A primeira vez que a pesquisadora Jéssica Traguetto participou de uma Folia de Reis foi ainda bebê, quando deu vida ao menino Jesus durante a encenação do nascimento de Cristo. “É uma tradição familiar passada de geração em geração. Herdei da minha avó e hoje perpetuo por meio dos meus filhos”, conta o pai, o folião José Maria Reis. Passados 28 anos, neste domingo (9) a goiana volta a integrar o elenco do festejo popular como a figura de Maria, na tradicional folia da Capela Nossa Senhora Aparecida, na Cidade Jardim.Tradição que pulsa em Goiás, a Folia de Reis é marco da cultura popular e representa devoção e fé que aquece o período do Natal e o dia 6 de janeiro, intitulado como o Dia dos Três Reis Magos. Os cortejos religiosos e populares reproduzem a viagem de Baltazar, Belchior e Gaspar para adorar o menino Jesus na manjedoura. “É uma forma de agradecer e manter um legado que faz parte da história de muitos”, reitera José Maria.A Folia de Reis da Cidade Jardim, que acontece há mais de 80 anos, volta a ser realizada após hiato de um ano, quando precisou ser interrompida pela primeira vez por conta da pandemia da Covid-19. Neste ano, o empresário José Maria Reis, organizador da festa, resolveu realizá-la tentando respeitar as medidas sanitárias. “Não podemos deixar de realizar a folia por mais um ano. Estamos trabalhando com um número menor de foliões, orientando o uso de máscara e álcool em gel”, explica o produtor.O festejo que reúne encenação teatral, missa e um grande jantar para a comunidade com grupos vindos de Goiás e Mato Grosso é uma tradição de família. Canções e danças populares, bandeiras, vestimentas e adornos especiais e rezas específicas colorem o dia. “Minha mãe e minha avó eram devotas e promoveram a festa por mais de 60 anos. Assumi há três décadas a missão de realizar o encontro e desejo passar essa herança para meus filhos e netos”, conta ele.Enquanto José Maria Reis tenta driblar os desafios de realizar a Folia de Reis no meio da pandemia e do aumento de número de casos de gripe em Goiás, a Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Cultura (Secult), ainda não tem definido se haverá o tradicional Encontro de Foliões da capital. Na última edição, realizada em 2019, o evento reuniu cerca de 40 grupos de foliões e mais de 5 mil pessoas na praça da Igreja Matriz de Campinas. Em 2020, o evento não ocorreu por conta das medidas sanitárias.GiroPelo interior goiano, em regiões em que as folias são ainda mais tradicionais e antigas, muitos dos “giros”, termo usado para designar as andanças de casa em casa, também foram cancelados. As mais famosas das cidades de Goiás e Pirenópolis, por exemplo, não serão realizadas em 2022, de acordo com as pastas de cultura das prefeituras dos municípios. “As pessoas não se sentem tranquilas para circular, enquanto outras também não se sentem seguras em receber os foliões”, destaca em nota a Secretaria de Cultura da antiga Vila Boa.Em Itapuranga, cidade a 165 quilômetros da capital, o grupo de Folia Beija-Flor resolveu sair com o número reduzido de foliões e em temporada menor como de costume. Realizado há mais de 70 anos, o giro começou no dia 25 de dezembro e se estendeu até 4 de janeiro, data da chamada “recolhida”, que é quando os foliões se despedem do festejo. “Neste ano, foi bem menor, obedecendo às normas sanitárias. Trata-se de uma herança que merece ser preservada”, conta o folião Edson Pessoa, que organiza muitas folias da região.Cultura e devoção abrilhantam a Folia Beija Flor, que sai sempre da zona rural e gira pela região durante os dias de festejo. Sob batuta do folião comandante Antônio Alípio, os músicos e participantes entoam poemas e cânticos especiais e tradicionais que se adaptam de região para região. Para Pessoa, autor de livros que tratam sobre a Folia de Reis em Itapuranga, os cortejos precisam ser preservados. “Viva os três Reis Magos e a nossa tradição de folia. O desejo é manter a fé”, diz.No traço da foliaNas artes goianas, a Folia de Reis já foi representada inúmeras vezes pelos traços de artistas que destacam a força da tradição popular e religiosa. Em sua carreira como artista plástico, Antônio Poteiro sempre apresentou temas variados que abarcam desde a fauna do Pantanal até assuntos de história religiosa, abordados sempre de maneira original. Na obra Folia de Reis, por exemplo, o artista apresenta uma pintura ilustrada pelos personagens mais famosos dos cortejos, como os três Reis Magos. Já os Irmãos Credo, dupla encabeçada pelos artistas Izzy e Jesus, levam a Folia de Reis para muros e paredes por meio das artes urbanas. Por meio de diversas técnicas artísticas, o duo apresenta temas da cultura popular do interior e dos festejos populares. "Queremos contar nossa história enquanto crianças pretas crescidas no interior e em meio a festas e tradições religiosas", explica Jesus, neto de um ex-folião da Folia de Reis da região de Trindade.As cores dos giros também ilustram o trabalho do artista plástico Pedro Dias, que apresenta em suas telas representações dos cortejos. A ambientação da zona rural é rememorada com alegria das obras, como nas representações das festas populares. "Enquanto eu vou pintando, as ideias vão saindo da cabeça enquanto vou imaginando tudo", destaca o artista. SAIBA MAIS• Característica de fé, oratórios são obras de arte e peças de decoração• Momento de prece e devoção: oratórios são presença marcante nas casas de fazenda -Imagem (Image_1.2382184)