Passar horas rolando a linha do tempo, assistir a incontáveis stories, acompanhar o bombardeio de notícias, responder mensagens de amigos e de trabalho que nunca param de chegar. Às vezes, o movimento é apenas o de desbloquear a tela do celular e bloquear em seguida – uma versão atualizada do abrir a geladeira para pensar. O uso do smartphone na rotina vai de ferramenta de trabalho a válvula de escape nas horas livres. Com o início da quarentena, o aumento do tempo ocioso culminou em uma crescente de consumo de conteúdos na internet, e os impactos já podem ser sentidos e seus efeitos vêm se tornando temas de discussões e estudos.“Eu sempre usei muito o celular, viciada em redes sociais mesmo. Quando a quarentena começou, passei a ficar o dia todo em casa. Isso significou passar o dia todo no celular também”, conta a estudante de gastronomia Huganna Avelar, de 28 anos. Logo nas primeiras semanas de isolamento social, ela decidiu passar menos tempo nas redes sociais. “Percebi que eu poderia fazer tanta coisa com esse tempo gasto, que não deu para continuar assim. Passei a deixar o celular mais de lado”, explica.De início, Huganna chegou a excluir aplicativos que consumiam a maior parte do seu dia. “Mas depois entendi que não precisava ficar sem para diminuir o consumo deles. Foi um processo, que iniciei há quase um mês, mas está dando certo.” Por intermédio de um relatório semanal gerado por um sistema do seu smartphone, ela consegue acompanhar o seu progresso. “O último relatório chegou na segunda-feira. Consegui diminuir em 31% o tempo de uso”, comemora a estudante, que diz não sentir mais tanta vontade de estar o tempo todo conectada.O período da quarentena devido à pandemia do novo coronavírus foi o maior incentivo para Huganna iniciar o processo de diminuir o tempo no celular, algo que ela desejava há algum tempo. “As redes sociais mexem muito com o nosso psicológico e eu me sentia muito refém de algo que, agora, entendi ser tão pequeno. Minha prioridade está sendo a saúde física e mental, aproveitar esse tempo para cuidar de mim e me divertir de outras formas”, aponta. Agora que tem o tempo livre também de redes sociais, aproveita para praticar ioga, assistir a séries e filmes. “Não me arrependo, está sendo muito bom para mim. Minha meta é o uso esporádico do celular, diminuir até que não faça mais parte da minha rotina como fazia antes”, revela.Só a trabalhoO início do isolamento social foi decisivo para que a empresária Alice Maia, de 32 anos, também diminuísse a frequência com que fica com o smartphone em mãos. Ela trabalha com a produção e venda de pães e bolos artesanais e funcionais exclusivamente de forma on-line e, durante três dias na semana, que correspondem ao período de produção, se dedica de forma intensa à comunicação com os clientes por meio do celular. Apesar de passar o horário de expediente totalmente conectada, de uma coisa ela não abre mão: ao anoitecer, Alice se desliga completamente do mundo virtual, coloca o celular em modo avião e passa a se conectar com a vida pessoal.“Eu percebi que poderia dedicar o meu tempo livre, que está maior, a minha vida pessoal, minha saúde, minha casa. Nesse processo, passei a cuidar melhor da minha alimentação, li mais, pratiquei mais atividades físicas”, destaca Alice. Ela maneja a rotina de forma que as redes sociais fiquem voltadas para o profissional, que já toma muito de seu tempo. “Esse limite vale também para os clientes. Tem o momento certo de atendê-los e essa compreensão por parte deles é fundamental”, explica.Ela, que mora com o marido, cinco gatos e um cachorro, diz que nunca foi uma pessoa de manter longas conversas por meio de aplicativos de mensagens, algo que a quarentena acentuou. “Minha mãe até acha ruim. Mas, ao final do dia e expediente, eu simplesmente me desconecto. Já estou cansada e zonza de tanto olhar para o celular. Não tenho vontade alguma de continuar com ele nas mãos, preciso respirar outra coisa”, ressalta. Quando o dia seguinte começa, Alice tenta não ligar o celular de imediato; primeiro toma café da manhã com tranquilidade, pratica ioga e meditação e, só então, vai checar as mensagens.Ao encontrar uma forma de equilibrar o uso do celular em sua rotina, sem que a sobrecarregasse mentalmente, a empresária conseguiu se dedicar mais à parte criativa das receitas. “Nessa quarentena posso deixar fluir mais o momento de criação e compartilhar essas receitas com mais pessoas. Estou tendo um retorno muito bom com isso”, explica. Nos outros dias em que não está em produção, Alice tenta fazer das redes do seu negócio um espaço de conexão com os clientes que vai além das vendas. “Revelo um pouco do meu dia a dia, mas de maneira bem leve e sem cobranças”, completa.