Em maio, quatro brasileiros colocaram o público do Festival de Cannes de pé. De um lado, Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles e a violência de Bacurau. Do outro, Karim Aïnouz, Rodrigo Teixeira e a crueza poética de A Vida Invisível de Eurídice Gusmão. O que muita gente não sabe é que o cinema independente feito aqui também conquista entusiastas do lado de cima do Equador. O mais recente trabalho da cineasta Rosa Berardo, por exemplo, está entre os selecionados do Festival do Filme Brasileiro de Montreal, no Canadá, onde foi exibido, na mostra não competitiva, ontem à tarde.Sem Retorno, terceiro longa da carreira de Rosa, já havia sido apresentado ao público, em setembro, no Festcine Goiânia, sob curadoria de Tizuka Yamasaki. A boa recepção pegou a diretora de surpresa. “As pessoas me paravam para falar sobre como haviam ficado emocionadas com a história”, conta. Dois dias depois, a consagração veio na forma de uma ligação. De Canadá, a comissão de seleção do Festival de Montreal elogiou a qualidade do filme, parceria entre Rosa e Carlos Morelli, diretor uruguaio que assina o roteiro.O filme acompanha Pedro, um vendedor de aspirador de pó que vai para o interior de Goiás trabalhar, com o objetivo de quitar as dívidas. Mas, depois de um imprevisto, o jovem se perde, é acolhido pela misteriosa Clara e acaba se encantando com a possibilidade de começar nova vida. Em confusão, porém, o personagem nega tudo e foge. Mas, de alguma forma, sempre volta ao mesmo lugar. É um sonho que se torna um pesadelo. “O filme fala sobre a dificuldade da entrega, o medo da vulnerabilidade. Pensar as relações humanas é uma coisa que me interessa muito”, comenta a cineasta.Ambientando a trama, paisagens de Goiânia, Mossâmedes e da Serra Dourada, na cidade de Goiás, onde a equipe gravou na Reserva Biológica Professor José Ângelo Rizzo. “Explorar a paisagem do bioma foi uma das nossas prioridades. Agora, exibindo o filme para um público estrangeiro, a ideia de mostrar como falamos, o que pensamos e onde vivemos ganha ainda mais sentido. Nossa geografia vai estar muito bem representada na telona”, garante, referindo-se, por exemplo, à presença de um jardim de pepalanto, famoso chuveirinho do Cerrado, em várias cenas.Rosa conta que a parceria com Morelli não é nova. Os dois trabalharam juntos em Alarme Falso (2017), curta protagonizado por Gustavo Duque e Bellatrix Serra, dupla escalada para viver Pedro e Clara no novo longa. Contemplado em edital para longas, cuja verba veio do Fundo Setorial de Goiás e da Ancine, em 2014, o filme demorou quatro anos para sair do papel. Por atrasos no pagamento, Sem Retorno só começou a ser rodado em julho de 2018, o que tornou a execução desafiadora. “Durante uma semana, subimos e descemos a Serra Dourada num calor de 40 graus”, lembra a cineasta.Rosa já havia participado do Festival do Filme Brasileiro de Montreal em 2008, com o documentário Cerrado: Quanto Custa?, no qual abordava os impactos da monocultura, mais especificamente da produção de cana-de-açúcar, no segundo maior bioma da América do Sul. Este ano, a mostra chega à 43ª edição, mantendo-se afastada das produções de Hollywood e reivindicando seu lugar como promotora da diversidade cultural. O longa de Rosa foi exibido ao lado da nata do cinema nacional, como os badalados Bacurau e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (ambos de 2019).