O menino Buddy, papel do ator Jude Hill, vive na Irlanda do Norte dos anos 1960 em meio a conflitos políticos e sociais. Apesar do clima tenso, o garotinho não perde uma diversão e é apaixonado pela família, por carros, cinema, futebol e toda liberdade inocente que sua infância proporciona. Em Belfast, filme que estreia nesta quinta-feira (10) nas salas de cinema, o personagem é um alter ego do diretor Kenneth Branagh, que é muito conhecido do público e da crítica por promover adaptações cinematográficas de obras aclamadas de William Shakespeare, como Henrique V (1989) e Hamlet (1996).Não tem sido incomum nos últimos anos cineastas contarem histórias semiautobiográficas e empilharem prêmios. O mexicano Alfonso Cuarón fez isso com Roma e ganhou o prêmio de melhor diretor em 2018 no Oscar. O espanhol Pedro Almodóvar levou a estatueta de filme estrangeiro em 2017 com Dor e Glória. Belfast quer seguir pelo mesmo caminho. A obra escrita por Kenneth Branagh foi indicada em sete categorias na mais importante premiação do cinema mundial, ficando empatada com Amor, Sublime Amor e atrás apenas de Ataque dos Cães e Duna, respectivamente com 12 e 10 nomeações.É quase impossível não comparar o filme de Kenneth Branagh com Roma. Tanto pela narrativa com as memórias de infância dos diretores e a retratação dos acontecimentos violentos vividos por eles nas tramas quanto por filmar em preto e branco. A diferença é que, em Belfast, o cineasta irlândes opta por uma visão mais romântica, em que os acontecimentos são inseridos na vida do protagonista por meio de noticiários e de conversas paralelas, ou seja, de maneira não direta. Já na obra-prima de Cuarón, ele não faz rodeios e mostra uma metáfora do México e de sua história, bem como do passado e de seu presente.Desde sua estreia nos cinemas em novembro de 2021, Belfast vem tendo uma trajetória bem-sucedida nas principais premiações, especialmente no Festival de Toronto, onde sagrou-se vencedor na principal categoria, e no Globo de Ouro, levando o troféu de melhor roteiro. No Oscar, se a Academia continuar privilegiando títulos lançados exclusivamente nas telonas, o filme tem chances reais de ganhar o grande troféu da cerimônia (melhor filme). O título concorre ainda nas categorias de roteiro original, direção, atriz (Judi Dench) e ator (Ciarán Hinds) coadjuvantes, som e de canção (Down To Joy).Belfast também representa o retorno de Kenneth Branagh para produções que não são verdadeiras campeãs de bilheteria, mas que são feitas sob medida para ganhar prêmios. O irlandês passou a última década trabalhando com produções hollywoodianas, como o primeiro filme do Thor (2011), Operação Sombra: Jack Ryan (2014), Cinderella (2015), Assassinato no Expresso do Oriente (2017) e recentemente no streaming com Morte no Nilo (Netflix). É preciso lembrar que, apesar de muitas produções elogiadas e um currículo de premiações, ele nunca ganhou um Oscar com direção ou atuação.TramaAmbientada em 1969 na cidade que dá título ao filme, a trama é centrada numa família da classe operária norte-irlandesa que vive numa região turbulenta no auge dos conflitos entre protestantes e católicos, depois que a polícia reprimiu uma manifestação dos católicos por mais direitos civis. Esse período ficou conhecido como The Troubles, no qual morreram mais de 3.500 pessoas. Em um primeiro momento, o núcleo principal da trama não tem interesse nessa disputa. Seus problemas são outros: dívidas com o fisco, o desemprego, a saúde dos avós e a hipótese de deixar o lugar.No meio de tudo isso, entre uma brincadeira e outra, está o caçula Buddy, de 9 anos, que acompanha o aumento dessa tensão étnica-política-religiosa e os problemas que acabam afetando sua família. O pequeno vive com sua mãe (Caitriona Balfe, de Ford Vs Ferrari), uma mulher sobrecarregada por ter de criar os dois filhos com pouca participação do pai, vivido por Jamie Dornan (Cinquenta Tons de Cinza). Ele trabalha em Londres com empregos temporários para pagar as contas da família e, apesar de tentar fazer o melhor para os meninos, está presente em casa apenas em alguns fins de semana.Buddy é a válvula de escape da trama, já que o diretor traz um olhar infantil para aquele momento triste da história da Irlanda do Norte. O protagonista gosta de visitar os avós, papéis de Judi Dench e Ciarán Hinds, que, assim como os pais, são personagens sem nome. A interpretação do casal rendeu indicação ao Oscar na categoria de ator e atriz coadjuvante. O encontro entre eles, que são como bússolas morais do menino, é marcado por humor e diálogos importantes, como o medo que o protagonista transmite para os veteranos de ter de deixar Belfast, já que ele está apaixonado por uma garotinha.RecordeMesmo sem nenhum Oscar na carreira Kenneth Branagh já fez história. O ator e cineasta quebrou um recorde da premiação mais importante do cinema ao receber sete indicações em sete categorias diferentes. A marca anterior era de George Clooney e Walt Disney com seis nomeações cada. Na carreira, antes de lançar Belfast, ele concorreu como Melhor Diretor e Melhor Ator por Henrique V (1989), adaptação da peça de Shakespeare sobre o rei Henrique V. Alguns anos depois, foi indicado à Melhor Curta-Metragem Live-Action por Swan Song (1992) e em 1996 a adaptação dele de Hamlet foi indicada à Melhor Roteiro Adaptado. Branagh também competiu como Melhor Ator Coadjuvante pelo papel em Sete Dias com Marilyn (2011). Para completar a lista, com a sua semiautobiográfia recém-lançada nas telonas, o irlandês acrescentou na bagagem Som e Trilha Sonora.Rosto teen Para os fãs do bruxinho Harry Potter, Kenneth Branagh será sempre Gilderoy Lockhart, um professor de defesa contra as artes das trevas na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. O personagem apareceu pela primeira vez na saga da escritora britânica J.K. Rowling em Harry Potter e a Câmara Secreta (2002), segundo filme da franquia. Na trama, ele é uma celebridade, conhecido por seus grandes feitos no mundo bruxo. Mas, na verdade, ele não passa de um charlatão, tanto que perde a memória devido a um feitiço lançado por si mesmo usando uma varinha quebrada. Ele se torna um paciente permanente no Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Já para os seguidores de Agatha Christie, Branagh é o detetive Hercule Poirot, dono de um bigode que desafia as leis da gravidade, dos longas Assassinato no Expresso do Oriente (2017) e Morte no Nilo (2022). O cineasta já prepara uma nova continuação inspirada nas histórias de suspense da escritora.