Desde pequena, a advogada Fernanda Gomes Leite, 42, lutava contra a balança. Remédios e todos os tipos de dietas malucas anunciadas que poderiam ajudar no emagrecimento faziam parte da sua rotina. Depois de um tempo, ela não conseguia perder ou manter o peso e chegou aos 102 kg. Na época, aos 27 anos, decidiu fazer a cirurgia bariátrica (redução do estômago) e eliminou 42 kg. “Não estava suportando mais aquela situação. Estava vivendo o efeito sanfona, emagrecia e engordava até que perdi o controle. Além disso, fiquei viciada nos medicamentos e não tinha nenhuma qualidade de vida”, lembra.A batalha de Fernanda contra a obesidade faz parte de um quadro preocupante no Brasil. O último relatório divulgado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 22% da população adulta está obesa e esse número deve seguir crescendo até 2030, com previsão de chegar a 30%. No mundo, no mesmo período, essa deve ser a realidade para mais de 1 bilhão de pessoas. A condição é calculada por meio do IMC (índice de massa corporal), que consiste na divisão do peso pela altura ao quadrado. Quando o resultado fica entre 25 e 30, considera-se que há sobrepeso.A obesidade pode ter uma predisposição tanto genética quanto biológica. É uma doença que, quando não tratada e remediada, pode desenvolver diversos outros problemas no organismo que levam a complicações no sistema respiratório, doenças cardiovasculares e problemas nos ossos e músculos, além de alterações hormonais. Diabetes, hipertensão arterial, enfarte, acidente vascular cerebral, câncer, impotência sexual, artrose, apneia do sono, asma, gordura no fígado e aumento de colesterol estão atrelados ao sobrepeso. A condição ainda pode desencadear depressão e psicopatia.“Trata-se de uma doença crônica, progressiva, de difícil tratamento e, que, infelizmente, não tem cura. É uma condição muito grave e quando ela não é tratada abre portas para todas essas outras doenças biológicas e psicológicas. Além de tudo isso, o sobrepeso está ligado à morte precoce, porque leva a problemas sociais e físicos”, alerta o cirurgião gastrointestinal Leonardo Porto Sebba, que lembra que quando o IMC for acima de 40 trata-se de obesidade mórbida, ou seja, caso suscetível a várias enfermidades.Leia também- Cirurgia pode curar 90% dos pacientes com diabetes tipo 2, diz médico goiano- Veja a importância dos bons hábitos na combate à hipertensãoO especialista explica que está enganado quem pensa que a obesidade está ligada apenas à falta de exercício físico e a uma má alimentação. “Muitas pessoas imaginam que perder peso é simplesmente fechar a boca e fazer uma caminhada. Se fosse simples assim, tenho certeza que milhões não estariam obesos. É uma doença multifatorial, não o resultado de um simples desleixo, afinal ela não ocorre de um dia para o outro. O tratamento é muito difícil. É necessário sim uma mudança de hábitos, às vezes o uso de alguma medicação, mas, infelizmente, nem sempre isso é o suficiente”, diz Leonardo Porto.BariátricaFoi o caso da advogada Fernanda Gomes que procurou a cirurgia de redução de estômago como último recurso quando já não estava conseguindo perder peso. “Hoje sabemos que o melhor tratamento para quem sofre de obesidade avançada é a bariátrica porque ela mexe na questão física e também metabólica. O procedimento faz com que o paciente se sinta satisfeito com menos comida, tenha saciedade precoce e estimula o pâncreas para produzir mais insulina, o que ajuda a controlar a diabetes. No entanto, logo após a intervenção, é preciso uma mudança de hábitos”, reforça Leonardo.Apesar das dietas e remédios, antes da cirurgia, Fernanda Gomes era sedentária, que é uma das principais causas da obesidade. Ela conta que não tinha coragem de ir à academia naquela época porque as “pessoas têm muito preconceito com quem está acima do peso nesse tipo de espaço onde quase todo mundo está sarado”. “Achava que todo mundo ia ficar olhando para mim e fiquei com vergonha de treinar”, recorda-se. Depois da bariátrica, ela incluiu os treinos três vezes por semana. “Quando exagero na alimentação, corro atrás do prejuízo”, brinca.Esse tipo de cirurgia, segundo a cirurgiã bariátrica Mayse Meireles de Azevedo Coutinho, não pode ser encarada como uma fórmula mágica. Ela lembra que o procedimento é indicado para paciente obeso, que esteja há mais de dois anos em tratamento sem resultados, tenha entre 18 e 65 anos com IMC igual ou acima de 35kg/m2 e que apresente outras comorbidades, como hipertensão ou diabetes. “Com menos de 16 anos, exceto em casos de doenças genéticas, os riscos devem ser analisados por dois cirurgiões. Pacientes acima de 65 devem ser avaliados individualmente de acordo com risco cirúrgico”, completa.A especialista lembra que, como qualquer outra cirurgia, a bariátrica apresenta riscos e que é por isso que é importante fazer um pré-operatório com profissionais que entendam sobre o procedimento. “A contraindicação é quando o risco cirúrgico é elevado e que traga um malefício maior do que os benefícios da perda de peso, além de limitação intelectual significativa, paciente sem suporte familiar adequado, tratamento psiquiátrico não controlado, incluindo abuso de álcool e uso de drogas ilícitas e algumas doenças genéticas”, avisa Mayse Meireles. A literatura médica relata baixíssimos riscos de óbito.GatilhosA explicação para a dificuldade de emagrecer não passa pelo estômago. Isso porque a vontade de comer pode também estar ligada ao emocional. Casos de ansiedade, de tristeza e de estresse podem ser gatilhos para fazer aquela refeição sem fome. Especialistas afirmam que a emoção é um dos sabotadores mais comuns entre os obesos. Qualquer sentimento, seja tristeza, felicidade, raiva, frustração, preocupação ou medo, incentivam o alívio por um prato de comida. Para não cair nessas armadilhas, é preciso reprogramar a mente e conquistar uma rotina saudável, com uma alimentação balanceada e acréscimo de atividade física regular.“A perda de peso depende de um conjunto de fatores que englobam a genética, ou seja, o metabolismo de cada organismo, além de problemas hormonais e hábitos de vida. Na nossa sociedade, a correria em que vivemos contribui para comermos mal e também pode gerar ansiedade e fazer com que a pessoa se exceda na alimentação”, lembra Mayse Meireles. A pandemia também foi um gatilho. A advogada Fernanda Gomes, por exemplo, engordou 10 kg. “Foi o maior peso desde a bariátrica, mas consegui voltar aos 62 novamente com uma dieta”, comenta.Combate na infânciaNão é de hoje, mas muitas pesquisas apontam que o combate à obesidade precisa ser feito na infância. A estimativa é que 6,4 milhões de crianças tenham excesso de peso no Brasil e 3,1 milhões já evoluíram para obesidade. Os pequenos podem correr riscos de desenvolverem doenças nas articulações e nos ossos, diabetes e doenças cardíacas, além de depressão e perseguições com bullying. Para evitar, é essencial que a introdução alimentar seja feita no período correto (a partir dos 6 meses, após o período de aleitamento materno exclusivo) e com os alimentos balanceados. Os salgadinhos, refrigerantes, biscoitos recheados devem sair de cena e dar mais espaço para arroz, feijão, legumes e frutas. “Infelizmente, os jovens estão se tornando adultos doentes”, lamenta Leonardo Porto.