Ao caminhar pelas ruas do Centro de Goiânia, olhando as casinhas antigas, sobrados e prédios históricos, a memória viaja e as reflexões são muitas na ardente primavera goiana. Na Rua 5, diversas residências que outrora serviram de morada para os primeiros habitantes da então nova capital de Goiás resistem ao tempo e ajudam a contar parte da história da cidade. Vista por seus traços arquitetônicos, a identidade e cultura goiana está expressa nos pilares, vigas, telhados, portas e janelas de casas.Dos casarões coloniais de cidades como Goiás, Pirenópolis e Catalão, passando pelas residências modernistas de Anápolis até chegar nas casas art déco e de estilo-tipo de Goiânia, diversos modelos residenciais desenham a forma como os goianos habitam suas moradas. Embutidas de varandas e quintais compridos - que posteriormente se tornaram barracões - as residências apresentam as tendências do mundo daquela época.“As casas construídas nas primeiras décadas de existência da capital, entre 1940 e 1960, são a materialização dos ideais daquele período, sendo símbolos de modernidade e inovação”, explica a mestre em Arquitetura e Urbanismo e doutoranda em Construção Civil, Renata Barros. Ao longo dos últimos anos, a pesquisadora participou do levantamento de um inventário desenvolvido pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em parceria com o Instituto de Patrimônio, Histórico e Artístico Nacional (Iphan) das casas históricas que destacam a identidade de Goiás.Dentre as variadas linguagens arquitetônicas edificadas em Goiânia, que também se aplicam a diversas cidades do interior, dois grupos se destacam: as construídas pelo governo e as residências particulares, edificadas pela iniciativa privada. “As casas construídas pelo governo seguiram basicamente os diferentes modelos de casas-tipo, que são estas casas com um padrão estético muito similar, repetidas pela cidade, com esse modelo: alpendre, interior da casa e quintal. Mas tivemos também as residências particulares, construídas seguindo variadas linguagens arquitetônicas como as art déco”, destaca Renata.LivroToda a pesquisa das casas históricas da cidade poderá ser vista agora no livro Arquitetura Residencial em Goiânia: décadas de 1930 e 1970, da pesquisadora Eline Caixeta, doutora em História da Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha, na Espanha. A goiana encabeçou o inventário da arquitetura dos primeiros anos da capital, que será publicado neste ano mediante acordo entre Iphan e a Faculdade de Artes Visuais da UFG.“O livro tem como marco geográfico seu núcleo inicial: Setor Central, Setor Sul e entorno. Ele foi organizado em duas partes: a primeira destinada ao inventário dos bens de interesse e a segunda à leitura da paisagem que envolve os bens inventariados e constituem seu contexto imediato”, revela Eline. Uma das discussões levantadas pela pesquisadora na obra é sobre o papel que a paisagem adquire hoje como elemento conformador do espaço urbano e edificado.Memórias ainda vivas na paisagem de Goiânia e de outras cidades do interior, as casas são patrimônios táteis que revelam parte da história do povo goiano. “A meu ver, esse patrimônio corre um grande risco de desaparecer completamente da paisagem urbana. A percepção e a imaginabilidade desse patrimônio residencial, como parte da memória da cidade, só se dá já a partir do seu agrupamento e da sua dimensão urbana. Por isso, é importante trazer à tona o que normalmente é invisibilizado. Conhecer, reconhecer, valorizar, usufruir e cuidar de bens que hoje são fragmentos de uma história e fazê-los parte da vida”, destaca Eline.Portentosos casarõesO conjunto de casas, monumentos e prédios da cidade de Goiás foi um dos principais motivos que ajudaram na consolidação do título de Patrimônio Cultural Mundial, sob tutela da Unesco. O complexo arquitetônico conserva mais de 90% de sua arquitetura barroco-colonial original, tornando-se, assim, um mostruário do Brasil do século 18 e um dos patrimônios arquitetônicos e culturais mais ricos do País. As casas em terra (adobe, taipa de pilão e pau-a-pique) destacam a técnica vernacular bandeirista, como a antiga morada da artista plástica Goiandira do Couto. De acordo com o Instituto de Patrimônio, Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o caráter primitivo da trama urbana, dos espaços públicos e privados, da escala e da volumetria das edificações vilaboenses são únicas e devem ser preservadas. Outras cidades, como Pirenópolis, Pires do Rio, Cavalcante e Catalão, também compartilham das memórias arquitetônicas de outros tempos.O modernismo que ecoaApesar do pulso e ideais do movimento art déco fundamentais para os primeiros traçados e edifícios públicos de Goiânia, o modernismo arquitetônico marca a chegada de uma nova era de modernidade na cidade e em outros municípios do interior, como Anápolis. “As plantas, modelos estéticos de fachada, material construtivo e até mesmo estrutura das residências modernistas apresentavam novos conceitos baseados na “nova era” de modernização vivida naquele momento. Significando assim, uma completa inovação do modo de morar”, aponta a pesquisadora Renata Barros, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFG.A memória que habitoFazer uma curva no tempo até os anos em que a primeira-dama Dona Gercina Borges promovia bailes e encontros em sua casa é uma das peculiaridades do Museu Pedro Ludovico, localizado no Centro de Goiânia. De portões fechados há um ano por conta da pandemia, o museu-casa ajuda a desvendar a arquitetura e o design de interiores de diversas décadas, entre 1940 e 1980.Todos os objetos, móveis, artigos e a própria arquitetura da residência remetem aos tempos antigos, de quando ainda Pedro Ludovico e Gercina Borges habitavam a casa. Também apresenta a relação do interventor de Goiás com a construção de Goiânia. Em estilo palaciano art déco com detalhes náuticos - como as janelinhas arredondadas - a casa foi construída em 1934, e, anos mais tarde, em 1987, abriu as portas para visitas guiadas.Outro museu-casa que reflete a arquitetura e memória de Goiás, o Museu Casa de Cora, localizado às margens do Rio Vermelho, na cidade de Goiás, convida a um passeio por entre os casarões antigos dos tempos coloniais. A residência da poetisa foi construída no século 18 para abrigar os “recebedores do Quinto Real”, e posteriormente destruída na enchente de 2001 e requalificada nos anos seguintes.O museu está sob gestão da Associação Casa de Cora Coralina, composta por amigos e parentes da poetisa vilaboense. “É como se você embarcasse na memória de Cora Coralina, sua biblioteca, a cozinha em que fazia doces, o guarda-roupa com seus vestidos. É um patrimônio que conta sobre nós, goianos ”, destaca a coordenadora do museu, Marlene Velasco.-Imagem (Image_1.2219675)-Imagem (Image_1.2219655)-Imagem (Image_1.2219667)-Imagem (Image_1.2219656)