A tragédia sempre fez parte da vida de Elza Soares e ela sempre renasceu em grande estilo. Menina, foi obrigada pelo pai a casar-se aos 13 anos. Perdeu dois filhos desse primeiro casamento e outro da união com o jogador Garrincha – que morreu também no dia 20 de janeiro há 39 anos. Sofreu com violência doméstica e quando a carreira na música estava em baixa reinventou-se com mais de 70 anos quando lançou Do Cóccix Até O Pescoço (2002). Ela não queria mais ficar reciclando o samba, o que fez por muito tempo e apresentou uma nova virada na trajetória. Esse álbum mostra novas influências no repertório com hip-hop e música eletrônica. Foi quando elevou à máxima potência a voz rouca e incomparável para denunciar: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. A faixa A Carne, composição de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Capelletti, estourou nas rádios e se tornou um hino para denunciar o racismo. Discurso que ganhou uma nova potência na faixa Não Tá Mais de Graça (Planeta Fome). A carne mais barata do mercado não tá mais de graça / O que não valia nada agora vale uma tonelada. É Elza Soares combatendo o preconceito e falando de empoderamento. A virada seguiu com o álbum A Mulher do Fim do Mundo. Elza despontou no mercado em 1959 com a música Se Acaso Você Chegasse, uma composição de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins que também deu nome ao primeiro disco de Elza. A gravação já trazia as credenciais da artista, marcada pelo estilo de canto rasgado. Ao longo dos anos 1960, ela se estabeleceu como uma das principais intérpretes de samba do País, em discos como A Bossa Negra (1960), O Samba é Elza Soares (1961), Sambossa (1963), Na Roda do Samba (1964) e Um Show de Elza (1965). Nos anos 1970, decidiu cantar samba de ritmo tradicional e a fase rendeu sucessos como Salve a Mocidade (1974), Bom dia, Portela (1974), Pranto Livre (1974) e Malandro (1976). Os anos 1980 foram cruéis com Elza. Ela amargou período de ostracismo e, quando pensou em desistir de cantar, bateu literalmente na porta de Caetano Veloso, em hotel de São Paulo, para pedir ajuda. O auxílio veio na forma de convite para Elza participar da gravação do samba-rap Língua (Caetano Veloso, 1984), faixa de álbum pop do cantor, Velô (1984). Um novo caminho se abriu para a carioca e o samba foi ficando mais de lado, como no disco Somos Todos Iguais, com música de Cazuza (1958-1990). Morreu como lenda.