É impossível falar sobre o gênero documentário sem citar Eduardo Coutinho, cineasta que fazia cinema de conversa, de palavra filmada, de encontro – como definiu, na retrospectiva dedicada a ele, em 2003, o Centro Cultural Banco do Brasil. É que o paulistano queria proximidade, silêncio, olho no olho. Há muito dos ensinamentos de Coutinho na trajetória do jornalista gaúcho Caco Schmitt, um andarilho que está sempre em busca de boas histórias. Em seu novo projeto, ele mergulha no Cerrado na intenção de contar quem foram os primeiros moradores do Entorno do Distrito Federal. Para isso, adentra Goiás, resgata memórias, filma as belezas do Planalto Central e mostra uma Brasília sexagenária.Batizado Memória Viva, Eco-História do Planalto Central, o documentário começou a ser gravado na semana passada, em Pirenópolis, e deve ficar pronto em janeiro de 2020. Nos próximos 30 dias, a equipe vai passar ainda por Corumbá de Goiás, Formosa, Planaltina, Luziânia, Goiânia e Brasília, onde vão colher depoimentos de pesquisadores, entrevistar historiadores e, é claro, ouvir relatos de quem chegou no Cerrado há muito tempo. “A ideia é contextualizar a história do Cerrado, falar sobre o risco de extinção do bioma e tentar entender suas transformações, sempre sob o olhar de quem nasceu aqui”, explica Schmitt, que é gaúcho, mas viveu por quase dez anos no Distrito Federal.O papel de protagonista foi dado aos descendentes dos primeiros habitantes da região do Entorno de Brasília, como indígenas, quilombolas, bandeirantes e criadores de gado. “Gente que desbravou o sertão central do continente, que descobriu ouro em Pirenópolis, Corumbá de Goiás e Luziânia, vivenciou o primeiro ciclo econômico da região e forçou a abertura de estradas no período colonial”, diz o jornalista. Para inserir uma visão mais racional ao documentário, Schmitt também conversa com nomes como o antropólogo Altair Sales, fundador do Memorial do Cerrado, e o biólogo Bráulio Dias, ex-secretário Nacional de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente.Construção didáticaO documentário será dividido em cinco capítulos, de 25 minutos cada, o que transformará o material numa websérie, posteriormente veiculada na internet e em emissoras públicas de televisão, e será distribuída na rede pública de educação. “A divisão foi feita de maneira clássica. Começamos apresentando o bioma Cerrado, tendo por base principalmente a obra do Paulo Bertran (economista e historiador anapolino que se dedicou ao estudo da região central do Brasil). Depois, vamos falar sobre a chegada do homem branco (bandeirante) e a descoberta do ouro, da ruralização da economia e da formação do patrimônio histórico”, adianta Schmitt.O último episódio vai focar na conexão entre a nova geração de brasilienses e o Distrito Federal. “Os mais jovens desconhecem a ligação que a cidade tem com o entorno e com o próprio Cerrado – hoje ameaçado de extinção. Queremos mostrar a importância de se preservar e ressignificar o bioma, consequentemente o passado, e o modo de vida extrativista de produzir sem destruir”, comenta o diretor. Por critério de organização, Schmitt decidiu trabalhar num raio de 150 quilômetros de Brasília, o que facilitou a busca por histórias ligadas ao choque cultural da civilização afro-euro-americana e a posterior conclusão de que o Planalto Central não era mais um sertão incomunicável.Schmitt lembra que a vontade de falar sobre o Planalto Central nasceu logo no seu primeiro contato com o Instituto Latinoamerica, organização da sociedade civil de interesse público responsável pela realização da websérie, feita com verba da Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania. “Trabalhei com eles produzindo um documentário sobre o patrimônio da Unesco no Brasil e outro sobre o significado da viola para os goianos e os matogrossenses. Da parceria veio a ânsia de conhecer de perto a memória afetiva guardada nas casas, igrejas e ruas das cidades no coração do Brasil”, conta Schmitt.-Imagem (Image_1.1865794)