Coordenadora da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, a socióloga Zoara Failla é um dos destaques do festival Leitura e Resistência, organizado pela editora goiana Nega Lilu e a Casa da Cultura Digital. Ela fará a abertura do evento nesta quinta-feira (24/3), às 19 horas, com transmissão dos canais da Negalilu no YouTube e Facebook. A programação segue até o dia 3 de abril.SAIBA MAIS• “As redes sociais estão roubando o tempo do livro”, afirma Zoara Failla• Confira a programação do Festival Literatura e Resistência Zoara debaterá, juntamente com o pesquisador da Unesp João Luís Ceccantini, o resultado da pesquisa que aponta a Região Centro-Oeste em último lugar no ranking de leitura no Brasil. O estudo, que tem uma periodicidade de quatro anos, foi realizado em 208 municípios de 26 estados entre outubro de 2019 e janeiro de 2020 e apontou que o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019. Apesar de dizer que não há como eleger apenas um motivo para esse retrato, a socióloga destaca: "As redes sociais estão roubando o tempo do livro". Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida por telefone ao POPULAR.Por que estamos perdendo leitores nos últimos anos no País, principalmente entre os adolescentes, como apontou dados da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil?Na verdade, tivemos uma redução em todas as faixas etárias do País, mas entre os de 8 e 11 anos, ela foi mais sentida. Não tem como eleger apenas um motivo para esse retrato. A primeira coisa foi o desmonte das políticas públicas que estavam em processo de efetivação e não foram continuadas, caso da universalização das bibliotecas escolares. Também identificamos problemas dentro das escolas. Mais de 60% dos centros de ensino básico não têm uma biblioteca, sendo que quase 50% dos estudantes dependem disso para ler.Qual a parcela dos professores nesse retrato?Bastante significativa. A gente tem dentro da escola, segundo a pesquisa, o perfil leitor do professor, que é muito parecido com o do brasileiro que são por livros de autoajuda ou religiosos. É um repertório voltado para ele mesmo e isso dificulta você pensar em promover dentro do ambiente de ensino leituras que sejam de interesse dos jovens e não do histórico de formação do educador.Como a senhora avalia o papel do governo federal nesse desempenho?Tínhamos em funcionamento o Plano Nacional do Livro e Leitura construído com a participação da sociedade, da universidade, de representantes de governo e de organizações que fomentam a leitura e que ficou meses sem funcionar e sem um titular. Hoje você não tem uma grande orientação, um guia para definir responsabilidades em todas as esferas para saber quais são os programas, o que é preciso implementar para melhorar esses indicadores e o orçamento. Não existe um amparo político em nenhum desses grandes problemas que a gente identifica, como na formação do professor, das famílias que não têm acesso aos livros e as bibliotecas são insuficientes.Qual a parcela de culpa da tecnologia nessa queda de leitores?Na pesquisa, perguntamos o que as pessoas estavam fazendo no tempo livre e a resposta foi o aumento do uso da internet e não era para ler e-books. As redes sociais estão roubando o tempo do livro porque em edições anteriores do nosso estudo tínhamos mais leituras nessas camadas. Sem dúvida, o que está acontecendo hoje é que o celular se tornou a babá das crianças para eles ficarem entretidos. A garotada não está tendo um momento para construir fantasias porque a tecnologia leva tudo pronto para ela.A perspectiva para os próximos anos pode ser ainda pior?Parece que houve um aumento na venda de livros na pandemia. A questão é saber quem é que está comprando. Eu acredito que sejam os leitores de sempre. A gente quando olha para o Brasil não pode esquecer do grande porcentual de pessoas que nunca foram à escola. Tem ainda o problema de formação. Quando perguntamos porque ele não lê, quase 50% respondem porque não compreendem. Então, ele não teve alfabetização adequada. Imagina num cenário de Covid-19 em que muitas crianças ficaram fora das escolas? Acredito que vamos ampliar essa dificuldade.Como podemos virar esse jogo?Precisamos olhar para tantas coisas, para o que está acontecendo dentro da escola, para a formação do professor e garantir o acesso por meio das bibliotecas. É preciso resgatar as políticas públicas e torná-las efetivas. Enquanto isso não acontecer, a gente não vira esse jogo. Existem várias organizações sociais que desenvolvem ações belíssimas, mas atingem no máximo 10% da população. O caminho é árduo, mas não podemos desistir.