Será lançado nesta sábado (20), pelo selo SemiBreve, o livro Aruanda – O Maior Quilombo do Universo, uma ficção na qual seu autor, Ralf Thibes, trabalha com elementos poderosos da cultura africana, incluindo suas ancestralidades e cosmologia, em que orixás se transformam em personagens. “O projeto se divide em dois momentos. Todo o estudo sobre raízes religiosas e antropológicas, as diferentes visões da cosmogonia das religiões de matriz africana, diferenças entre umbanda e candomblé e um paralelo com outras religiões orientais e as dominantes do Ocidente (cristianismo, judaísmo, islamismo)”, explica Ralf.“Num segundo momento, a ideia é a de escrever uma história para duas meninas (Georgia e Raissa) mencionadas na dedicatória. Acabou que a história, que seria um conto, começou a tomar um corpo que nem eu planejava. Quando vi, percebi que meus aprendizados podiam ser transmitidos de forma despretensiosa dentro do romance”, acrescenta o autor, que em 2019 iniciou-se na umbanda e recebeu o nome (dijina) de Iberê de Oxóssi. A noite de autógrafos será em O Jardim, na Rua 132-A, Setor Sul, a partir das 19h30. A obra também é uma forma de pautar questões raciais por meio da literatura, uma luta constante.“A evolução da sociedade atingiu um patamar em que o negro não pode mais ser silenciado à força. Então, ele pode finalmente se fazer ouvir sem precisar da intermediação do branco. Ele deixou de ser o descendente de escravos e passou a se ver como descendente de nações, de povos, de tradições, como tendo uma ancestralidade e o direito a ela”, pontua o autor, chamando a atenção para o aspecto religioso. “As religiões de matriz africana se baseiam nessa ancestralidade e ajudam muito nesse resgate da dignidade como pessoa e como nação”, pondera Ralf. Mas ele enxerga ameaças a essa caminhada. “Entretanto, são hoje perceptíveis e identificáveis os esforços de uma elite política em silenciar essa força, seja pelo próprio Estado desinflando secretarias, retirando subsídios a organizações afro culturais ou simplesmente negando publicamente e via redes sociais a necessidade de políticas de inclusão, usando expressões como mimimi ou vitimismo”, critica. Posturas que levam a preconceitos também religiosos. “Mas nisso os brasileiros não estão sozinhos. A diáspora africana foi para os EUA, Europa e América Central, mas não há orixás nos quadrinhos em nenhum lugar do mundo, nem filmes com divindades africanas.” Segundo ele, escrever o livro foi uma experiência enriquecedora. “Dar vozes aos orixás foi algo muito interessante, me aproximou mais de minha fé, pois eu não podia fugir dos itans (lendas) e das características atribuídas a cada um deles e a seus filhos”, explica. “Eu senti que a história seria mais poderosa se fosse baseada em fatos verídicos, comprováveis. Por exemplo, até que ponto a invasão de terreiros e a agressão de sacerdotes pela polícia é ficção? Então, a arte imita a vida. Só tentei que o fio condutor da história fosse a nossa história para orgulho de alguns e tristeza de muitos”, pondera o autor.Ralf, no entanto, é branco e a questão do lugar de fala é algo que ele não ignora. “Eu nunca fui vítima de racismo, mas já fui de preconceito religioso. Como erguer uma bandeira sem erguer a outra? Meu lugar de fala é como umbandista. Mas, no quesito racismo, só posso dizer por meio de meu livro que, sendo branco, ouvi (os relatos). O livro é só uma forma de contribuir com essa luta.”