São três os estágios iniciais: espanto, desconfiança e tentativa de persuasão. O controller jurídico Renan Lima, de 23 anos, diz já ter se acostumado com a reação da maioria das pessoas ao saberem que ele não consome bebidas alcoólicas. Ao responder que a atitude não tem nada a ver com motivos religiosos ou com problemas de saúde, as reações se intensificam. O espanto é geral. “Lá em casa todo mundo bebe. Sou considerado a ovelha negra da família”, brinca.Renan não sabe, mas ele faz parte de um movimento que, nos Estados Unidos, já ganhou nome e sobrenome: sober curious (em tradução livre, sóbrio curioso). Pesquisas indicam que muitos millennials, gente que nasceu entre 1981 e 1996, e integrantes da Gen Z, pessoas nascidas, em média, entre a segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010, estão diminuindo ou cortando completamente o álcool de suas rotinas. O movimento ganhou destaque após a publicação do livro Sober Curious, da jornalista britânica Ruby Warrington, ainda sem edição no Brasil.No caso do jovem goiano, apesar da enorme pressão social, o álcool realmente não conquistou seu paladar. “As bebidas sempre foram muito acessíveis na minha casa; então, nunca existiu aquela curiosidade pelo proibido. Ao completar 18 anos, quando pude ingerir legalmente a bebida, até experimentei alguns tipos, mas o sabor não me agradou”, conta Renan. A questão da saúde pesa também na escolha de uma vida abstêmia, mas é o comportamento provocado pelo álcool que mais incomoda o jovem.Lidar com parentes e amigos que quando bebem costumam ficar alterados não é algo muito agradável. Renan que é naturalmente extrovertido destaca que não precisa do álcool para se divertir e socializar na mesa de um bar ou em uma festa. “Costumo dizer que o ideal para mim é estar sóbrio porque isso já me equipara aos meus colegas bêbados”, conta, aos risos. Outra vantagem é que ele é invariavelmente o “motorista da rodada”.O movimento sober curious propõe uma reavaliação da relação dos jovens com a bebida. Grande parte deles está interessada em moderar o consumo de álcool, e não em se tornar completamente abstêmia. A tendência tem ganhado adeptos em vários países. Nas redes sociais, ele virou a hashtag: #sobercurious que está em dezenas de milhares de posts e costuma aparecer ligado ao movimento #wellness, de saúde e bem-estar.Entre os efeitos mais comuns sentidos por quem diminui ou corta o consumo de álcool, estão a melhora do sono, a diminuição da ansiedade e maior disposição física. “Não gosto do sabor, nem dos efeitos do álcool no organismo”, justifica o psicólogo e designer Gabriel Valle, de 24 anos, pela opção de não beber. Ele conta que a reação dos amigos, em especial no início da adolescência, sempre foi a de tentar convencê-lo a provar aquela bebida que o conquistaria. Primeiro foi a cerveja, depois o vinho, alguns drinques, mas nada o fez achar o hábito prazeroso. “Até posso provar uma bebida, mas não vai fazer parte da minha rotina. Nunca gostei muito dos comportamentos associados ao álcool. A pessoa bêbada fica muito chata”, ressalta.No Brasil, o consumo de álcool está intimamente ligado com a ideia de masculinidade como parte da identidade do homem. Por isso, para os rapazes abstêmios, a pressão social é ainda maior. “Sempre namorei, pratiquei esportes; então, essa pressão nunca me pegou. Mas vivo em um grupo de privilégio, de pessoas que respeitam minha decisão. Eu adoro interação social, posso conversar a madrugada inteira em uma mesa de bar, sem precisar do álcool”, conta Gabriel. A vantagem óbvia é acordar no dia seguinte sem ressaca.Brinde sem álcoolCulturalmente o álcool - apesar de todos os prejuízos que o consumo excessivo provoca - está ligado a momentos felizes da vida como festas, comemorações e confraternizações. Para a nutricionista Victória Guimarães, de 27 anos, provar que está feliz e se divertindo mesmo sóbria sempre foi um desafio. "Meus pais e meu namorado bebem socialmente. Provei algumas bebidas, mas não gostei. Nunca fiquei bêbada", explica. Ela acredita que as pessoas costumam utilizar o álcool como recompensa, uma espécie de fuga do cotidiano. "O meu prazer está na comida. Prefiro sair para tomar um bom café da manhã do que beber em uma balada", compara.O movimento de jovens que estão diminuindo ou cortando o consumo de álcool tem impulsionado também a onda dos mocktails, drinques sem álcool que simulam bebidas clássicas. "É um mercado que tem crescido bastante, basta ver os cardápios com cada vez mais opções. Fazer um drinque sem álcool é sempre um desafio. Você não pode pegar uma receita clássica e simplesmente tirar a bebida. É preciso criar algo novo que tenha balanceamento dos ingredientes para não ficar parecendo, por exemplo, com um suco", explica o mixologista Guilherme Marques, de 25 anos.Apesar da profissão, o rapaz confessa que também bebe pouco. "Costumo tomar dois, três drinques em uma noite. Nunca para ficar doido. Não gosto da ressaca", confessa. A bilionária indústria das bebidas alcóolicas também já sente os efeitos da tendência. Bebidas sem álcool ou com baixo teor alcoólico são lançadas anualmente no mercado tentando conquistar a juventude que considera ficar bêbado completamente fora de moda.Na contramãoApesar do sober curious ser uma tendência em alguns países do mundo, no Brasil há uma dado que preocupa pais e autoridades. Os jovens estão bebendo cada vez mais cedo. Quase 56% dos adolescentes entre 13 e 15 anos já provaram uma bebida alcoólica, de acordo com a edição mais recente da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), de 2019. Beber na adolescência costuma começar em casa. Um dos motivos é a curiosidade por novas experiências. Estudos indicam que jovens que começam a beber mais cedo têm mais chances de se tornarem dependentes do álcool quando adultos. No País, a Lei no 13.106/2015 proíbe a oferta de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos. -Imagem (Image_1.2413983)