Escrito em 1966, o romance Homens e Caranguejos, do escritor Josué de Castro, é considerado uma das principais fontes da inspiração da estética do movimento Manguebeat. A profusão do manifesto cultural pernambucano de Chico Science & Nação Zumbi – que misturou música eletrônica com tambores de maracatu – é matéria-prima do premiado espetáculo Caranguejo Overdrive, que será apresentado neste sábado e domingo, às 20 horas, no palco do Centro Cultural UFG. A produção é do grupo carioca Aquela Cia. de Teatro.A apresentação em Goiânia marca a estreia da turnê nacional do programa Petrobras Distribuidora de Cultura da peça que liderou, em 2016, as indicações da 28ª edição do Prêmio Shell de Teatro do Rio. De Goiânia, os artistas seguem para Belém (PA), Teresina (PI) e São Luís (MA). Pedro Kosovski assina o texto sobre um soldado da Guerra do Paraguai que, dispensado após um colapso nervoso, retorna ao Rio de Janeiro, em 1870. Sua cidade natal, porém, está irreconhecível aos seus olhos, devido às obras de saneamento que dariam origem ao Canal do Mangue, no Centro.Cosme, o protagonista, é um ex-catador de caranguejos no mangue carioca, que é obrigado a lutar ao lado do Exército Brasileiro na Guerra do Paraguai. Ao voltar para o Rio, ele consegue um emprego na construção do canal. O mangue deixa de existir com a obra. Cosme já não sabe mais se é homem, caranguejo, soldado ou operário. Sua crise o obriga a abandonar tudo, a vagar pela noite, a mergulhar no delírio e a assumir, finalmente, a forma do crustáceo e viver na lama. Em cena, as canções originais de Felipe Storino (guitarra e direção musical) dialogam com a performance dos atores. No elenco, Carol Virguez, Alex Nader, Eduardo Speroni, Matheus Macena e Fellipe Marques.“A peça fala muito sobre o Brasil e a construção do que a gente vive hoje. Fala da fome, da pobreza, do descaso das autoridades e de um certo autoritarismo. Poder excursionar e encontrar plateias pelo País é muito gratificante para todos nós”, explicou o diretor do espetáculo, Marco André Nunes. O livro Homens e Caranguejos foi uma referência importante para a construção do roteiro do espetáculo. Médico, geógrafo e escritor respeitado, Josué de Castro foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a alertar o Brasil sobre o problema da fome. Até então, ela era vista como consequência natural do capitalismo.Assim como Chico Science, Josué cresceu perto do mangue no Recife observando a lida dos homens que, sujos de lama e mergulhados naquele cenário em busca de caranguejos, tentavam a subsistência. No prefácio do romance, ele escreveu sobre a “lama dos mangues, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo”. Na infância, Josué observava os trabalhadores que se alimentavam do mangue. Estavam tão chafurdados na lama que aos poucos iam se transformando também em caranguejos.“É uma metáfora com a estrutura social brasileira. Parece que a gente vive num ciclo eterno de exploração, brutalização da sociedade e insensibilidade social total dos Estados e governos. No final, há uma mensagem de esperança que vem com a arte e a cultura, a sensibilização”, explica Marco André Nunes. No palco, o herói-crustáceo protagoniza uma história repleta de caminhos movediços, narrada por cinco atores e três músicos em cena. O arrojo cênico, marca registrada da Aquela Cia. de Teatro, fez com que o espetáculo, que estreou em junho de 2015, conquistasse crítica e público em suas temporadas pelo País.Além da apresentação da peça, a Aquela Cia. de Teatro promove em Goiânia oficinas e um encontro com os grupos locais. O objetivo é fomentar um intercâmbio artístico. O grupo carioca surgiu da reunião de artistas vindos das várias escolas de teatro do Rio de Janeiro. O primeiro projeto foi em 2005, com o espetáculo Projeto K. Em seguida, vieram Sub: Werther, Lobo nº 1 (A Estepe) e Do Artista Quando Jovem. Em 2011, a linha de trabalho passou a investigar a relação entre teatro, música e espetacularidade, resultando nos espetáculos Outside, Cara de Cavalo e Edypop. Caranguejo Overdrive é considerado um manifesto contra a brutalização da sociedade brasileira.