O problema é tão grave que entrou no radar da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), que lançou recentemente a campanha Bomba, Tô Fora, contra o uso de esteroides anabolizantes sem recomendação médica. Os especialistas destacam que os produtos – derivados sintéticos da testosterona – utilizados com o objetivo de aumentar a massa e a força musculares podem causar uma série de problemas de saúde, como aumento da pressão arterial, embolias, insuficiência hepática, aumento das mamas, câncer de fígado, além de distúrbios psiquiátricos.A campanha nasceu da constatação de que há aumento do uso indiscriminado de produtos e prescrições com testosterona, principal hormônio sexual masculino. “Existe o uso inadvertido com a promessa de performance da juventude para o resto da vida. Ainda não estamos sabendo lidar saudavelmente com o envelhecimento”, explica o endocrinologista Flávio Cadegiani. Ele lembra que, se usado corretamente, a testosterona sintética não costuma causar efeitos colaterais graves.Os mais comuns são redução da fertilidade – por isso, deve ser bem avaliado em homens que estejam tentando ter filhos –, redução do tamanho dos testículos, e alguns sinais no corpo, como queda de cabelo e aumento de crescimento de pelos. O grande problema é quando a pessoa faz uso da substância sem o acompanhamento de um especialista. AVC, trombose, enfarte e irritabilidade são algumas das consequências. “Por isso, todo paciente precisa ser avaliado. Até porque se os níveis de testosterona estiverem normais, o homem provavelmente não terá os benefícios prometidos”, explica.Acostumado a lidar com ansiedade de homens em busca de resultado rápido na musculação, o eduador físico Pedro Henrique Vitoriano de Sousa explica que o professor de educação física tem papel importante na prevenção do uso indiscriminado de esteroides anabolizantes. “Ao ser questionado por alguém que deseja fazer o uso para fins estéticos, o professor deve analisar o contexto no qual esse aluno extraiu o interesse e o que ele sabe sobre o uso dos produtos. A partir disso, ele deve orientar sobre os efeitos negativos da prática sem acompanhamento de um especialista”, destaca.Pedro Henrique reforça que não há como fugir do tripé prática regular de exercícios físicos, boa alimentação e descanso para atingir os objetivos de modo saudável. Segundo dados da SBEM, existe relação do uso de esteroides anabolizantes com a atrofia do volume do cérebro e morte dos neurônios. Além de dependência, o uso dessas drogas pode causar irritabilidade e agressividade, ansiedade, alteração da memória, comportamento sexual de risco, síndrome de abstinência na suspensão da droga e alteração da percepção da imagem corporal.A endocrinologista Fernanda Braga lembra que o uso de esteroide anabólico sempre foi muito alto, mas isso acontecia de uma maneira mais velada. “Nos últimos tempos, ganhou força a ideia de que o corpo atlético e musculoso é uma obrigação estética, sinônimo de saúde, em especial nas redes sociais. Há também a falsa ideia de que o uso dessas substâncias acompanhado por alguns profissionais de saúde é seguro, o que nós sabemos que não é verdade”, explica.Fernanda diz receber com frequência no consultório homens que já usaram esses anabolizantes e as causas são diversas. Os casos mais comuns são buscando ganho de massa muscular e para fins estéticos. Normalmente, homens saudáveis fazem uso da testosterona sintética com o objetivo da melhora do desempenho sexual, aumento de massa muscular e em terapias descritas como antienvelhecimento. “O grande problema é que, apesar dos efeitos estéticos, o uso de anabolizantes causa diversos prejuízos aos órgãos e à saúde masculina, com danos que podem ser irreversíveis”, ressalta.Sinais de alertaFadiga, redução da libido e até do ritmo de crescimento dos pelos da barba podem ser sinais de queda no nível de testosterona. Ele cai naturalmente com a idade – estima-se que cerca de 2% ao ano a partir dos 30 e 40 anos. De forma gradual, não deveria causar problemas, mas a queda pode ser acentuada por certas doenças, tratamentos ou lesões. Os especialistas explicam que a carência de testosterona é chamada hipogonadismo masculino, condição que precisa de avaliação clínica e tratamento especializado.“A prevalência da deficiência dependerá da faixa etária e do peso. Entre pacientes com mais de 70 anos, até 80% têm déficit de testosterona. Só que nem sempre essa população se beneficia da reposição. Entre 50 e 70, há baixa entre 30% e 60% dos casos. Já entre 40 e 50 anos, o déficit de testosterona é encontrado em aproximadamente 20% dos homens”, explica o endocrinologista Flávio Cadegiani. Pacientes com obesidade, mais velhos, e que abusaram de esteroides anabolizantes no passado, estão mais sujeitos ao desenvolvimento da deficiência de testosterona.O diagnóstico é feito com exames de sangue para medir os níveis de testosterona, que podem variar ao longo do mesmo dia. “É necessária a presença de sinais e sintomas para dar início ao diagnóstico, que exige também a realização de exames laboratoriais, com pelo menos duas dosagens. Em algumas situações, é preciso avaliar também a testosterona livre”, explica a endocrinologista Fernanda Braga. Se a deficiência é confirmada, o paciente normalmente é encaminhado a um endocrinologista. No caso de confirmação de diagnóstico de hipogonadismo, o endocrinologista pode oferecer tratamentos com suplementos hormonais sob a forma de tabletes, adesivos, gel e injeções intramusculares.Desreguladores endócrinosO endocrinologista Flávio Cadegiani avalia que há uma epidemia de deficiência de testosterona em homens jovens. Isso, ao lado do aumento do diagnóstico de hipogonadismo e do número de homens idosos e obesos, explicaria o alto no consumo dos derivados sintéticos da testosterona. A causa provável dessa epidemia entre jovens seria os disruptores endócrinos. “São substâncias presentes no ambiente, desde agrotóxicos até sabonetes e potes para armazenar comida, que interferem não só na produção hormonal, mas na formação de glândulas, como os testículos, causando um prejuízo irreversível. Essa é a primeira geração extremamente exposta aos disruptores endócrinos”, avalia. Segundo a Organização Mundial da Saúde, existem cerca de 800 compostos químicos suspeitos de interferir no sistema hormonal e apenas uma pequena fração dessas substâncias foi investigada.-Imagem (Image_1.1855946)-Imagem (Image_1.1855942)