Talvez nenhum outro artista plástico da cidade retrate com tantos detalhes em sua obra a antiga Estação Ferroviária de Goiânia como Alexandre Liah, que nasceu e foi criado na região. A paixão não é apenas por uma questão de RG, mas também afetiva. Por anos, o avô do pintor trabalhou no complexo como torneiro mecânico. Por conta disso, desde 1980, vez ou outra, o lugar aparece na sua tela como na nova pintura feita para a exposição coletiva Goiânia em Art Door, aberta em comemoração ao aniversário de 88 anos da capital.“A Estação faz parte da minha história. O que mais chamava a minha atenção eram aqueles galpões de cereais”, lembra Liah, que tem um rico acervo de fotografias feitas por ele quando o lugar ainda estava em atividade nos anos 1970. A mostra reúne 88 artistas, como Gilvan Cabral, Nonatto Coelho e Helena Vasconcelos, cada um com uma obra. As telas estão em cartaz no saguão do Paço Municipal e numa ação inédita foram reproduzidas em outdoors e estão em diversos pontos espalhados pela cidade. A exposição fica em cartaz até 24 de novembro.A coletiva tem como tema pinturas que identificam a cidade por meio de bosques, lazer e monumentos históricos, como na tela de Carlos Catini, na qual ele fez o trampolim e as muretas do Lago das Rosas, assim como a Estação Ferroviária que aparece também no trabalho de Hudson Curvo. Muitos artistas recorreram ao seu próprio acervo para participar da mostra, outros preferiram fazer uma nova obra. É o caso de Liah que concluiu exclusivamente para o projeto a sua pintura feita na técnica mista sobre cartão pinho, em setembro.Na obra de Liah, não é apenas a Estação Ferroviária que chama a atenção. O céu laranja que faz alusão ao clima do Cerrado e a representação de uma vida bucólica também se destacam. Outro ponto que chama a atenção é a frase “Vidas Humanas Importam”, em referência ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) que nasceu em maio de 2020 nos Estados Unidos em combate ao racismo e se espalhou pelo mundo. “Fiz essa adaptação porque é um texto que abraça todas as ideologias da humanidade”, comenta.Liah é um dos artistas mais conhecidos de Goiânia. Ele tem a cidade como inspiração pictórica. A figura humana raramente aparece em suas paisagens urbanas, mas, quando dão a cara, são geralmente solitárias, caso do motociclista da tela da exposição. Descendente de ucraniano, o seu trabalho foi influenciado por D.J. Oliveira (1932-2005), um dos grandes nomes da arte goiana. Na carreira, ele tem exposições em Brasília, São Paulo, Chile, Alemanha e Holanda.UrbanoQuem também participa da exposição, realizada pela Secult Goiânia, em parceria com a Associação Goiana de Artes Visuais (Agav), é Amaury Menezes, 91 anos, um dos maiores cronistas da cidade. Suas obras captam representações do dia a dia, como um instante de admiração da natureza ou um passeio no parque no fim de tarde de domingo. É o caso da obra escolhida para o projeto. O processo de produção é a observação. Ele sai pelas ruas com a sua máquina fotográfica e registra cenas que chamam sua atenção.O veterano artista, que desde o início da pandemia da Covid mudou-se para a cidade de Goiás, segue com sua produção bastante ativa. Ele produz todos os dias, seja por encomenda, já que recebe diversos pedidos para desenhar rostos ou por livre inspiração. Nascido em Luziânia, ele pinta desde quando Goiânia não tinha nem carteira de identidade e mais tarde foi aluno de frei Nazareno Confaloni, Gustav Ritter e D.J. Oliveira. Amaury foi um dos fundadores do Museu de Arte de Goiânia (MAG), espaço que tem uma sala com o seu nome.Se Amaury representa uma cidade calma e romântica na sua pintura, o goiano G. Fogaça, que também faz parte do projeto, é o oposto. Ele bebe do caos e do crescimento desordenado da cidade. São carros, motos, bicicletas e pedestres digladiando por um espaço no trânsito. Assim como o amigo, ele participa com uma obra do seu acervo, que faz parte da sua nova fase pictórica, iniciada em 2016, com cores menos densas e telas mais abstratas. Trabalhos que já foram vistos no Chile, Argentina, Venezuela, Espanha, Alemanha e Cuba.Título: Grande desafioO projeto Goiânia em Art Door foi encarado como um grande desafio para o naïf Dilvan Borges, que trabalha com a temática da natureza, com cores claras, áreas visuais bem definidas na técnica do pontilhismo, criada na França em meados de 1880. Quem conhece sua produção sabe que ela consiste em pequenos pontos de diferentes cores que, justapostas, provocam uma mistura óptica. Para homenagear o aniversário da capital, ele fez uma pintura clássica, acadêmica, no tom lilás escuro com dourado da fachada do Museu Zoroastro Artiaga, no Centro. “Pensei na art déco da cidade e pelo apreço que tenho pelo lugar que passo todos os dias. Além disso, é também uma maneira de cobrar pela sua preservação. Talvez possa virar uma série”, adianta ele, que tem mais de 30 anos de carreira.Obra: Museu Zoroastro ArtiagaTécnica: Acrílica Sobre TelaLocal: Em frente a Cidade EmpresarialArtistas de ruaEm meio à agitação e correria de uma grande cidade, os artistas de rua trazem alegria para muitos cantos. Músicos, malabaristas e palhaços transformam semáforos da capital no local de trabalho. Desde 2015 essa é a temática de uma série com mais de 30 obras do goiano Pedro Galvão, que levou uma dessas telas para o projeto Goiânia em Art Door. “São pessoas que humanizam o trânsito e trazem um pouco de respiro nesse ambiente de caos”, conta. A produção nasceu de pesquisa em campo, com entrevistas e registros fotográficos. A coleção inclusive já foi premiada em Goiânia. Nascido em Anápolis, o trabalho de Pedro segue na linha social na técnica com tinta acrílica, mas sem deixar de retratar a cidade e os seus problemas, como a sujeira nas ruas e o crescimento desordenado. Obra: Espetáculo UrbanoTécnica: Acrílica Sobre TelaLocal: Av. 24 de Outubro, Estádio Antônio AcciolyRefúgio do caosQuem observa o trabalho da artista goiana Demirane Gonçalves sente uma paz num verdadeiro convite para a contemplação da paisagem e um pit-stop para descansar do caos urbano. A obra faz referência ao Parque Vaca Brava e traz mais um símbolo dos goianos: os ipês com as folhas no chão. "São dois símbolos da nossa capital e por isso decidi incluí-los na mesma tela", conta. Assim como Dilvan Borges, a obra apresentada ao projeto não faz parte da sua linguagem artística. Demirane trabalha com o abstrato, numa mistura de natureza morta, com sentimento e emoção. Natural de Jataí, ela chegou na capital em 1979, mais tarde formou-se na Faculdade de Artes Visuais da UFG e coleciona importantes exposições na carreira com abertura de coletivas na Austrália, Nova York e pelo Brasil, como em São Paulo.Refúgio UrbanoTécnica: Acrílica Sobre TelaLocal: Paço MunicipalForça do CerradoA mensagem na obra da goiana Fernanda Porto é direta: a cidade pode crescer desordenadamente, mas esse avanço não vai conseguir destruir o Cerrado. Na sua obra, o Ipê amarelo representa a resistência da natureza e também serve como um alerta de preservação. “É uma árvore tão forte, que mesmo com todo o desmatamento, ele segue no mesmo lugar, imponente e exuberante”, comenta. O trabalho também tem algumas colagens, técnica bastante forte na sua carreira, com veículos e degradação. Já a cidade foi colocada dentro de uma paleta de artista para reforçar o crescimento. Natural de Goiânia, Fernanda pinta desde criança, mas a dedicação exclusiva à arte tem dois anos, após a aposentadoria, já que estava difícil conciliar coordenação de uma escola, o trabalho de produtora e de marchand.Obra: Estou Aqui!?Técnica: Acrílica e Colagem Sobre Tela Local: Paço Municipal Quintal culturalA obra de L. Gonçalves para o projeto é um convite para uma viagem pela arquitetura imponente de Goiânia, para a natureza com a presença de ipês e pequi. Tem também a religiosidade, os passáros e a música sertaneja. O artista reverenciou as duplas da cidade que revelou nomes como Leandro & Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano e Bruno & Marrone. "Fiz uma leitura de vários monumentos da capital passando por toda nossa cultura. É o nosso quintal", afirma. Natural de Anápolis, L. Gonçalves, que também é cantor, começou a se dedicar à pintura em 2011 utilizando técnicas mistas como colagens com materiais recicláveis e texturas diversas. Ao longo da caminhada passou por vários estilos, do artesanato ao abstrato. Atualmente, a natureza é a sua temática.Obra: Goiânia, Meu QuintalTécnica: Acrílica Sobre TelaLocal: Estádio Olímpico na Avenida Paranaíba, Centro-Imagem (Image_1.2345781)-Imagem (Image_1.2345782)