Ainda em março, Rafael Fleury, tatuador e proprietário do estúdio Outside Tattoo, iniciou uma reforma para se adequar às exigências do novo momento, visando melhor circulação de ar e limpeza. O local já atendia às exigências da vigilância sanitária, como a de passar um termo de consentimento para todos os clientes. “Acrescentamos questões nesse termo, como a pergunta se a pessoa trabalha na área da saúde”, diz. “Esse é um fator importante, porque a tatuagem é um ferimento exposto que pode provocar infecções. Além disso, se a pessoa tem contato direto com pacientes infectados, vai nos colocar em uma posição delicada”, explica.Trabalham no estúdio de Rafael quatro profissionais, dos quais três tatuadores e uma pessoa no atendimento aos clientes. Antes, os atendimentos de cada tatuador no estúdio aconteciam de forma simultânea; agora, só é permitido um de cada vez recebendo um cliente. “Temos tido uma procura significativa, o que nos surpreendeu. Mesmo que não haja uma queda na demanda, estamos priorizando pessoas que já fizeram conosco”, diz. Os períodos sem tatuar têm crescido, com intervalos de dois a três dias. “Estamos pensando na segurança tanto dos clientes quanto a nossa. Eu tenho criança em casa, por exemplo, o que pode ser um problema”, explica. Agora, com a paralisação durante 14 dias acompanhando o fechamento do comércio não essencial, o tatuador vai aproveitar para realizar outro teste de Covid-19 para assegurar o retorno.Para auxiliar nas alterações de protocolos e adaptações sanitárias, Rafael tem se baseado em materiais de outras áreas. “Procuro me apoiar na área científica. Por eu ser professor universitário, tive acesso a um material de protocolo que dentistas elaboraram para reforçar as práticas de biossegurança. Existem algumas similaridades nos cuidados das áreas.” A ideia de elaborar um manual de boas práticas voltado para a sua área já existia; agora, está trabalhando na criação de um material que também reforça os riscos de saúde causados pela pandemia. Os exemplos de outros países, que já estão normalizando as atividades, também têm sido absorvidos pelo profissional. “Eu viajo muito com o meu trabalho; então, tenho contato com tatuadores do mundo todo. Tenho tentado pegar as experiências desses locais.”Durante o período em que não estava permitida a abertura do local, o tatuador e os profissionais que trabalham ao seu lado viveram momentos de insegurança. “No dia 18 de março, tivemos de paralisar tudo e esperar para ver o que aconteceria. Houve aquela proposta por parte do município, que alguns CNPJs estariam liberados para o retorno de atividades, mas o nosso ainda não se enquadrava”, relembra. “Ficamos sem perspectivas, acumulando dívidas, aluguel e tudo mais. Isso mexe com o emocional também.”“Antes de cada sessão, eu passava uma série de recomendações para o cliente. Agora, exigências cresceram ainda mais”, explica Juliana Cruvinel, assistente. Por ser responsável por todo o contato com o cliente até o momento em que ele chega no estúdio, ela tem observado que grande parte dos que estão procurando o local pela primeira vez nos últimos meses transparece estar agindo por impulso. “As pessoas estão muito em casa e buscando na tatuagem não só uma maneira de espairecer, mas também de marcar esse momento que estão vivendo. É uma questão que preocupa a gente”, diz.A maneira de passar informações e auxiliar no processo de decisão tem sido a maior preocupação do momento. “Muita gente faz a primeira tatuagem da vida conosco, e tento introduzir esse universo com o máximo de informação. É também meu papel incentivar a reflexão antes de realizar uma modificação corporal”, explica. O estúdio sempre funcionou com hora marcada, o que cria uma espera em que ideias podem amadurecer. Juliana frisa que a impulsividade na hora de se tatuar não é incentivada por provocar arrependimentos. “Não julgo desenho nem motivação, mas grande parte das más experiências vêm da impulsividade. Agora, esse tempo de reflexão e para se informar ficou ainda maior.”