“Quero viver uma vida inteira enquanto eu respirar”, diz a enfermeira aposentada Tânia Cristina Barboza, de 54 anos, paciente com câncer em cuidados paliativos. Atualmente, ela está no quarto protocolo de quimioterapia desde que descobriu a metástase cerebral e pulmonar em meados de setembro de 2020. Entre 2018 e 2019, Tânia passou pelo tratamento de câncer de mama com quimioterapia, retirada total da mama com reconstrução e radioterapia. “Fiquei curada do câncer de mama. Não tinha mais nada, graças a Deus”, lembra.As fortes dores de cabeça que apresentou em 2020 acendeu o alerta do oncologista, que solicitou os exames de imagem que apontaram as metástases. “Como o terceiro ciclo de quimioterapia não resolveu, já que o nódulo do pulmão aumentou, comecei o quarto ciclo e entrei nos cuidados paliativos. Mas isso não é uma sentença de morte. É importante as pessoas entenderem que esses cuidados existem para propiciar conforto e dignidade ao tratamento e melhorar qualidade de vida do paciente, além de dar suporte para a família”, explica.A postura de Tânia diante do seu diagnóstico contou com algumas ajudinhas especiais. “A partir do momento que a psicóloga veio conversar comigo eu fiquei extremamente aliviada. Eu já tinha ouvido falar sobre os cuidados paliativos mas nunca experienciei, mesmo sendo profissional da saúde”, conta. “Foi um aconchego em um momento muito difícil. O câncer não cursa em caminhos lineares e a equipe toda, que vai de médico e assistente social a técnicos de enfermagem e psicólogos, está ali para te atender em um momento de baixa, mas também para te estimular”, diz.A frase inicial proferida por Tânia é parafraseada da jornalista Ana Michelle Soares, paciente de câncer de mama desde 2011 e “paliativista de coração”, como costuma dizer. Ela é criadora do perfil @paliativas no Instagram e autora do livro Enquanto eu Respirar (2019), onde divide de forma honesta e visceral como é ter a consciência de que não há possibilidade de cura para o seu caso e como o contato com a morte transformou para sempre a sua maneira de enxergar a vida.“Em momento algum é feita uma sentença de morte, mas também não se romantiza a dor. Os cuidados paliativos promovem alívio para essas dores, náuseas, tristeza, falta de apetite e incertezas. Por mais fé que a pessoa tenha, as incertezas aparecem e é preciso confiar no profissional que sabe quando agir e como amparar o paciente e a família dele”, diz Tânia. “Somos convidados a levar uma vida normal dentro das nossas limitações. Estamos vivendo uma situação difícil, mas a gente não está morto, está vivo. Os cuidados paliativos promovem essa melhora das oscilações”, aponta.Amparo e cuidadoO último boletim divulgado pelo Hospital Albert Einstein sobre a situação de saúde do ex-jogador de futebol Pelé data da última segunda-feira (12) e diz que ele segue em evolução gradual. Pelé está internado desde o dia 29 de novembro, em São Paulo, para uma "reavaliação da terapia quimioterápica do tumor de cólon, identificado em setembro de 2021", segundo a equipe do hospital. No início desse ano, ele foi diagnosticado com metástase no intestino, fígado e pulmão. Em dezembro, foi anunciado que o ex-atleta deixou de responder à quimioterapia e passou a receber cuidados paliativos.“Os cuidados paliativos são uma abordagem de cuidado cujo principal objetivo é aumentar a qualidade de vida dos pacientes e dos seus familiares que possuem uma doença ameaçadora da vida”, explica Débora Carneiro de Lima, médica intensivista, paliativista e coordenadora de Práticas Médicas do Einstein/HMAP. “Essa abordagem tem também como objetivo amenizar os sofrimentos, pensando que nós, seres humanos, precisamos de cuidados do conjunto de sofrimentos físicos, psicossociais e espirituais”, completa. Os cuidados paliativos envolvem, portanto, um conjunto de intervenções terapêuticas, diagnósticas e assistenciais.Pensando em toda essa complexidade, ela destaca que essa abordagem de cuidado deve ser feita sempre em equipe multiprofissional, entendendo que médico, enfermeiro, fisioterapeuta, assistente social, nutricionista, dentista, psicólogo e demais profissionais irão conseguir agregar valor no cuidado do paciente. A recomendação de iniciar esse tipo de cuidado é desde o início do diagnóstico, segundo a especialista. “Estamos falando de doenças ameaçadoras da vida. Para um paciente diagnosticado com um câncer recentemente, por exemplo, o ideal é que o cuidado paliativo entre o quanto antes, junto da atuação do oncologista, entendendo que esse profissional entra com o tratamento modificador da doença e o paliativista entra pensando além da doença, pensando na pessoa que está ali”, diz.“Esse tipo de assistência deve ser prestada desde o diagnóstico de uma doença grave, seja ela aguda ou crônica, e ameaçadora da vida. As pessoas associam o cuidado paliativo aos cuidados no fim da vida, e na verdade, esse cuidado é apenas uma parte. Quando se fala de cuidado paliativo, se fala de tempo, que é o melhor amigo nesses casos”, diz a psicóloga do Hemolabor, Thalita Soares Agati. “Quanto mais precoce for a abordagem ao paciente e à família, mais é possível desmistificar o conceito”, completa.O acolhimento familiar é um dos pontos fundamentais quando se trata de cuidados paliativos. “A família é a extensão do paciente. É importante trazer a família para dentro do hospital, organizar a logística de visita, a troca de acompanhantes para que todos possam participar desse momento do paciente, promovendo intervenções também para possível luto antecipatório”, explica a psicóloga.A médica paliativista explica que existem quatro componentes fundamentais em uma equipe voltada para essa abordagem de cuidado: um médico, que irá prescrever medicamentos que aliviem os sintomas, um enfermeiro, que irá lidar mais diretamente com o dia a dia do paciente, o psicólogo, que irá acompanhar o estado psíquico de paciente e familiares, e o assistente social. Este último está muito ligado à rede de apoio do paliativista. “Quando um paciente é internado, ele possui toda uma vida social que ele deixa lá fora. É fundamental entender como ele se sustenta, como a família fica se ele for o principal provedor, etc”, diz.O tema esbarra em questões ainda vistas como tabu na nossa sociedade, como o luto e a morte, culminando em restrições quanto ao assunto. “É preciso desmistificar o tema, como foi essa questão do Pelé, que ajudou a colocar esse assunto em evidência e informar muitas pessoas que tinham dúvidas sobre ele”, aponta Thalita. Já Débora destaca que grande parte da falta de compreensão sobre o assunto está na falta de preparo dos próprios profissionais. “Hoje, infelizmente, apenas 10% dos hospitais brasileiros possuem equipes de cuidados paliativos. Na maioria das faculdades não se ensina sobre. Entendo como um assunto urgente que, inclusive, está tramitando para que seja oferecido pelo SUS”, diz.