Não foram poucas as vezes que a psicóloga e especialista em gestão de pessoas Anna Carolina Moraes viu candidatos a vagas de emprego serem eliminados por uma questão básica: a falta de domínio da língua portuguesa. Tropeços gramaticais e ortográficos costumam ser motivo de eliminação de seleção para vagas de emprego e até mesmo demissão. “A realidade é que ter português bom deve ser independente do cargo. Algumas empresas consideram a língua um quesito eliminador até para vagas operacionais, como motorista, pois querem um condutor que fale corretamente”, explica.Deslizes na língua são o item que mais desclassifica candidatos a vagas de emprego em qualquer fase da seleção, seja na análise de currículo, em testes ou nas entrevistas. “Os candidatos precisam ter certa dose de bom senso para reconhecer que têm problemas na área, pois os recrutadores não costumam dar esse retorno. Dependendo da situação, se há erro de português no e-mail ou no currículo, a pessoa já é eliminada. Em outros casos, quando há redação, o candidato é apenas informado de que não foi para a próxima etapa. Se perceber que pode ter problemas com o português, o ideal é correr para estudar e praticar”, aconselha a especialista.Um dos maiores equívocos das pessoas é acreditar que estudar português é sinônimo de decorar regrinhas ortográficas. “Isso ocorre, infelizmente, pelo sistema educacional brasileiro, que é muito ruim, que entende que a alfabetização é a capacidade de ler, de maneira superficial, e memorizar algumas regras de ortografia. Particularmente, faço uma crítica ao sistema educacional brasileiro, a forma como ele convida o brasileiro a ver o professor de português”, explica o professor de língua portuguesa e redação Carlos André, autor dos livros A Nova Ortografia da Língua Portuguesa e Na Ponta da Língua, ambos editados pela Kelps.Para ele, é preciso, imediatamente, mudar a imagem do professor de língua portuguesa e torná-lo alguém responsável por fazer as pessoas, além de saberem regras gráficas, dominarem a estrutura das frases, escreverem aquilo que elas querem efetivamente expressar, evitarem as ambiguidades, além de praticarem a escrita com concisão, clareza e correção gramatical. “Estudar português é conseguir materializar melhor o pensamento”, ressalta.Coordenadora de Língua Portuguesa do Colégio Agostiniano, a professora Andreia de Melo Cunha explica que as regras da gramática normativa são parte do estudo da língua portuguesa, não o seu objeto último.“Seu estudo é um recurso auxiliar dentro do enorme desafio que é o desenvolvimento da competência comunicativa. O ensino-aprendizagem da gramática, sobretudo das regras de ortografia, continua tendo validade, não se trata de abandoná-lo, mas é preciso compreender que ele é um instrumento auxiliar para que as pessoas reflitam sobre a língua e amadureçam um percurso de apropriação da leitura e da escrita”, destaca.No mercado de trabalho, a correção no idioma é levada em conta em todos os tipos de cargos, mas é ainda mais central para cargos de chefia e aqueles que envolvem contato com o público. As principais falhas são os chamados erros estruturais do texto, ligados à falta de pontuação e de concordância, que causam ambiguidade.“Esses desvios criam um transtorno para quem vai ler o texto. A pessoa que vai ler às vezes tem de ligar para perguntar o que a que escreveu quis dizer. É fundamental observar que a falta de coesão, que está ligada ao erro estrutural, aliada a outro aspecto - a falta de concisão, é bastante ruim. Hoje o mundo é muito ativo, as pessoas tendem a ter pouco tempo para ler mensagens; então, é preciso ter concisão e coesão”, explica o professor Carlos André.Por essas e outras, o estudo da língua portuguesa passou a fazer parte do cotidiano da advogada Helma Faria Corrêa, de 44 anos. Ela chegou a se matricular em um curso para se aperfeiçoar. “Acho curioso que muita gente valoriza o domínio de uma língua estrangeira, mas não prioriza o português, que é o básico. As pessoas sabem que é importante, mas deixam sempre em segundo plano”, conta. Helma destaca que o uso correto da língua portuguesa ser crucial em sua profissão.Bicho-papão das seleçõesPara muitos estudantes e concurseiros, a prova de redação costuma ser considerada um verdadeiro bicho-papão. A redação mobiliza as atenções da maioria dos candidatos a uma vaga. O professor de língua portuguesa e redação Carlos André explica que a primeira atitude é entender o gênero textual que está sendo cobrado, como, por exemplo, se é uma dissertação ou um artigo de opinião. É preciso entender quais são os critérios daquele texto.Importante observar que não necessariamente quem escreve bem uma poesia vai escrever bem uma dissertação, um artigo de opinião ou uma notícia. “Em segundo plano, é preciso entender a parte estrutural de um texto – ter coesão, dominar a pontuação, os pronomes, dominar a posição dos elementos na frase para que não haja ambiguidade”, explica. Por último, é fundamental conhecer, de fato, sobre o assunto que você está escrevendo. “Não adianta dominar o gênero textual e ter boa estrutura gramatical sem saber exatamente do que está falando”, ensina.A professora Andreia de Melo Cunha explica que as principais falhas na hora de redigir textos têm a ver com o planejamento. “É preciso ter claro na mente qual é o projeto de texto e as ferramentas necessárias para que sua execução seja possível. Para que o projeto se delineie, os modelos dos gêneros textuais devem estar internalizados. Se o desafio é escrever um artigo de opinião, por exemplo, a pessoa que vai redigir deve acionar os conhecimentos referentes a esse tipo de texto”, destaca. A dificuldade de planejar acaba comprometendo muito o tempo disponível para a escrita. E, em uma situação de prova, o tempo é um elemento mais do que precioso. “O texto não é um amontoado de ideias que se juntam a partir de uma inspiração”, resume. Intimidade com a línguaO hábito da leitura traz diversos benefícios, como melhoria do vocabulário, da escrita, raciocínio e até mesmo da fala. Mas sozinho ele não basta para quem quer ter mais intimidade com a língua.“De nada adianta você ler Machado de Assis se você não souber, por exemplo, quais são as regras de pontuação e, principalmente, por que o escritor usou a pontuação naquele caso específico. É fundamental entender que ter intimidade com uma língua requer consciência nos estudos e na utilização dela”, explica o professor Carlos André. Para ele, a tecnologia e o uso de e-mails e aplicativos de mensagem de texto como WhatsApp evidenciaram um problema gravíssimo que a maioria dos brasileiros tem em relação à escrita.onsultora em soluções de RH, Juliana Rebelo destaca que vivemos uma fase em que o uso de abreviações e jargões das redes sociais invadiram o ambiente profissional. “O uso das ferramentas de comunicação digital devem ser avaliadas e ponderadas de acordo com a cultura da empresa, e o nível de formalidade esperado. É cada vez mais importante estar atento aos combinados e ao que o ambiente profissional espera dos processos de comunicação”, ensina. Ela acredita que o uso correto da língua portuguesa demonstra empenho e profissionalismo.