Há pouco tempo, era difícil encontrar alguém voltando dos Estados Unidos sem trazer na bagagem - nem que fosse por curiosidade - produtos à base de melatonina, hormônio que serve como regulador e estimulador do sono. Enquanto no Brasil o produto era vendido apenas em farmácias de manipulação com exigência de receita médica, por lá a venda é livre em qualquer farmácia. Mas uma decisão recente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocou a melatonina na categoria de suplementos alimentares, o que dispensa a prescrição também no Brasil.A venda foi liberada nas farmácias neste mês. “Quando fiz uso, foi importado dos Estados Unidos. Realmente senti melhora na qualidade do sono, mas resolvi abandonar por receio de apenas conseguir dormir tomando a melatonina”, explica o operador de circuito fechado de televisão Lucas Medeiros da Silva Canuto, de 28 anos. Por ter uma rotina de trabalho não convencional - a escala é de 12 horas de trabalho por 36 de folga - e passar muitas noites em claro, ele conta que sempre teve dificuldades para ter um sono de qualidade, em especial após os plantões noturnos.A neurologista Giuliana Macedo, com especialização em medicina do sono, explica que o uso da melatonina é controverso e que não há evidências de que a reposição do hormônio seja eficaz. “Os melhores resultados obtidos cientificamente até agora foram em ratos”, destaca. A especialista ressalta que a melatonina não é preconizada para tratar insônia. Neste caso, o padrão ouro de tratamento envolve a higiene do sono, práticas e hábitos que ajudam a melhorar a qualidade do sono, como evitar o consumo de bebidas com cafeína e criar no quarto um ambiente que induza ao sono, e a terapia cognitivo-comportamental para insônia.A melatonina está presente em todas as espécies vivas, até em plantas e bactérias. De maneira bem simplificada, no corpo humano, o hormônio teria a função de regular o relógio biológico. “É como se fosse um marcador de claro e de escuro. Produzida pela glândula pineal, ela manda um sinal para o organismo que já está escuro para o corpo iniciar as adaptações fisiológicas e descansar, incluindo diminuição de pressão arterial e insulina, assim como baixar a temperatura corporal”, ressalta. Cerca de 75% da população sintetiza a melatonina por volta das 20 horas.Além de ajudar a dormir, o hormônio pode inibir o crescimento de tumores mamários, prevenir enxaquecas e proteger o coração. A médica nutróloga Bruna Taciana de Carvalho acredita que quem deve mais se beneficiar com a liberação da venda da melatonina no Brasil são pessoas que apresentam distúrbios do sono como insônia ou má qualidade do sono, e também aqueles que apresentam baixa produção do hormônio. Mas ela lembra que o produto não deve ser utilizado durante a gravidez e a amamentação ou em pessoas com alergia a qualquer um dos componentes dos comprimidos.“Os efeitos colaterais mais comuns são sonolência excessiva e fadiga, e é importante destacar que a intensidade dos efeitos será proporcional à dose da melatonina ingerida. Por isso, o acompanhamento de um profissional da saúde é muito importante”, explica. Para ela, apesar da liberação nas farmácias, a melatonina, assim como qualquer suplemento ou medicamento, deve ser usada sempre com indicação de um médico para que seja prescrita a dose correta de acordo com o objetivo e a necessidade de cada paciente. A melatonina ajuda, sim, a dormir, mas não é uma pílula milagrosa.Para quem troca o dia pela noiteFabricada pelo corpo, a melatonina não só regula o momento de dormir como participa da reparação das nossas células, expostas ao estresse. Há situações específicas em que a suplementação pode ser realmente útil, como no caso de quem precisa dormir durante o dia e trabalhar no turno da noite. “Melatonina não é o hormônio do sono, ele é o da noite. Ou seja, ele prepara o corpo para diversas situações que acontecem nesse período, uma delas é o sono”, explica a médica endocrinologista Pryscilla Moreira. Há várias indicações de uso, em especial em idosos, que, em geral, têm deficiência do hormônio, e em pessoas cegas.Para a especialista, o uso indiscriminado da substância pode trazer riscos como, por exemplo, a diminuição da produção de insulina no pâncreas, com aumento da glicose no sangue. “É preciso sempre avaliar a resposta terapêutica do paciente. Como é um hormônio, precisa ser usado com a orientação de um especialista respeitando a individualidade de cada paciente”, explica. A dosagem e até mesmo o horário do consumo do suplemento devem ser supervisionados.Membro do corpo clínico dos Hospitais Albert Einstein e Oswaldo Cruz, Renato Pazzini explica que suplementos alimentares, como a melatonina, são indicados no caso de deficiências dietéticas. Pouca gente sabe, mas a melatonina também está presente em alguns alimentos, como morangos, uvas e carnes. “Uma pessoa que está com o ritmo circadiano desorganizado, por viagens ou estresse, por exemplo, pode se beneficiar rapidamente do uso de melatonina. Já pessoas que costumam dormir mais tarde e gostariam de ajustar seu ciclo de sono para um horário mais cedo, podem demorar um pouco mais de tempo para organizar o ritmo circadiano”, explica.-Imagem (Image_1.2376785)