“Nós somos a lança da vitória, somos a lâmina da liberdade, nós somos Daomé.” O discurso poderoso da veterana guerreira Nanisca, papel da protagonista e vencedora do Oscar Viola Davis, para sua guarda no trailer de divulgação, direciona o tamanho do desafio que a personagem terá pela frente em A Mulher Rei, que estreia nesta quinta-feira (22) nos cinemas do Brasil. Capitaneado pela diretora Gina Prince-Bythewood (The Old Guard) e com um elenco majoritariamente negro e feminino, o longa vem fazendo bonito ao ficar no topo das bilheterias no primeiro final de semana de exibições nos EUA.Antes mesmo de gravar qualquer cena de luta do filme, Viola Davis batalhou durante seis anos para conseguir tirar o projeto do papel. Além da importância de trazer o reconhecimento para um grupo de guerrilha pouco citado na literatura, a atriz utilizou o currículo para convencer Hollywood da urgência da trama e do eventual retorno financeiro do épico histórico. Ela é a única mulher afro-americana a vencer um Oscar (atriz coadjuvante, em 2016, pela adaptação de Denzel Washington para Um Limite entre Nós), um Tony (por Rei Hedley II) e um Emmy (pela série How To Get Away With Murder).Claro que os sucessos de crítica e de arrecadação de Pantera Negra (vencedor de três Oscars) e de Mulher-Maravilha, por exemplo, contaram bastante a favor para que A Mulher Rei virasse realidade. Desde 2018, são vários os estúdios que têm bancado projetos que seguem essa linha de filmes que retratam o empoderamento feminino ou a representatividade negra nos cinemas. O filme da cineasta Gina Prince-Bythewood bebe dessas pautas como o racismo, a escravidão e também discute machismo, abuso sexual e o papel da mulher na sociedade sem deixar de lado sequências de ação de tirar o fôlego.Aos 57 anos, Viola precisou encarar uma rotina pesada de treinos para se aventurar como líder de um grupo de guerrilheiras que integram a defesa do reinado de Daomé (atual Benin), na África Ocidental do século 19. Apesar dos efeitos especiais, tudo é muito humanizado, já que ela não dispõe de superpoderes como de Carol Danvers, a Capitã Marvel (Brie Larson). Nanisca está mais para William Wallace (Mel Gibson) de Coração Valente (1995) ou Aragorn (Viggo Mortensen) de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003) quando inflama pelo discurso e impressiona pela facilidade de matar.Nanisca faz parte das temidas guerreiras Ahosi que foram treinadas em combate de guerra corpo a corpo, lanças, facões, armas de fogo e para sobreviver em condições hostis. O grupo não só existiu como foi um dos exércitos mais prósperos do continente africano durante as incursões coloniais europeias. Essas mulheres lograram tantas vitórias que ficaram conhecidas por seus inimigos como “amazonas” por terem fama de decapitar seus prisioneiros de guerra. Elas foram inspiração também para o premiado Pantera Negra (2018), já que as Dora Milaje, as forças especiais de Wakanda, foram baseadas nelas.Além de Viola, premiada com o Oscar de coadjuvante por Um Limite entre Nós (2016) e que visitou o Brasil para a divulgação do filme, John Boyega, da franquia Star Wars, que vive o rei Ghezo, é outra estrela do elenco. Outros destaques são Lashana Lynch (007: Sem Tempo para Morrer e Capitã Marvel) que faz a tenente destemida Izogie, que é encarregada de treinar as novas recrutas, Sheila Atim que na trama é Amenza, braço direito de Nanisca, confidente e líder religiosa feminina, e Thuso Mbedu (The Underground Railroad), que é a jovem Nawi na produção que custou mais de R$ 260 milhões.TramaAmbientada em 1823, a trama mostra como viviam e agiam as Ahosi, comandadas pela general Nanisca para proteger o reino de Daomé de grupos rivais e de ameaças estrangeiras, principalmente de traficantes de escravos. O Brasil é citado como um dos principais mercados escravagistas do mundo, tanto que nos primeiros minutos do longa dois estrangeiros falam um idioma que dispensa legendas. Ao mesmo tempo, elas recebem recrutas, caso da jovem Nawi, que quis fazer parte do grupo de guerreiras após ser abandonada pelo pai e recusar a se casar com os pretendentes que lhe ofereceram.Disposta a mostrar o seu valor, Nawi se esforça durante o árduo treinamento para fazer parte do universo das Ahosi que são objeto de respeito e admiração. Todos se curvam perante elas que não podem ser olhadas nos olhos, assim como casamento e filhos também estão fora de questão para quem deseja fazer parte desse grupo. Nanisca, além de ser um exemplo de admiração às novatas, é a conselheira do rei Ghezo em questões envolvendo a proteção do seu povo. Essa defesa vai combater os colonizadores franceses, tribos rivais e todos aqueles que tentaram escravizar os africanos e destruir suas terras. Grande desafioMuito mais que conquistas de estatuetas de Melhor Figurino, Maquiagem, roteiro, direção ou atriz no circuito de premiações que A Mulher Rei fará em 2023, Viola Davis quer ver o longa digno de um filme de herói nas bilheterias e por isso ela vem fazendo uma turnê pelo mundo para divulgar o título. A atriz chegou no Brasil no domingo, participou de inúmeras entrevistas, da pré-estreia e aproveitou para chamar todo mundo para o cinema. "Esse filme precisa fazer dinheiro, e isso me deixa tensa. Se não fizer, o que isso vai significar? Que mulheres negras não podem liderar as bilheterias mundiais. É isso. Ponto", disse em entrevista à Folha de São Paulo.“Não é assim que funciona para filmes brancos. Se um deles falha, fazem outro igual. Por isso, tudo se resume às pessoas que vão ao cinema, não a mim ou ao meu trabalho. Eu não quero que venham por causa do impacto cultural que ele tem por ser negro, mas porque ele entretém como qualquer outro. Estou 150% certa de que fará dinheiro – mas, se não fizer, aí adivinha só: não nos verão mais. Essa é a verdade. Queria que fosse diferente”, completou a atriz. Apenas como comparativo, Pantera Negra fez US$ 1,3 bilhão e Mulher-Maravilha arrecadou mais de 820 milhões de dólares em bilheteria. A luta de Nanisca será dentro e fora das telonas. Sim, é possível.