A partir de uma imagem que poderia ser despretensiosa, uma foto aleatória ou um registro feito ao acaso, o cartunista Francisco Rocha, o Rochinha, como era conhecido, tirava arte. Seu olhar, por trás de lentes grossas, mirava o personagem que recriaria em seu traço e produzia desenhos que penetravam na alma da pessoa que servia de modelo, revelando dimensões que não pareciam estar na imagem original, mas que ele conseguia garimpar. Isso fazia seu trabalho ser diferenciado, único, ímpar. Esse talento imenso partiu na segunda-feira (9), vítima de um ataque cardíaco. Ele enfrentava outros problemas de saúde.Rochinha era diabético e estava na fila para um transplante renal. Atualmente, vivia em Porto Alegre, sua cidade natal, de onde, ainda jovem, alçou voos para outras partes do Brasil e do mundo. Primeiro aportou em São Paulo, onde encontrou no jornalismo o lugar do qual expandiria sua arte, ainda que fosse formado em Arquitetura. Trabalhou em redações de veículos de comunicação nacionais, como os jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo e chegou a atuar na Europa, morando um período em Portugal. Por lá, fez trabalhos para meios de comunicação ibéricos, como o jornal espanhol El País.Em Goiás, foi no POPULAR que Rochinha deixou uma marca inesquecível. “O trabalho do Rocha tinha uma sofisticação que ia além, com conteúdo que trazia o olhar dele”, afirma André Rodrigues, editor de Arte do jornal e que o contratou em sua segunda passagem por aqui. “Ele tinha uma capacidade grande de representação de personagens e era um cara culto. Isso possibilitou a ele fazer trabalhos em que a ilustração já era uma visão dele daquela figura, principalmente escritores e políticos. Ele representava bem o personagem com características bem marcantes, mais da personalidade e da própria alma.”, afirma.“Rochinha era um artista de grande talento. Suas caricaturas eram verdadeiras obras de arte”, define a jornalista e professora Rosângela Chaves, ex-editora do caderno Magazine, do POPULAR. “Tive o privilégio de trabalhar com ele. Sempre muito atencioso e dedicado. Fizemos edições memoráveis sobre grandes nomes da literatura, como Drummond, Zola, Dostoiévski, Faulkner, ilustradas por ele. Ele era uma pessoa sensível, gostava muito de ler”, recorda. “Meu primeiro livro, A Capacidade de Julgar - Um Diálogo com Hannah Arendt, traz na capa uma maravilhosa caricatura dele da Hannah Arendt”, salienta.Rochinha gostava de presentear amigos com alguns de seus trabalhos. “Tenho em casa, emoldurada, uma caricatura que ele fez do Faulkner, um dos meus autores preferidos”, revela Rosângela. Ex-companheiro do POPULAR, o também cartunista Mariosan é outro que guarda lembranças preciosas. “Na época em que ele saiu do jornal, eu, limpando algumas gavetas lá, encontrei originais dele. Até falei para ele que estavam comigo na intenção de devolvê-los, mas ele disse: ‘fique com eles, Mariosan’”, relembra. Um desses trabalhos que Mariosan guarda é uma genial caricatura do filósofo francês Jean-Paul Sartre.Outra pessoa ganhou um trabalho feito sob medida. Certa vez, em um evento literário em Goiânia, este repórter entrevistou a escritora Lygia Fagundes Telles. A matéria saiu com ilustração de Rochinha. No dia da publicação, tive a oportunidade de jantar com a escritora na casa da professora Vera Tietzmann, da UFG, e ela já havia visto o jornal. No meio da conversa, Lygia me pediu uma gentileza: “teria como pedir ao artista que fez esta caricatura minha que a enviasse para mim. Achei linda.” Recado dado, Rochinha endereçou o trabalho à autora. Um reconhecimento merecido de seu talento.“Além de ser um excelente profissional, era uma pessoa de princípios, de caráter. Era bom conversar com o Rochinha, era uma enciclopédia ambulante”, elogia o amigo Mariosan. “Ele tinha problemas sérios de saúde. Um irmão o chamou para voltar a morar em Porto Alegre”, conta o cartunista. Isso aconteceu em 2019. “Ele deixa muitas lembranças boas. Tenho na memória o Rochinha, com aquela pasta enorme na qual ele carregava os papéis. Uma figura, é difícil de a gente falar”, complementa. “Um grande profissional”, concorda André Rodrigues. “pena que ele tenha partido tão cedo. Um grande talento”, completa Rosângela.Bom humor e apuro técnicoO chamado Bar do Turquim, no Setor Sul, foi para Rochinha uma confraria de colegas de profissão. “A gente se reunia ali, eu, Rochinha e Mariosan, para falarmos de cartum, de charges”, diz Jorge Braga, chargista dO popular. Ele e Rochinha eram amigos desde o início dos anos 1980 e nesses mais de 40 anos de convívio, Jorge aprendeu a reconhecer as qualidades do companheiro de arte. “Sempre caladão, na dele. Lia muito, uma cultura imensa. Uma paciência no traço que era impressionante. Desenho primoroso. Tinha uma visão de mundo diferente. É o tipo de gente que vai fazer falta. Uma visão mais de coletividade”, aponta.“Ele me ensinou a ter mais paciência. Eu desenhava mais rápido para ter o resultado logo e ele falava para eu ter mais calma. No jornal diário tem De ser mais rápido, mas eu melhorei com as dicas dele”, reconhece. “Sua maior característica era o caráter. Tinha humildade, era bem humorado, perspicaz, percebia tudo rapidamente”, assinala. “Rochinha era um artista de traços delicados e amplos ao mesmo tempo. Produziu cartuns memoráveis e ilustrações que davam vida própria às reportagens. Perdemos um grande artista”, considera a jornalista Cileide Alves, editora-chefe dO POPULAR na época em que Rochina trabalhava no jornal.-Imagem (Image_1.2453451)-Imagem (1.2453488)