“Nossa, mas trabalhar com a mãe? Deve ser complicado, né?” Essa é uma pergunta que frequentemente as irmãs Geovana Siqueira, de 32 anos, e Mariana Siqueira, de 31 anos, precisam responder — e elas garantem que a resposta é sempre não. As duas trabalham na escola Maple Bear, fundada pela mãe, a educadora Mônica Siqueira, de 56 anos. “A palavra convence e ensina, mas o exemplo arrasta. Esse ditado faz muito sentido para nós, que tivemos uma mãe como a nossa como inspiração”, comenta Mariana.A primeira impressão ao ouvi-las é que se trata de um trio inseparável, uma patota que não se desgruda. “É exatamente isso, em todos os sentidos. Nesse momento, uma está vestida com a blusa da outra que está com o colar da terceira”, conta Geovana. “Adoro quando me confundem com uma delas no corredor”, brinca a mãe. A família morou um tempo na Califórnia, onde usam o termo “irish twins” (gêmeas irlandesas) para definir irmãs com menos de 12 meses de diferença, como elas, fato que talvez influencie na relação de proximidade que sempre cultivaram.Mônica se dedicou a vida toda a sua formação como educadora infantil e as filhas a acompanharam em diversos momentos dessa sua rotina. Mesmo com meio caminho andado para trabalhar no mesmo ramo que a mãe, Mariana, que hoje é coordenadora de operações da escola, decidiu se arriscar por outros caminhos em um primeiro momento. Ela chegou a se formar em Direito, mas já trabalhava meio período na escola desde a sua fundação. “Eu entendi que não daria para conciliar os dois mundos”, diz.Juntas na cozinha"Sempre tive a preocupação de passar a filosofia e a alimentação macrobiótica, que sigo desde muito jovem, para as minhas filhas. Abrir o restaurante foi também pensando nesse sentido: criar um ambiente para elas conviverem com outras pessoas que seguiam essa alimentação e terem uma identificação", conta Lisley de Castro, de 61 anos, proprietária do restaurante Jardim Macrô. "A gente comia em casa, mas parecia que era sempre diferente de todos os outros lugares, da escola", observa."Minha mãe trouxe algo pra gente que é muito especial", conta Clara Jardim, de 27 anos. Desde os 9 anos de idade, ela já se sentia em casa no ambiente da cozinha. "Já queria estar junto inventando receitas, com certeza por influência da minha mãe e das minhas avós", conta. Há cerca de cinco anos, ela decidiu se dedicar aos estudos da macrobiótica, que já era tão presente em casa. "Fiz um curso em que tínhamos muitas aulas de culinária. Aprendi técnicas, que são muito específicas e delicadas, me engajei e me conectei bastante com essa alimentação", conta. Depois desse episódio, Clara passou a frequentar mais a cozinha da mãe.Hoje, além de seguirem a macrobiótica, as duas filhas de Lisley trabalham ao seu lado. "Elas terem criado um interesse também de participar e trabalhar junto no restaurante foi muito importante", aponta. "É muito bom poder estar mais próxima delas naquele espaço. A gente se diverte, conversa e convive muito mais, tem aqueles momentos de trocas e de chuva de ideias", comenta Clara. "E é muito gostoso ter essa sensação de pertencimento nesses processos de criação em conjunto, no nosso caso com os familiares mais próximos", completa.Convivência intensa"Trabalhar com a Mila foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida, por vários motivos", conta a empresária Domingas Pereira Damasceno Silva, de 52 anos. Antes da comemorada parceria começar, no entanto, ela vivenciou momentos incertos com o início da pandemia de Covid-19. "Eu tinha loja na 44 desde 2003. Achei que nunca sairia de lá", diz. Após a separação do seu então marido, em meados de 2012, Domingas passou a contar com a ajuda dos filhos no empreendimento de forma mais intensa. "Os dois ajudavam nos intervalos deles, mas sempre estudando junto", conta.Quando o fechamento de comércios começou em 2020, ela já administrava a Terê, loja on-line de jalecos e uniformes. "A loja já funcionava há cerca de 10 meses, mas sempre deixava como segundo plano. Ela se tornou minha principal ferramenta de trabalho com a chegada da pandemia", explica. Mila Damasceno, de 26 anos, teve as atividades como maquiadora paralisadas na mesma época. "Chamei a Mila para trabalhar na loja on-line e nossa parceria voltou com mais intensidade do que antes", conta."É muito leve trabalhar com ela, nos aproximamos demais com isso. A gente já tinha uma relação boa, mas essa dinâmica de se ver todo dia e se falar o tempo todo acabou nos ensinando a lidar melhor uma com a outra, de se entender", comenta Mila. Atualmente, ela fica na parte de vendas e a mãe à frente da produção da confecção. "Ter a minha mãe como parceira me ajudou muito a entender a dinâmica do trabalho, ela me deu muito apoio e hoje eu amo trabalhar com isso", diz."Essa aproximação que o trabalho nos trouxe me ajudou, inclusive, a aprender como acolher a Mila no processo de transição dela como ela deveria ser acolhida", observa Domingas. "A gente tem passado muito tempo juntas e conhecer ela também como profissional tem sido incrível. Ralamos muito, mas não canso de falar como ela tem potencial para essa área de vendas, nesse contato com os clientes", comenta a mãe orgulhosa.Legado musical"O Bruno estava se preparando para prestar vestibular para medicina, quando me disse: tudo o que os professores falam sobre a área é o que não quero para a minha vida", conta a professora de música Kathia Leonel Souza Leal, de xx anos, mãe de Bruno Augusto Gonçalves Leal, de 24 anos. Quando questionou o ramo profissional que ele gostaria de seguir, veio a surpresa: ele respondeu que queria fazer o curso de música. "Não tinha ideia desse interesse, até porque ele começou a fazer aulas de música relativamente tarde". Ela confessa que ficou insegura em um primeiro momento, mas que ele pediu seu voto de confiança. "Desde então, quando ele tinha 17 para 18 anos, vejo ele se dedicar dia e noite, que ele está realizado", diz.Bruno Augusto conta que pela facilidade e interesse que tinha pela disciplina de biologia na escola, decidiu por medicina. "Tem muitos médicos na minha família e acho uma profissão muito nobre, por poder ajudar outras pessoas. Fui alimentando essa ideia desde os 11 anos", diz. Mesmo com a sua mãe sendo uma profissional da área, ele confessa que não enxergava a música como uma possibilidade para ele. "Tem todos aqueles estereótipos, de que a área de artes não é profissão, é hobby. Mas ao me questionar e amadurecer minhas ideias, encarei como algo para me sentir realizado e ajudar as pessoas de alguma forma".Mesmo sem uma influência direta, ele observa que o fato de sua mãe ser musicista teve sua parcela de crédito para a sua decisão. "Ela nunca forçou nada, nunca insistiu nisso. Mas a partir do momento que eu escolhi a minha carreira, eu conseguia me projetar nela e ver um pouco do meu futuro, tinha ela como referência", comenta. Hoje, os caminhos de mãe e filho mostram diferenças e semelhanças: enquanto Khatia é professora de música do Centro Livre de Artes (CLA), Bruno abriu um estúdio há pouco menos de um ano, onde ele e mais quatro professores dão aulas com diferentes propostas. "Posso dizer que me divirto muito com minha profissão, mesmo com alguns dias difíceis. Tem alunos que dizem que as aulas de música são uma espécie de terapia, e esse tipo de coisa é muito gratificante", comenta.Quarteto fantásticoA advogada e professora Goiacy Campos Dunck enche a boca para contar que tem não somente um ou dois, mas os três filhos como colegas de profissão. "Um deles, o Lucas, é sócio-proprietário junto comigo no nosso escritório, é meu braço direito. Meu outro filho, Davi, também trabalha com a gente. Só o Pedro Ernesto, que é juiz, que não trabalha diretamente comigo", diz. Além de advogados, os três filhos também são professores universitários. "Eu sempre sonhei em ser professora por causa da minha mãe, ela era minha inspiração. E agora, com eles, é uma relação de aprendizado das duas partes", conta.Para Goiacy, a relação de confiança que possui com os filhos é a maior vantagem de trabalhar ao lado deles. "O meu maior presente é poder confiar plenamente no trabalho deles e ter o Lucas como parceiro. Saber que posso sair do escritório despreocupada é meu maior orgulho", comenta. Ela, que é casada com um advogado, diz que eles nunca impuseram a carreira para os filhos, mas que o dia a dia deles com certeza influenciou na decisão. "Sou professora e advogada por paixão. Não demonstrava o trabalho como uma carga para mim e eles cresceram nesse meio", observa.Ela precisou do conselho da mãe para decidir que área escolheria. “Ela me disse: ‘Dorme essa noite e imagina a sua vida nesses dois mundos. Quando você acordar, você vai saber a resposta’. Parece clichê, mas foi quando entendi que minha paixão era mesmo pela educação. Fui logo fazer as especializações que precisava, como a de pedagogia complementar”, conta. Uma pesquisa de 2019 feita pelo Linkedin apontou que 26% dos entrevistados afirmaram terem decidido suas carreiras por projeções ou recomendações da família. “Por aqui, não foi nada imposto para nós. Não é porque é uma empresa da família que teríamos de dar continuidade ao trabalho da nossa mãe”, comenta Geovana. “Ela sempre nos deixou muito livres quanto a isso, mas acabamos nos apaixonando pela área”, continua ela, que ocupa o cargo de assessora administrativa da escola.Apesar de tanta sintonia no ambiente de trabalho, elas admitem: de vez em quando rolam uns desacordos de opiniões. “E ainda bem que não pensamos da mesma forma sobre tudo, mas é preciso respeito e muito diálogo para saber separar o que é trabalho do que é relação mãe e filha. Mas vou contar uma coisa: de vez em quando, elas ficam manhosas e jogam essa carta para mim, viu?”, brinca Mônica. “Tenho um orgulho imenso das mulheres que elas se tornaram e de serem as minhas parceiras de vida. A minha missão virou a delas”, comenta.-Imagem (Image_1.2451750)-Imagem (Image_1.2451728)-Imagem (Image_1.2451754)-Imagem (Image_1.2451752)