segundo Luciene, quando o público se baseia nos debates tais como são feitos no Big Brother, há um retrocesso. “Você resgata discussões que teriam de estar superadas. A gente retrocede na discussão sobre o racismo. É como se a gente voltasse ao beabá quando já deveríamos estar debatendo o antirracismo como um movimento que propõe para a sociedade uma forma em que o racismo não possa mais operar nas relações sociais. Com a homofobia é do mesmo jeito. Há um descarrilamento e esse retrocesso é prejudicial para a sociedade organizada.”Luciene lamenta que pontos tão relevantes estejam sendo pautados de uma forma incorreta. “Sem dúvida nenhuma, há muita falta de informação. Eu não acredito que esses temas estejam sendo levantados de forma didática. Existe uma discussão que está sendo levantada a partir do conflito. É a translesbofobia, é o racismo. O que levanta essa discussão é o conflito; então, eu acredito que não auxilia de forma nenhuma para dar visibilidade a esse debate porque não é qualificado, não é pedagógico. Se há uma pedagogia ali, é a da crueldade”, aponta.“Com certeza, é um importante momento para debater ideias, opiniões e direitos. A visibilidade é extravagante, tanto que é só você abrir suas redes sociais que só se fala nisso”, afirma Afif Sarhan, gerente de comunicação da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de Goiânia, que combate tais preconceitos. “Sabemos que a TV aberta ainda concentra o maior número de usuários. Qualquer debate ali vai atingir cada cantinho, por mais longe que seja, muitas vezes lugares que nunca ouviram sobre alguns dos temas expostos no programa.”Essa capilaridade, porém, deve ser vista com cuidado, na visão de Afif. “A partir das redes sociais, que refletem o que acontece no programa, observo uma enorme falta de informação. São opiniões aleatórias, sem qualquer credibilidade científica e que ganham milhares de seguidores a cada momento. Serve de alimento para as fake news, expõe a toxicidade, o abuso, a imaturidade e o egoísmo de várias pessoas que se alimentam dessas informações. Precisamos evoluir, escutando mais e falando menos sobre o que não conhecemos a fundo.”