Em vez das brincadeiras corriqueiras, o silêncio. O quarto se torna um grande amigo até mesmo na hora das refeições. As noites estão cada vez mais longas por causa da insônia. Às vezes, a alteração de comportamento dentro de casa é também um pedido de ajuda. Ficar de olho nesses sinais é fundamental para identificar quando o seu filho está sofrendo bullying na escola, no prédio onde mora ou dentro da família. Especialistas afirmam que é preciso estar vigilante nessas variações de conduta e humor para não agravar o problema, com casos de depressão, transtornos alimentares e crises de pânico.“Nós precisamos aprender a conhecer nossos filhos porque quando o comportamento deles muda alguma coisa está errada. Por exemplo, uma criança que conversava e hoje prefere ficar mais calada ou de uma hora para outra ele sente medo de ir na escola e por isso fica criando situações para faltar às aulas. Isso pode ser bullying e é preciso ficar atento a esses sinais”, ressalta a psicóloga especialista em famílias, casais e traumas Michelle Branquinho. Anorexia, bulimia, automutilação, problemas com álcool, drogas e até tendência suicida estão entre os possíveis prejuízos causados por essa violência.O bullying é uma mazela social agravada por ser, na maioria das vezes, silenciosa, já que dificilmente a vítima fala com os familiares o que está sofrendo. Dados mais recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021 mostraram que essa prática ainda é uma realidade no Brasil. De acordo com o levantamento, 23% dos estudantes contaram ter sido vítimas de algum abuso, sendo alvo de provocações feitas por colegas. Um ponto preocupante do estudo é que um em cada cinco dos entrevistados afirmou que a vida não valia a pena ser vivida.Especialistas alertam que os danos causados pelos episódios de violência física ou psicológica caso não sejam combatidos na infância podem ser severos no futuro porque estão ligados ao conceito de identidade de cada um. “São traumas que passam a ser carregados e que deixam feridas na memória, onde se encontram armazenadas lembranças dolorosas que a gente chama de transtorno de estresse pós-traumático e é isso que leva as pessoas a viverem com ansiedade, depressões e fobias. A vítima se sente frequentemente desamparada, oprimida e até paranoica”, afirma Michelle Branquinho.Nas últimas décadas muito se tem falado sobre o bullying infantil. Geralmente acontece na escola, entre os colegas. Agressões físicas, verbais, fofoca, ridicularização e isolamento fazem parte da prática. No entanto, o problema também é real na vida adulta. Nessa semana, um diretor de arte da produção de Queen Charlotte, spin-off da série Bridgerton sobre a juventude da rainha Charlotte (Golda Rosheuval), foi demitido após acusações de promover bullying no set da série da Netflix. Segundo pessoas envolvidas nas filmagens, ele era o responsável por criar um ambiente tóxico com os colegas.TratamentoComo lidar com crianças e adolescentes que sofrem e fazem bullying? O primeiro passo é identificar o tipo de agressão vivida ou praticada e quais são as suas causas. “O tratamento psicológico é essencial nestes casos. É possível ressignificar traumas sofridos nessa fase da vida para não provocar prejuízos ainda maiores. Lidar com as emoções e frustrações envolvendo as situações de rotinas, aprender a exercer o autocontrole e achar ferramentas para manejar o estresse são recursos importantes para serem trabalhados, independentemente se a pessoa for vítima ou agressor”, diz a psicóloga Taís Pereira Dantas.A análise sobre os casos de bullying não pode ficar restrita apenas ao agressor, mas no conjunto da violência: quem comete, a vítima e os espectadores, que são aqueles que assistem às práticas, muitas vezes se calando por medo de sofrer represálias também. Todos precisam de apoio. “Em todos esses cenários, a pessoa precisa aceitar que tem um trauma e a terapia pode ser uma ferramenta excelente para superar isso ou para lidar melhor com o problema. É importante lembrar que cada paciente lida e reage de forma diversa, mas é possível curar”, complementa a psicóloga Michelle Branquinho.Outro ponto fundamental no tratamento dessa violência é o ambiente familiar. É possível dizer que o diálogo e a paciência são essenciais para que os filhos compartilhem os seus momentos de fragilidade. “É um núcleo que pode ter um papel no enraizamento e manutenção do adoecimento psíquico da vítima, como ela também pode ser fonte de acolhimento e fortalecimento. Esse olhar é relevante para conseguir resultados ainda mais promissores. O intuito não é direcionar o dedo para culpados, mas orientar os responsáveis para conduzir o processo da forma mais assertiva possível”, reforça Taís Pereira Dantas.Escola tem papel fundamental no combate ao bullyingO combate ao bullying não é apenas no consultório, ele começa na sala de aula, como foi no caso que viralizou na internet na semana passada, em que um professor de uma escola no Ceará, ao descobrir que uma aluna estava sofrendo ataques por usar um colete para o tratamento contra a escoliose, decidiu criar uma réplica do equipamento e passou a usá-la para apoiar a estudante.“A escola exerce um papel importantíssimo no combate a qualquer tipo de agressão física ou verbal. É papel da instituição atuar de forma preventiva, conscientizando e educando os alunos sobre atitudes discriminatórias nos mais diversos ambientes sociais. Além disso, ela deve empenhar-se em educar o agressor para que ele entenda a gravidade de seus atos para romper com o ciclo de violência”, diz a psicóloga e professora do Colégio Simbios Hellen Alessandra Oliveira Lobo.Com internet, surgiu o cyberbullyingHá muito tempo, as escolas, o trabalho e o lugar onde mora deixaram de ser apenas os únicos lugares com possibilidades de casos de bullying. A internet se tornou um ambiente para a prática e ganhou o nome de cyberbullying. Um aspecto perigoso é a invisibilidade dos responsáveis pelos ataques, que costumam ficar no anonimato. Em uma pesquisa feita pela agência da ONU União Internacional das Telecomunicações (UIT), em janeiro de 2022, o problema foi classificado por 40% dos entrevistados como a mais séria ameaça on-line para menores de idade.A psicóloga Hellen Alessandra Oliveira Lobo lembra que a pandemia potencializou ainda mais esse problema. “O isolamento reforçou o uso do mundo digital, onde o acesso se tornou mais frequente, fácil, rápido e em muitos casos não é controlado e monitorado pelos pais. A rede se tornou um lugar para divulgarem fotos, vídeos e até criarem memes que podem ser caracterizados como cyberbullying”, completa a especialista.